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Direito de Propriedade, Competência Normativa do Contran e Devido Processo Legal foram temas tratados pelo STF


Por Julyver Modesto de Araujo Publicado 11/04/2019 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h12
 Tempo de leitura estimado: 00:00
Decisões STFFoto: Divulgação TV Justiça.

Na data de ontem, 10ABR19, foi votada, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2998, impetrada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, contra os artigos 124 (inciso VIII), 128 (caput), 131 (parágrafo 2º), 161 (caput e parágrafo único) e 288 (parágrafo 2º) da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).

Resumidamente, três foram os assuntos em pauta:

1) Se constitui ofensa ao direito de propriedade o fato de o CTB vincular o licenciamento anual à prévia quitação dos débitos existentes, tanto de multas de trânsito, quanto de impostos (assunto que está constantemente em pauta, quanto ao inadimplemento do IPVA);
2) Se o Conselho Nacional de Trânsito pode criar novas infrações de trânsito e sanções administrativas; e
3) Se é constitucional a exigência de pagamento da multa de trânsito como condição para admissibilidade do recurso administrativo em segunda instância (que não mais existe no CTB).

O Ministro relator, Marco Aurélio Mello, opinou pela IMPROCEDÊNCIA da ação de inconstitucionalidade, em relação aos artigos 124, 128 e 132, entendendo que a limitação do licenciamento à prévia quitação dos débitos é LEGAL e NÃO ofende o direito de propriedade, pois se trata de mero requisito para a continuidade da circulação do veículo na via pública.

Quanto ao caput do artigo 161, segundo o qual “Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX”, entendeu que não há inconstitucionalidade, mas que, no caso do parágrafo único, deve ser dada INTERPRETAÇÃO CONFORME (a Constituição), isto é, ao prever que “As infrações cometidas em relação às resoluções do CONTRAN terão suas penalidades e medidas administrativas definidas nas próprias resoluções”, entendeu o Ministro que somente pode ser “definida penalidade e medida administrativa”, por meio de Resolução, se A PUNIÇÃO JÁ EXISTIR NA LEI, não podendo o CONTRAN exercer o papel de legislador, CRIANDO SANÇÕES até então inexistentes.

Em relação ao §2º do artigo 288 (“No caso de penalidade de multa, o recurso interposto pelo responsável pela infração somente será admitido comprovado o recolhimento de seu valor”), o Ministro simplesmente “ESQUECEU” que tal parágrafo já foi revogado em 2010, pela Lei n. 12.249/10, do que foi alertado, durante os debates, pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que disse ter sido informado, naquele instante, pela sua assessoria (a ADI é de 2003 e, portanto, foi fato superveniente, mas é lamentável que o Ministro leve o voto para discussão sem se cercar do cuidado de consultar a lei atualizada; o que é pior: mesmo com os comentários dos outros Ministros, que reconheceram a superveniência, quando questionado pelo Presidente do STF se mudaria o seu relatório, disse que “não tem conhecimento de qualquer revogação do § 2º do artigo 288 e não foi informado pela assessoria, motivo pelo qual manteria a sua conclusão”).

Os Ministros acompanharam, por maioria, o relatório apresentado, retirando-se apenas (por óbvio) o § 2º do artigo 288 do CTB, que não mais existe, tendo sido considerado prejudicado o pedido.

No tocante ao direito de propriedade, frente aos artigos 124, 128 e 132, o único que defendeu a INconstitucionalidade dos dispositivos e a procedência da ADI, foi o Ministro Celso Mello, que entendeu se tratar de uma cobrança forçada dos débitos, mas foi voto isolado; assim, podemos dizer que o STF entende, oficialmente, como LEGAL a vedação do licenciamento a quem não paga as multas pendentes ou o IPVA de seu veículo.

A “interpretação conforme” para o parágrafo único do artigo 161 foi uníssona, concluindo-se que o CONTRAN não pode criar SANÇÕES NÃO PREVISTAS no Código, mas apenas indicar as que já existem (o Ministro Alexandre de Moraes deu um exemplo sobre a infração de velocidade: ela já existe no CTB, mas o CONTRAN tem competência para regulamentar a forma de sua fiscalização, podendo, destarte, apontar que, na inobservância dos limites fixados, a infração será a constante do CTB).

A discussão sobre a competência do CONTRAN, todavia, ampliou-se também para o caput do artigo 161, a partir de voto do Ministro Lewandowski, acompanhado pelos que o sucederam, o que resultou em votação 5×5, com desempate do voto de minerva do Presidente Ministro Dias Toffoli, firmando o entendimento da NULIDADE da parte final do caput do artigo 161, em que estabelece que “constitui infração de trânsito a inobservância …. DAS RESOLUÇÕES DO CONTRAN”. Desta forma, as condutas infracionais que NÃO CONSTEM do CTB, mas somente de RESOLUÇÃO DO CONTRAN devem ser, doravante, desconsideradas.

Comentário particular que ora faço para ilustrar a extensão desta decisão de hoje (embora não tenham sido exemplificadas situações durante a proclamação dos votos): Deixar de usar dispositivos de segurança para o transporte de crianças ou deixar de utilizar capacete de segurança, em triciclos e quadriciclos, são condutas regulamentadas (e puníveis) por força de mero ato normativo (respectivamente, Resoluções n. 277/08 e 453/13); assim, não serão mais corretas as penalidades aplicadas nestas circunstâncias (devendo o CONTRAN, se assim o entender como adequado, apresentar Projeto de Lei do Poder Executivo, para inclusão dos temas no Código de Trânsito).

Vale destacar, finalmente, que, de acordo com o § 2º do artigo 102 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 45/04, “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”, sendo, por conseguinte, de observância obrigatória pelos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito.

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