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Considerações sobre o transporte de crianças em vans


Por Mariana Czerwonka Publicado 03/09/2016 às 03h00 Atualizado 08/11/2022 às 22h34
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*Marcus Romaro

Cadeirinha no transporte escolarNão tenho conhecimento de que haja, no mundo, uma solução única e realmente eficaz para o
transporte de crianças em veículos de transporte coletivo.

Devido à polêmica que este assunto vem causando, estando ainda longe de haver um consenso, considero necessário registrar algumas considerações técnicas a respeito. Não tenho conhecimento de que haja, no mundo, uma solução única e realmente eficaz para o transporte de crianças em veículos de transporte coletivo (táxis, microônibus, ônibus urbanos e rodoviários). A legislação do Reino Unido, por exemplo, orienta o uso da cadeirinha ‘caso esteja disponível’, porém reforçando a importância de que todos os passageiros usem o cinto segurança do veículo (crianças ou adultos).

Apesar dos cintos de segurança do próprio veículo não serem os mais adequados ao uso por uma criança, análises de acidentes de trânsito na Alemanha têm demonstrado que, enquanto 51,4% das crianças tiveram maiores níveis de lesão e com maior freqüência quando não usavam qualquer tipo de proteção, apenas 17,3% daquelas que usavam pelo menos o cinto de segurança do veículo tiveram lesões de severidade média a fatal.

De qualquer maneira, considero que é preciso focar prioritariamente nos veículos de transporte de escolares (vans e microônibus), uma vez que precisariam possuir características específicas para garantir às crianças o maior nível de proteção disponível, exatamente por serem próprios ao transporte delas.

Para este tipo de veículo, o ideal é que seja definido por norma técnica e implementado por lei, um projeto específico de veículo exclusivamente para o transporte de crianças em idade escolar, à semelhança dos ‘yellow buses’ americanos, visando-se garantir, antes de tudo, que os bancos sejam projetados para permitirem tanto o transporte de crianças maiores, o perfeito assentamento e a correta fixação das cadeirinhas e também que sua estrutura e ancoragens (fixações) sejam devidamente desenvolvidas e testadas para que suportem as solicitações de uma colisão sem se desprenderem.

Enquanto trabalhava na Mercedes-Benz, fui coordenador da ‘Comissão Técnica de Veículos que Transportam Escolares’ da AEA, cujo intuito era o de definir o conteúdo e características mínimas que um veículo escolar deveria possuir. Pelo que pude apurar, os trabalhos continuaram depois de minha saída e foram finalizados, sendo que já entrei em contato com o coordenador que me sucedeu na tentativa de obter o documento final.

Nesse sentido, minha sugestão é a criação imediata de um Grupo de Trabalho multidisciplinar específico para Veículos Escolares dentro do CTAV, ou mesmo na ABNT (com representação efetiva das montadoras, auto-peças, fabricantes de DRCs, entidades de classe, ONGs, universidades e governo), visando a:

  • Imediato/Curto Prazo: Analisar tecnicamente todas as vans disponíveis no mercado nacional, na tentativa de se identificar quais modelos podem receber as cadeiras de criança sem a necessidade de grandes adaptações, e adotar estes modelos como um ‘padrão provisório’ ao transporte escolar, uma vez que a maioria das cadeiras de crianças nem assentam corretamente nos bancos de muitas delas, conf. apresentado numa reportagem de televisão há pouco tempo atrás.
  • Médio Prazo: Analisar, revisar e aperfeiçoar o documento da Comissão da AEA, caso disponível, ou o desenvolvimento de uma nova norma técnica definindo o conteúdo mínimo obrigatório para Veículos que Transportam Escolares, como p. ex., bancos com dispositivos de retenção e/ou cintos de segurança de 3 ptos integrados que já existem disponíveis no mercado internacional.
  • Longo Prazo: Criação de uma regulamentação CONTRAN que adote a norma definida por este Grupo de Trabalho e obrigue a utilização de um veículo específico ao transporte escolar em todo o território nacional, levando em consideração prazos e custos de desenvolvimento e aplicação.

Para os táxis, considero como uma proposta bastante razoável e factível, que seja obrigatório manter 1 ou 2 assentos elevatórios (‘booster’) disponíveis no porta-malas para oferecer ao cliente, pois se trata de um equipamento de baixo custo e que ocupa pouco espaço, sugerindo ainda que fosse estendido aos automóveis de aluguel.

No caso dos ônibus urbanos, não seria de se esperar riscos de lesões graves e/ou fatais em crianças e/ou adultos caso respeitassem os limites a eles impostos e rodassem em baixas velocidades (no máximo a 60 km/h nos corredores apropriados), aliado ao fato de que, em caso de colisão com este tipo de veículo, a maior probabilidade desta ocorrer seria contra veículos de passeio, muito menores e mais leves do que os ônibus, e portanto não deve ser alta a energia transmitida aos passageiros do ônibus, traduzindo-se por uma baixa probabilidade no risco de lesões graves. Tanto que permitem o transporte de passageiros em pé, sem qualquer tipo de proteção.

Ônibus rodoviários são mais complicados pois, muito embora também possam usufruir do relativo ‘benefício’ da grande massa comentada acima, trafegam em altas velocidades e os bancos destes, além de normalmente não possuírem cintos de segurança de 3 pontos, não acomodam corretamente os DRCs disponíveis atualmente no mercado.

Por isso, sugiro que, ao término dos trabalhos do Grupo de Trabalho criado para o desenvolvimento dos veículos escolares, que se dedique em seguida à criação de uma norma técnica específica para ônibus rodoviários que também comporte o transporte de crianças com segurança.

Estas propostas têm o intuito de ser uma contribuição a mais ao transporte de crianças em veículos outros que não os automóveis de passageiros, pois visam atacar, específica e objetivamente, os problemas técnicos que enfrentamos hoje, sem a pretensão de serem absolutas ou definitivas.

Tenho a percepção de que é comum entre nós, brasileiros, generalizarmos e sermos ‘imediatistas’, o que nos faz atacar, frequentemente, o ‘efeito’ e não a ‘causa’, e tratar a maioria dos assuntos mais por interesses políticos, aumento de custos, pressões da mídia e/ou da sociedade ou até mesmo pela emoção, do que objetiva e tecnicamente.

Genericamente falando, passamos a vida toda ‘sem determinada coisa’ e, quando nos damos conta disso, a queremos ‘já!!!’(caso dos cintos de segurança – ‘tem que ter nos ônibus já!!!’ – caso agora das cadeirinhas, entre tantos outros), frequentemente sem considerar uma análise profunda, objetiva e, principalmente, técnica, que avalie as dificuldades, necessidades e prazos para o desenvolvimento e introdução factíveis à implantação correta e definitiva de uma determinada ação ou equipamento, para garantir que o uso seja realmente aplicado, corretamente, amplamente e traga o efeito desejado.

Em Segurança Veicular, ciência que trata da segurança dos ocupantes em caso de acidente, nada é absoluto ou definitivo. Os engs. têm que trabalhar visando o ‘menor risco’ envolvido em contraposição à viabilidade de uma medida, haja vista que o risco é, e sempre será, inerente ao ser humano pois temos ‘corpo’, e como, por definição, ‘corpo é uma porção limitada da matéria’, somos limitados às leis da física.

E por quê escrevo isso? Exatamente porque um tema tão importante parece estar sendo tratado por opiniões pessoais, já que não se notam coerências entre os discursos na maioria dos fóruns em que tive a chance de participar até o momento. Qual seria o ‘correto’, afinal? Impor a instalação das cadeiras de crianças em todos os tipos de veículos, dizem uns. Outros, só nos táxis. Para outros, ‘van escolar é obrigatório’, e para alguns, ainda neste caso, não as consideram importante nos ônibus. ‘Mas por quê não nos ônibus também?!’, perguntariam uns tantos outros…Não se mostra incoerente?

Diferenças de opiniões à parte, acredito que todos temos a consciência de que a instalação correta das cadeiras de criança nos bancos dos veículos não é uma tarefa fácil, exigindo atenção na leitura, perfeita compreensão das instruções contidas nos manuais do dispositivo de retenção e do fabricante do veículo, atenção na montagem, ‘força’ (por isso o ideal é que seja executada por 2 pessoas) e, especialmente, tempo!

Assim, a montagem deste tipo de dispositivo em veículos de uso coletivo (vans e ônibus) é virtualmente inviável para os produtos e nas condições atuais haja vista que, como cada cadeira depende da idade da criança (ou melhor, ao grupo de massa à qual pertence), a operacionalização para a sua montagem, desmontagem ou substituição seria muito complicada, aumentando significativamente o tempo de viagem dos veículos, penalizando sobremaneira o já caótico e ineficiente transporte público do país e acarretando ainda no aumento dos riscos, uma vez que não deverão ser instaladas corretamente e, portanto, não garantido a proteção adequada.

Os riscos que as crianças estarão sujeitas ao estarem sentadas numa cadeirinha sem a correta instalação, pode ser até maior do que se estivessem usando somente o cinto de segurança do veículo em caso de acidente, devido:

  • Poderá acarretar num deslocamento maior da criança na colisão, com a possibilidade desta vir a impactar contra o encosto do banco dianteiro do veículo;
  • Receberão uma carga adicional por trás referente à massa da própria cadeirinha, agravando ainda mais o impacto da criança contra o banco dianteiro;
  • Poderão ainda, sofrer o efeito de ‘chicoteamento’ por ainda estarem presas às cadeirinhas, e estas ao banco pelo cinto do veículo, acarretando num risco real de sérias lesões no pescoço (extensão e/ou flexão).

Defendo que este assunto, por ser multidisciplinar, não deva ficar restrito a um ou outro fórum específico, ou muito menos a vários fóruns separados e que não interajam entre si.

Sendo o objetivo principal o de se garantir a real segurança de nossas crianças quando transportadas em veículos automotores, é preciso colocar todas as especialidades juntas, a despeito das dificuldades que isto possa representar.

Caso contrário, qualquer documento, ação ou medida terá pouco ou nenhum efeito, tendo todo o trabalho individual, e de cada comissão, desperdiçado, minimizando a importância do trabalho, do grupo, causando frustrações generalizadas e, o que é pior, obrigando-nos a conviver com as famigeradas e inacreditáveis ‘leis que não pegam’.

Sem dúvida alguma temos que agir ‘já!!!’, mas isso não significa necessariamente a implantação de alguma medida sem a devida análise de seu ‘impacto’ na sociedade (desculpem-me pelo trocadilho).

*Marcus Romaro é Engenheiro Mecânico e Consultor em Trânsito e Segurança Veicular

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