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Cultura da morte


Por Anna Maria Garcia Prediger Publicado 05/05/2019 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h11
 Tempo de leitura estimado: 00:00
Rigor da lei e mortes no trânsitoFoto: Pixabay.com

Temos visto/ouvido muitos pronunciamentos do poder Executivo de nosso País no que diz respeito ao trânsito, confesso que nunca vi darem tanta relevância para a matéria como estão dando agora, e isso poderia nos deixar (quem trabalha com educação para o trânsito) felizes. Porém, essa atenção que está sendo dada não tem sido tão positiva quanto deveria, ou quanto gostaríamos. Primeiro vamos falar um pouco sobre números.

Números

De acordo com o Boletim Estatístico da Seguradora Líder, que é quem administra o Seguro DPVAT (o seguro que indeniza pessoas que se acidentam no trânsito), nos últimos 11 anos (2008 a 2018) tivemos um total de 542.307 mortes, e 3.365.289 pessoas inválidas por acidentes de trânsito.

Isso dá uma média de 135 mortes e mais de 838 pessoas inválidas todos os dias nas ruas do nosso País. Sendo que no ano de 2012 tivemos o pico de mortes (166 pessoas/dia), e em 2014 o pico de invalidez (mais de 1.632 pessoas/dia). O Brasil está em 5º lugar de país onde mais morrem pessoas no trânsito.

Trânsito

Agora vamos falar sobre o que é o trânsito, pela definição do próprio Código de Trânsito Brasileiro, em seu 1º artigo: é a utilização das vias para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga e descarga, por pessoas, veículos e animais.

Pessoas

E agora vamos falar sobre as pessoas, pois até agora falamos sobre números. Pessoas, assim como eu que estou escrevendo esse artigo, e assim como você que está lendo, somos seres dotados de vontades, sonhos, família. Espero que você que está lendo, não tenha intenção real, de matar alguém, e tirar isso tudo dessa pessoa, ou até mesmo perder a sua vida, ou a de um familiar, como seus filhos, pais, cônjuges, amigos.

No trânsito, pessoas como eu e você nos deslocamos todos os dias para ir trabalhar, estudar, passear, etc. Estamos correndo atrás dos nossos sonhos, o meu, hoje com 12 anos de casada e com uma filha linda que está prestes a completar 2 aninhos, é o mesmo de muitos de vocês, de comprar a casa própria. E aí, imagine que em nosso trajeto de todos os dias, você está apenas se deslocando, e uma pessoa, assim como nós, decidiu colocar o seu direito (ou vontades) acima de tudo e de todos, e ao atender uma ligação enquanto dirigia, acima da velocidade, nos atropela, acabando completamente com nossa família, com sonhos, e tudo mais que procuramos alcançar nos nossos dias? Pois é, isso é o que ocorre todos os dias em nosso País, com uma média de 1000 pessoas (contando as mortes e invalidez) TODOS OS DIAS nas nossas ruas. São 1000 famílias destruídas pela irresponsabilidade, pela negligência, pela falta de cidadania.

No ano de 2009, o Brasil se comprometeu a reduzir pela metade o número de acidentes, na Década Mundial de Redução pela ONU, e isso seria de 2011 à 2020, estamos a um ano do fim dessa década, e infelizmente não foi feito muita coisa para efetivamente mudar a nossa realidade. E vendo isso, ao invés de corrermos atrás do prejuízo, ano passado foi criado o PNATRANS (Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito) pela Lei 13.614/18, para que esses números sejam reduzidos pela metade até 2028. Porém, neste plano (que é a forma de se alcançar os números), não se explica como alcançaremos, ou quais medidas serão tomadas para tal.

Tenho muitos colegas de trabalho, todos muito engajados para redução de mortes e lesões, com ótimas ideias, porém essas ideias têm ficado somente em nossas mentes, e deveriam/poderiam ser implantadas, mas nem precisamos nos colocar à disposição, afinal, sabemos o que fazer.

Em Salvador, assim como outras cidades e Estados, demonstraram uma considerável queda de “acidentes de trânsito” com medidas muito simples. Querem saber quais? A QUASE perfeita aplicação do nosso Código, das leis já existentes, com muita campanha educativa, e mais ainda, esforço legal, que é a fiscalização dessas regras, e punição real a quem as desrespeita.

Se isso ocorresse em todo nosso País, já ajudaria e muito. Porém não ocorre. E agora, para ajudar, querem desburocratizar e reduzir os custos com o processo de habilitação, o que é perfeitamente compreendido, pois é realmente oneroso. Porém essa desburocratização não pode ser da forma como estão planejando, que é fazendo com que as aulas teóricas sejam a distância, acabando com as Autoescolas.

Isso pode ser feito, por exemplo, reduzindo as taxas altíssimas que os alunos pagam aos Detran’s, e também os impostos que os donos de autoescola pagam para se manterem de portas abertas, isso já reduziria muito os valores pagos por esse serviço, essencial, diga-se de passagem. Reduzindo impostos para adquirir veículos, burocracia para se montar um CFC, por exemplo. As aulas de simulador e noturnas que tornam o processo mais caro e mais burocrático, também não reduziram os acidentes de trânsito, que era a intenção para que foram colocados. O exame toxicológico é uma dificuldade onerosa para todos os condutores das categorias C, D e E, o que cria “facilidades” como as que vimos no Fantástico dessa semana. Mas todos já sabiam disso. Quem usa drogas, continua usando e dirigindo. O que resolveria isso, realmente, seria a fiscalização assim como é feita para saber se alguém utilizou bebidas alcoólicas. Até porque a pessoa pode usar, mas não dirigir sob efeito do álcool. Inclusive já foi falado por pessoas do direito, que essa exigência do exame toxicológico é inconstitucional.

Quanto aos radares, está mais do que provado que eles controlam a velocidade, pois fazem com que os condutores andem na velocidade da via. Quando os condutores não têm nada visível à frente, achando que não serão flagrados, aproveitam para “agilizar” a sua chegada, cometendo a infração que é a maior responsável pela gravidade dos acidentes, o excesso de velocidade, devido ao forte impacto. Então precisamos sim realizar estudos, assim como preconiza a Resolução 396, para que os radares sejam instalados. Mas não podemos simplesmente retirar os que estão instalados, ou não renovar os contratos. Que se realizem estudos e, SE comprovado que não está de acordo, aí sim, vamos retira-los.

Quanto ao aumento da validade da CNH, que significa aumentar o intervalo de tempo para se realizar o exame de aptidão física e mental (exame médico), irá aumentar o número de pessoas sem condições de dirigir. Como está hoje, sabemos que não está o ideal. Mas pelo menos algumas pessoas ficam impedidas de dirigir e precisam providenciar algo, como óculos, por exemplo, para então terem mais segurança. Sabemos que o exame médico precisa é ser melhorado. Não podemos negligenciar a sua validade e dobrar o prazo de vencimento. Já que o problema do exame é o valor, então, como já falado, que se reduza as taxas, melhore a eficácia, cumpra as regras determinadas em lei.

Precisamos é melhorar a educação de trânsito em nosso País. Não aguentamos e não podemos mais aceitar recolher tantos corpos de vítimas, pagar tantas indenizações e aposentadorias precoces, por algo que, se cada um fizer a sua parte, conseguiremos reduzir pela metade antes de 2028. Precisamos de urgência. Precisamos educar as nossas crianças, desde a base, para que o futuro seja melhor. E quanto aos nossos condutores, nem que seja sob punição severa e eficaz, que respeitem as regras de convivência.

Falamos tanto em indústria da multa, mas com uma breve pesquisa, vemos que a maior parte das infrações são cometidas por uma pequena, muito pequena, parte da população. Não podemos adotar medidas para ajudar o condutor infrator a ter mais condutas erradas, como aumentar a pontuação, parcelamento de multas, desconto de 60% do valor, dentre outros.

Sabemos, quem é educador de trânsito, que o rigor da lei é uma importante forma de educar também, como digo em sala de aula, se não educa pelo amor (com as aulas e cidadania), pode aprender pela dor, e que essa seja a da punição administrativa, e não pela morte de um inocente.

Espero que o nosso poder executivo converse, repense, e não afrouxe o que já temos, de uma forma que faça com que voltemos a aumentar ainda mais o número já alto, de vidas e famílias acabadas pelo nosso trânsito. Não pode, e não precisa, ser assim.

 

 

 

 

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