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Ainda bem que não precisamos (só) das leis


Por Eduardo Cadore Publicado 08/11/2017 às 02h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h17
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Foto: Arquivo Tecnodata.Foto: Arquivo Tecnodata.

Fim de outubro de 2017 e o Conselho Nacional de Trânsito ultrapassou a marca de mais de 700 resoluções após a promulgação do então novo Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). Claro, muitas delas já foram revogadas pelas que as precederam, mas ainda assim, são algumas centenas de normas em vigor complementando o já grande e bastante modificado CTB.

Mas o que me parece mais interessante é que esse exagero de normativas, se podemos chamar assim, ainda não alcança a finalidade principal prevista no próprio CTB que é a defesa da vida. Isso porque, sem surpresas, todos os anos são divulgados as dezenas de milhares de vidas perdidas e mais algumas centenas que ficam lesionadas, muitas para o resto da vida. Será que necessitamos de tantas leis para viver bem e com segurança?

Longe de defender um sistema anarquista, sem intervenção do Estado, minha preocupação é com a ilusória sensação de que o Brasil está sendo efetivo na redução de acidentes. Não é o que parece. Claro, reconheço que algumas iniciativas certamente têm contribuído para uma pequena queda na acidentalidade de alguns estados do país, mas ainda assim, como bandeira a tremular da vitória pela segurança no trânsito ainda falta um longo caminho.

O antropólogo Roberto DaMatta (2010) já afirmou (considero muito importante a reflexão) que não adianta criar leis exageradas, ou copiadas de outros países, pois como sociedade não evoluímos num requisito essencial que nenhuma lei ou norma é capaz de modificar: a cidadania. Ele entende que o problema da violência no trânsito é termos uma legislação que visa a igualdade (pois todos devemos parar no semáforo vermelho, não podemos estacionar onde bem entendemos, etc.), num país estruturalmente desigual, no qual as relações sociais (e o trânsito é social, pasme!) estão permeadas por alguns mecanismos de desigualdade, como o “você sabe com quem está falando?” e o “jeitinho”, fica impossível esperar que uma enxurrada de normas, punições mais severas deem cabo de mudar uma cultura violenta no trânsito, enquanto o “câncer” está justamente na incapacidade (ou falta de vontade) de criação e respeito de um senso coletivo. O indivíduo prevalece sobre o coletivo, enquanto a lei privilegia o coletivo em detrimento do indivíduo.

Não vou entrar no mérito de se a educação para o trânsito ocorre em nosso país, pois a resposta você já sabe. Mas o que penso que merece neste momento é a reflexão: preciso (falo do nosso “eu”) de tantas leis para participar do trânsito com segurança?

Vimos um aumento dos valores das multas, do prazo de suspensão, dezenas de milhares de condutores cassados, entre outras medidas de caráter punitivo (há quem diga que é educativo, mas também não entrarei nesta briga agora), mas ainda, no geral, o que observamos é um sem fim de infrações serem cometidas, milhares de autuações todos os dias, e ainda perdemos nossas familiares e amigos regularmente. Já passou da hora de, como usuários desse sistema chamado trânsito, percebermos que depender da Lei (ou de quem a elabora), não basta nem para começo de conversa, se estamos efetivamente preocupados com o cenário que temos hoje.

Foto: Divulgação.Foto: Divulgação.

O que precisamos é desenvolver em nós mesmos a capacidade de autoconsciência, autorreflexão e autoanálise do nosso comportamento. Uau, então eu tenho que olhar para meu próprio umbigo e ignorar as demais pessoas no trânsito? Não pense assim. Perceba que temos pouco ou quase nada a fazer a respeito do comportamento do outro (ou você acredita que buzinar para o veículo que lhe cortou a frente vai educar seu condutor?) e que acabamos reproduzindo nossos desejos e preconceitos nesse espaço que é público, mas no qual as pessoas agem como se proprietárias fossem.

Gosto da forma que João Baptista da Silva trabalha os requisitos para direção de um veículo. Dentre eles, apresenta os chamados requisitos morais, que envolveriam a prudência (o cuidado constante e a não superestimação das nossas capacidades), a magnanimidade (que é ver o outro como igual, agindo com cortesia e minimizando as respostas negativas quando alguém erra no trânsito) e a paciência (indispensável para aceitar a si e ao outro na sua falha, lidando com calma e cuidado as intempéries que surgem). Muito difícil? Talvez mudar hábitos seja o nosso maior desafio.

Costumo dizer que existe um processo que caminha por três etapas, ao menos, para que possamos modificar nosso comportamento, e ele independe das leis ou de determinações externas, como medo da multa.

Primeiro, trata-se de fazer uma autoavaliação o mais honesta possível sobre seus erros no trânsito. Após identificados essas falhas, promova hábitos seguros (ex: se você não tem o hábito de mandar seus passageiros colocarem o cinto, passe a fazer; se atende o telefone dirigindo, estacione, etc.) e, por fim, pratique-os todos os dias, como um exercício, pois hábito só permanece quando não deixamos nossa consciência esquecê-los. Após isso, você estará dirigindo melhor, com mais segurança e sem precisar de qualquer reforço negativo pra isso. Assim, você também não vai precisar se preocupar com centenas de regras, pois sua resposta no trânsito será sempre a segurança.

Referências:

DAMATTA, Roberto. Fé em Deus e pé na tábua: ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

SILVA, João Baptista da. Curso Completo de Direito de Trânsito. Belo Horizonte: Líder, 2017.

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