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Que instrutores estamos formando?


Por Márcia Pontes Publicado 27/01/2015 às 02h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h33
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Instrutores de trânsitoNo momento em que a formação de condutores está em pauta no Brasil como nunca esteve antes, sobretudo na questão estrutural e pedagógica, não se poderia contextualizar adequadamente este momento sem se (re)pensar a formação daqueles que vão ensinar os novos motoristas a dirigir. Ainda que a formação do condutor não dependa exclusivamente do instrutor de trânsito, é profundamente relevante o papel e a valorização deste profissional na sociedade.

É o instrutor de trânsito que vai apresentar o veículo ao candidato e ensinar a dirigir. É ele que vai ter de lidar com pessoas dos mais diferentes perfis, características, faixas etárias, temperamentos, personalidades, reações e emoções. É o instrutor de trânsito que será o para-raio de tudo o que der errado no processo de habilitação, e apesar de todos os esforços e resultados, inclusive os que não dependem diretamente dele, serão debitados da “conta” do instrutor.

Ao mesmo tempo, sabemos que nem tudo é perfeito e que em qualquer área ou profissão, há aqueles que estão bem preparados (sem dispensar a preparação permanente), aqueles que nem tanto e aqueles que estão mal preparados em função de uma série de motivos. Baixos salários, carga de trabalho pesada, falta de estímulos, de motivação e até desencantamento com a profissão, o que não chega a ser novidade. Mas, o foco de tudo continua sendo a questão da formação de instrutores, tanto de veteranos quanto de novatos já formados ou que estão se preparando para ensinar a dirigir.

Já é hábito entre os alunos se referirem ao instrutor como professor, aquele que ensina, embora muitos instrutores não tenham formação específica na área da Educação. Vamos e convenhamos que 16 horas de teoria sobre Fundamentos da Educação e 20 horas de Didática é muito pouco para preparar um professor que vai ensinar a dirigir. Até porque, ensinar a dirigir não só é tornar o aluno capaz de colocar o veículo para andar em linha reta ou manter o foco só em como executar os comandos da máquina. Isso não é ensinar, é instruir, e são necessários mais do que 16 horas-aula para saber como se dá o processo de aquisição da aprendizagem ou 20 horas-aula para descobrir como ensinar significativamente.

Sobre a carga horária para formação na disciplina Legislação de Trânsito, em 32 horas não se consegue ler sequer o CTB inteiro, quem dirá preparar para conhecer os muitos detalhes, curiosidades e a interpretação adequada das leis de trânsito. Tudo bem que o processo de formação não se extingue aí, com o curso de formação de instrutor, e vai depender do interesse e da pesquisa para complementar essa formação. Mas, para exercer o ato de ensinar a dirigir, é ainda muito pouco.

Os conteúdos de primeiros Socorros e de Medicina de Tráfego são muito amplos para apenas 12 horas-aula, assim como 20 horas de Direção Defensiva (que passa pela reconceitualização para Direção Preventiva) e Noções de Respeito, Proteção ao Meio Ambiente e de Convívio Social no Trânsito.

E a formação teórica em Psicologia do Trânsito, hein? O que se consegue fazer e aprender em apenas 8 horas-aula em se tratando de uma Ciência tão complexa e dinâmica e de que cujos conteúdos se necessita tanto saber e aprender?

Há pessoas se matriculando em curso de formação de instrutor que nunca abriram o capô de um carro (isso existe), ao que remete ao questionamento de uma carga horária de apenas 8 horas-aula para Noções sobre Funcionamento do Veículo/Mecânica Básica.

Duas disciplinas também consideradas chave na formação do instrutor são: prática de Direção Veicular em Veículo de Duas e Quatro Rodas (24 horas-aula) e Prática de Ensino Supervisionado (20 horas-aula), em que o futuro instrutor vai simular o ensino da direção veicular ao professor/instrutor ou ao colega de curso.

A questão aqui nem é aumentar a carga horária, mas sim, a adequação dos conteúdos, a atualização a duas realidades: as novas formas de se ensinar e aprender a dirigir e suas ferramentas para gestão organizacional, administrativa e pedagógica dos CFC’s; e a realidade que encontrada e enfrentada com dificuldades pelos novos profissionais em seus primeiros empregos como instrutor: “nunca ensinei um aluno de verdade, e agora?”

Das duas uma: ou se apega aos instrutores mais experientes e acaba absorvendo os ranços, os vícios e muitas vezes os descontentamentos de alguns para continuar o adestramento, ou vai aprender a ensinar por tentativa e erro. Provavelmente, muitos vão continuar ensinando para passar no exame prático, a insistir nas velhas práticas de ensinar a encontrar o tal “ponto da tremidinha” para o veículo se mover, vão se especializar em pontos de referência em diversas partes do veículo para ele caber na vaga no dia da prova, a contar voltinhas no volante em vez de mostrar ao aluno a importância de saber a resposta que o carro dá aos movimentos mais refinados e lentos de volante.

Se queremos mesmo, de verdade, melhorar a formação de condutores no Brasil, temos de olhar com muito compromisso para a qualidade da formação dos instrutores. Temos que chamar à responsabilidade cada um dos envolvidos no processo de ensinar e aprender a dirigir em todas as suas pontas: Denatran, Câmaras Temáticas, Contran, Detran, Centros de Formação de Condutores e de Instrutores, todos os profissionais na ativa e inclusive os alunos!

É preciso mais humildade e menos corporativismo para que não se continue “achando” que toda crítica é destrutiva ou que outros profissionais que possam contribuir neste processo de atualização e melhoria (Pedagogos, Psicólogos, Sociólogos, Peritos, Pesquisadores na área científica e outros) não tenham autoridade ou competência para tanto.

Para não continuarem “achando” que quem não tem carteirinha não pertence ao clube. Até porque, a formação de instrutores e de condutores é feita por gente de carteirinha e está como está: altos índices de reprovações e condutores despreparados para dirigir sozinhos, sem autonomia, sem saber tomar decisões no trânsito e se envolvendo cada vez mais em acidentes por imperícia. Alguém avise ao rei que ele está nu.

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