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26 de dezembro de 2024

A velocidade e os nossos limites


Por Celso Mariano Publicado 22/06/2022 às 18h37
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O limite entre a emoção e o dano é tênue. Mesmo com cinto e airbag, acima de um certo limite de velocidade, podemos ferir gravemente nosso frágil corpo. Leia a opinião de Celso Alves Mariano.

Você já deve ter observado que quase todas as crianças, quando aprendem caminhar, têm o impulso de correr. Parece que ultrapassar os limites de velocidade já faz parte de nós, naturalmente. É como uma daquelas instruções de programação que já vem “instalado na bios”. Ou melhor: no cérebro. É um impulso que se manifesta ao longo da infância, em diversas brincadeiras, como pega-pega, pique-esconde, futebol e, claro, quando se aprende andar de bicicleta. Correr é muito prazeroso. Especialmente quando as “extensões do nosso corpo” – as bikes, skate, patins, patinete – nos permitem extrapolar os limites das pernas. Quem teve bicicleta quando criança, sabe bem do que estou falando.

Crescemos e descobrimos que outros veículos podem ampliar ainda mais essa sensação.

Essas extensões das pernas, acrescentam uma boa dose de poder aos deslocamentos. Tal qual uma droga, ficamos embriagados e podemos desenvolver certa dependência desta emoção. Para muitos de nós, se torna realmente um vício. Ou, pelo no mínimo, uma fonte de prazer a qual queremos recorrer frequentemente.

Para entender de onde vem esse impulso, é importante observar que a natureza nos deu essa capacidade. Basicamente, todos os animais conseguem acelerar e, correndo, conseguem ser mais eficientes como caçadores, ou mais difíceis como caça. Bem, nós humanos inventamos novas formas de sobreviver e, na prática, ao longo do tempo, foi diminuindo a importância de corrermos com nossas próprias pernas. Evoluímos em nossas tecnologias e ficamos sofisticados em nossas necessidades. Mas os instintos mais primitivos parecem não terem sido completamente desligados, ou adequadamente atenuados, para as novas realidades que a evolução nos trouxe.

Entretanto, aquelas capacidades todas, não diminuíram: a adrenalina, a força física e a habilidade, começaram a sobrar.

Então inventamos os esportes. Hoje nossas motivações para correr são medalhas no peito, quilos a menos na balança, ou apenas para nos sentirmos bem. Os deslocamentos significativamente mais rápidos e menos cansativos que hoje fazemos em nossos veículos, nos permitem aproveitar melhor o tempo. Seja para fechar mais negócios, visitar parentes distantes, ou só pelo prazer de conhecer outros lugares. A nossa evolução tecnológica nos legou também vários recursos que melhoraram de formas incríveis nossas capacidades de deslocamento.

Não precisamos mais fugir do tigre-dente-de-sabre ou do leão, mas a capacidade de correr continua nos sendo útil. Só que tudo o que inventamos para correr neste novo contexto, nos coloca à disposição, em nossos veículos, velocidades muito além daquelas providas por nossas pernas. Um ser humano normal, utilizando o próprio corpo para de deslocar, caminha a 3 ou 4 Km/h e, quando corre, o faz a 8 ou 9 km/h. Atletas facilmente otimizam esse desempenho e conseguem correr acima dos 20 km/h. Super atletas, como Usain Bolt, conseguiram marcas acima de 40 km/h! Mas isso já é muito fora do normal. Mais do que isso, só utilizando veículos mesmo.

Voltando à natureza, um outro aspecto é importante para compreendermos porque temos problemas com as velocidades em nosso trânsito: temos limites na nossa constituição física. A natureza não nos fez exímios corredores, como, por exemplo, a chita ou o guepardo, felinos que atingem 100 km/h!

Mas o maior problema, não é a velocidade em si, mas as variações bruscas de velocidade. Não temos estrutura física adequada para suportá-las sem danos. Por exemplo, caminhando a pé no corredor do shopping, se esbarrarmos, distraídos, na porta de vidro da loja, podemos nos machucar bastante. A apenas 3 ou 4 km/h!

Imagina esta cena: o rapaz caminha distraído pela calçada e ele tem um olhar atraído por uma moça bonita no outro lado da rua.

Esquecendo por um instante de dar atenção ao que está fazendo, esbarra num poste. Além do susto, ele se machuca. Podia ter quebrado o óculos. Além disso, o nariz. E ele estava apenas caminhando. E se estivesse correndo, a uns 15 km/h, o quanto mais ele poderia ter se machucado? Agora imagine essa mesma pessoa dentro de um carro, que é, basicamente, uma caixa de metal, cheio de vidros, plásticos e um pouco de couro ou tecido, batendo em um poste a 30 km/h. Com este exemplo a maioria das pessoas inteligentes já entendeu a função e a utilidade do cinto de segurança.


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Quando os primeiros veículos mais velozes do que cavalos, os nobres animais de montaria, entregaram a humanidade as delícias do vento na cara, médicos e cientistas da época, se preocuparam sobre como nosso organismo reagiria. Especulava-se que, tão rápido assim, o ser humano poderia ter uma convulsão ou uma parada cardíaca. Intuitivamente eles estavam corretos em levantar essas hipóteses, porque, em última análise, somos fruto da natureza.

E tudo que está fora dos fenômenos naturais, tende a ameaçar a nossa existência.

Pense no ovo de galinha que está na porta da sua geladeira: ele saiu da galinha bem devagarinho, caiu em uma cama de palha para amortecer a queda, foi selecionado, lavado e embalado, depois transportado da granja para a prateleira do supermercado e, finalmente, de lá para a sua geladeira. Esse ovo fez viagens de 40, 50, 60 km/h, ou mais. E está ali, intacto. Por dois motivos: não sofreu acelerações ou desacelerações bruscas, e esteve sempre em ambientes protegidos – a galinha, a cama de palha, a caixinha de ovos. Aliás, a caixinha, com suas covinhas para o ovo se encaixar, é a referência perfeita para a função que, nos veículos, é desempenhada pelo cinto de segurança.

Menos mal que, pelo menos em relação às velocidades mais altas do que aquelas que podemos desenvolver com nossas próprias pernas, não temos problemas. Hoje sabemos que é possível, inclusive ultrapassar os 1.224 km/h, quebrando a barreira do som, sem necessariamente sofrer danos físicos. O que explica, então, podermos nos machucar quando nosso nariz encontra um poste parado numa velocidade de 3 ou 4 km/h? Essa é fácil: o problema não é a alta velocidade, mas sim a variação brusca da velocidade. Sempre fomos e continuamos sendo muito frágeis para suportar grandes acelerações ou desacelerações. Se ganharmos ou perdermos velocidade aos poucos, tudo bem.

O limite entre a emoção e o dano é tênue. Mesmo com cinto de segurança e airbag, acima de um certo limite, podemos ferir gravemente nosso frágil corpo quando houver uma desaceleração abrupta, que é o que acontece nos sinistros de trânsito. Vejam que não se trata de uma lei de trânsito, mas sim, de uma lei da Física. Da Natureza. Ou seja, é coisa do Universo. Respeitemos.

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