Velocidades polêmicas
Todos temos o impulso de correr. Correr é muito bom. É prazeroso e nos dá a impressão de que estamos sendo mais eficientes, que estamos aproveitando melhor tudo o que a vida tem para nos oferecer, que vamos chegar antes ao final do dia, no final de semana ou nas nossas merecidas férias. Tudo isso é ilusão.
Praticamente tudo em nossas vidas vêm se acelerando nos últimos tempos. Nunca foi tão fácil – e rápido – acessar informações. A evolução das tecnologias de comunicação – telefone, TV, internet – atingiu níveis da ficção científica de 30 anos atrás. Só o trânsito ficou mais lento. Vem daí boa parte de nossa ansiedade e não conformismo em perder cada vez mais tempo em nossos deslocamentos.
Quanto menor a velocidade de deslocamento, mais você vai demorar para chegar ao seu destino, é claro. Então pensar em reduzir os limites de velocidade torna-se um pesadelo. Mas vivemos em cidades, dividindo espaços com várias outras pessoas que também têm pressa. Uma coisa é você e seu amado veículo sozinhos pelas ruas. Nessa condição, o limite de velocidade poderia ser bem mais alto do que é. Mas com outros veículos circulando – e quanto mais veículos houver – menor será a velocidade possível de ser desenvolvida sem que comecem a acontecer acidentes ou congestionamentos. Por isso não há como melhorar o trânsito sem pensar no coletivo. Vivemos em sociedade, amontoados em cidades. Algumas facilidades das pequenas cidades simplesmente vão se tornando impossíveis.
Para entender e baixar o stress, perceba que as velocidades médias, na prática, já são muito baixas. Portanto, é melhor se conformar. O maior desafio passa a ser não deixar congestionar. Ficar travado é muito pior do que ter de ir devagar.
Em vias em que muitos veículos circulam ao mesmo tempo, não adianta colocar limites altos de velocidade. Ao contrário do que possa parecer, velocidades moderadas geram um fluxo melhor, nestes casos. Duvida? Não se preocupe. Você não é o único. Mas, sinto informá-lo, você está errado.
Bem, isso não é uma verdade absoluta e aplicável em qualquer caso. Mas com certeza se aplica à maioria das situações mais comuns de nossos cidades de porte médio e grande, onde há veículos demais circulando ao mesmo tempo para uma velocidade máxima permitida de 60 Km/h, que é o nosso padrão para vias urbanas.
Quando o volume de veículos é pequeno, beleza. Tudo tende a dar certo e os condutores conseguem andar próximos deste limite. Ou mais, cometendo infrações, inclusive. Quanto mais veículos circulando, menos chances de tudo dar certo para quem quer ir rápido.
Aceitar isso não é tão fácil. E é mais por uma questão cultural, do que por ignorarmos os motivos que justificam tais medidas. Mas o desconhecimento destes mecanismos do trânsito, atrapalham muito. Porém não é preciso ser um expert para entender o que se passa. Sabe aquela brincadeira de infância chamada Escravos de Jó? Aquela que exige concentração, agilidade, habilidade e, especialmente, sincronismo? Nem sei se ainda se brinca disso hoje em dia. Espero que sim, pois trata-se de um belo exercício de atividade em equipe.
A distração ou erro de um, prejudica a todos. Todos ganham quando os desempenhos individuais melhoram. É preciso muita atenção e sintonia entre todos os participantes para que tudo aconteça certinho. Mas no início é preciso cantar a letra e executar os movimentos devagarinho. Quem já brincou disso sabe que só é possível acelerar na medida em que todos os participantes conheçam as regras, estejam empenhados em respeitá-las e entrem em sintonia com os demais participantes. Tentar acelerar por ansiedade, além das limitações que se impõem naturalmente, é provocar falhas no processo. E só é possível aumentar o ritmo se todos acelerarem juntos. O “gargalo” aparece imediatamente quando alguém demora demais, se atrapalha ou erra. Muito parecido com o que acontece no trânsito.
Outros aspectos a se considerar, além da densidade com que ocupamos nossas ruas e avenidas, são as características das movimentações dos nossos veículos. É muito mais rápido desacelerar – frear quando o veículo da frente reduz – do que acelerar até retomar a velocidade anterior. E ainda, os condutores demoram a reagir aos movimentos dos outros. Assim, quanto mais veículos trafegando numa via, maior deve ser a distância entre eles, pois os tempos de reação, frenagem e aceleração, para manter a fluidez sem acidentes, geram uma espécie de “onda de atraso”, que resulta na gradativa perda de velocidade até o ponto de parar o fluxo. Esse fenômeno é chamado shockwave jams – algo como onda de congestionamento – ou ainda phantom jams – congestionamento fantasma. Neste vídeo dá para ter uma boa ideia do que estou falando:
A relação entre densidade e velocidade é muito estreita e difícil de equilibrar. Fica fácil de entender o impacto da densidade no fluxo se você lembrar do que acontece quando uma pista fica bloqueada por conta de obras ou de algum acidente: os veículos que circulavam nela são desviados para as outras pistas e o efeito… bem, esse conhecemos. Conformemo-nos: quanto mais veículos em circulação, menor a velocidade possível.
Quanto menor a variação das velocidades desenvolvidos por cada veículo na via, menor as chances de travamento. Aí está outro video que pode ajudar a compreender esse conceito:
A sabedoria popular diz que “se você vai longe, então vá devagar”, ou ainda que “devagar se vai ao longe”. Para o trânsito fluir bem precisamos de uma sincronia tal qual a brincadeira do Escravos de Jó. Mas o trânsito não é brincadeira. Quando as coisas não dão certo significa bem mais do que poder rir do colega que errou ou da equipe adversária. No trânsito todos fazemos parte do mesmo time, queiramos ou não. O erro de um põe em risco a segurança dos outros.
As polêmicas reduções de velocidade nas vias marginais em São Paulo e, recentemente, o anúncio da Prefeitura de Curitiba de adotar as mesmas medidas, geraram muitos debates e – que bom – oportunidades para que as pessoas discutam o tema. Falei sobre isso na semana passada na Rádio Bandnews FM.
Os órgão que administram o trânsito estão tendo que optar entre a desvantagem de ter que lidar com a resistência dos condutores, e as vantagens de reduzir congestionamentos, acidentes e ainda poluir menos. Se coubesse a você a responsabilidade pelo trânsito, o que você faria?