DETRANs, CFCs e a COVID-19
Em tempos de COVID-19, as limitações no relacionamento entre DETRANs e CFCs ficou mais evidente. Entenda!
Todos os cursos que qualificam, certificam e homologam alguém em algum assunto, habilidade ou profissão, preveem uma avaliação para a conclusão do processo. Essa é uma regra universalmente aceita, geralmente sem grandes questionamentos. As pessoas recebem um certificado atestando que concluíram o ensino fundamental, o ensino médio, a faculdade, um curso profissionalizante, etc. E o diploma ou certificado conquistado é muito importante: é uma espécie de expressão materializada dos conhecimentos ou habilidades adquiridos.
Quem emite essa certificação necessária para o exercício da função para a qual a pessoa se habilitou é a instituição de ensino que ministrou o curso. Mas nem sempre, por incrível que pareça. A faculdade de Direito certifica o bacharel, mas quem certifica o advogado é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A faculdade de Engenharia diploma o engenheiro, mas ele só pode atuar na profissão se obtiver o registro no Conselho Regional de Engenharia e Agricultura (CREA). E são vários exemplos.
Formação de condutores
Mas uma das situações mais curiosas é a das autoescolas, que formam condutores mas, efetivamente, não emitem essa certificação, a CNH – Carteira Nacional de Habilitação. Só os DETRANs fazem isso. Não é difícil entender: os DETRANs não têm estrutura para ministrar os cursos, então, eles “terceirizam” essa função com os CFCs – Centros de Formação de Condutores, delegando-lhes essa tarefa. Ou seja, na prática, um CFC “forma o condutor” apenas no sentido de dar ao seu aluno todos os conhecimentos e habilidades de que ele precisa para ser um condutor veicular. Porém, o aluno só se tornará condutor, de fato, se obtiver a CNH.
Para obter a CNH, uma vez cumpridas todas as exigências, esse futuro condutor precisa provar para o DETRAN que teve mesmo uma formação adequada. É aqui que entra a avaliação. Se obtiver a nota mínima, será considerado apto e receberá a CNH, tornando-se, enfim, um condutor habilitado.
Deslocamento
Comparando com escolas “normais”, podemos dizer que na formação de condutores há um deslocamento para fora da escola de uma parte fundamental do processo, a avaliação, que, neste caso, é feita pelo DETRAN. Claro que também é possível analisar a situação por outro ângulo: o deslocamento é do curso, que acontece fora do DETRAN. A avaliação, nesta perspectiva, está no lugar certo, no DETRAN, que é quem detém o poder de “certificar” um novo condutor.
Há outros deslocamentos importantes na seara da formação de condutores, como o controle de frequência, cada vez mais instrumentalizado por tecnologias de biometria e monitoramento de vídeo. Tudo feito pelo DETRAN, dentro do ambiente das autoescolas.
Você sabe por qual motivo um CFC não tem poder para finalizar o curso teórico de seus alunos candidatos à CNH, diplomando-os como aptos a iniciar o curso prático de direção veicular?Segundo o especialista Celso Alves Mariano, isso ocorre, basicamente, por dois motivos: a regra não permite (vide Resolução 789/20) e, a regra é assim porque não existe confiança suficiente na seriedade e competência dos CFCs;
“Mas há outra forma de ver a questão. Os DETRANs poderiam ter suas próprias estruturas para ministrar os cursos de trânsito e então formar, renovar, reciclar e especializar condutores. É utópico, mas faria todo sentido, afinal, diferente das escolas plenas, onde o Diretor assina o diploma dos formandos, quando o assunto é CNH, quem assina é o Diretor do DETRAN e não o do CFC.”
Relação Detrans e CFCs
A relação dos DETRANs com os CFCs não é como a do MEC com as universidades, onde há uma delegação completa, da inscrição e matrícula à diplomação, incluídos aí o registro das aulas, da frequência e das notas. Essa relação é mais como a que se verifica entre a faculdade de Direito e a OAB: para ser bacharel em Direito, basta o curso na faculdade. Mas para ser advogado, a OAB exige um desempenho mínimo em sua rigorosa prova.
Por que é assim? Mariano diz que “o caso do Direito, é porque a categoria se organizou para garantir uma qualificação profissional acima da média do que as faculdades da área geram. No caso do trânsito, é porque os DETRANs não dão conta de formar condutores e a delegação de poderes concedida aos CFCs é limitada: o CFC pode ministrar o curso, mas não pode “diplomar” seus alunos.”
Pandemia
Em tempos de COVID-19, e com o surgimento da Aula Remota, essa característica de relacionamento limitado entre DETRANs e CFCs ficou mais evidente, como explica Mariano:
“Enquanto alguns DETRANs sequer publicaram suas Portarias para viabilizar as aulas remotas, outros estão fazendo exigências claramente exageradas que inviabilizam ou complicam tudo, abrindo brechas para todo tipo de falhas, stress, queixas e perda de tempo. Ruim para alunos, para instrutores e para as plataformas de solução tecnológica. Mas chama atenção o que acontece no Rio Grande do Sul, onde o DETRAN fez o que o bom senso pede, minimizando os aspectos protocolares em prol de viabilizar as aulas, dando um voto de confiança efetivo aos seus delegados: se o CFC disser que tal aula aconteceu e que tais alunos assistiram, o registro é efetivado. Esse deveria ser o padrão.”