Subnotificação das estatísticas de trânsito no Brasil: como isso afeta a segurança viária?

Como balizar ações se não sabemos ao certo quantas pessoas são vítimas da violência no trânsito brasileiro? Leia reportagem do Portal do Trânsito.


Por Mariana Czerwonka
estatísticas de trânsito no Brasil
Um dos pilares do PNATRANS prevê uma base nacional de estatísticas para subsidiar estudos e pesquisas necessárias à melhoria da segurança viária no país. Foto: rihardzz para Depositphotos

Estamos na Semana Nacional de Trânsito 2024 e no meio de temas relacionados ao trânsito e sua importância surge um assunto polêmico e que merece a atenção da sociedade: as estatísticas de trânsito no Brasil. Afinal, como balizar ações se não sabemos ao certo quantas pessoas são vítimas da violência no trânsito brasileiro? Os últimos dados oficiais que temos, vindos do Ministério da Saúde, além de serem de 2022 (o que mostra certa defasagem) exibem números bem diferentes, por exemplo, dos que são apresentados pelo Registro Nacional de Sinistros e Estatísticas de Trânsito (RENAEST) da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Para deixar mais claro, de acordo com o DataSUS, em 2022 morreram 33.894 pessoas em decorrência do trânsito. Nesse mesmo ano, o RENAEST aponta 22.008 óbitos. Afinal, em qual número confiar? Esse é o tema da reportagem do Portal do Trânsito.

Questionada pela nossa redação, a Secretaria Nacional de Trânsito informou que a diferença entre os dados decorre de distintos processos de coleta e registro das informações.

“O RENAEST recebe dados diretamente dos Departamentos Estaduais de Trânsito (DETRANs) e de outros órgãos de trânsito regionais. A frequência do envio das informações difere entre as unidades, pois nem todos os departamentos têm a mesma regularidade e abrangência na atualização dos registros. Por outro lado, o DATASUS baseia-se em registros hospitalares e de serviços de saúde, o que pode incluir casos que não são capturados pelos órgãos de trânsito. Essas diferenças metodológicas e operacionais resultam em números divergentes”, esclarece o órgão.

Ainda de acordo com a Senatran, há um problema na consolidação do registro e envio das informações pelos órgãos responsáveis. “Muitos sinistros de trânsito podem não ser reportados ou corretamente documentados, especialmente em regiões com menor infraestrutura de fiscalização e atendimento. Esta subnotificação compromete a exatidão das estatísticas e, consequentemente, a efetividade das políticas públicas de segurança viária”, alerta.

Para tentar amenizar o problema, segundo o órgão, uma nova forma de coleta digital por aplicativo do RENAEST está em fase de testes desde agosto. “O objetivo é aumentar tanto o detalhamento quanto o número de dados relativos a sinistros que partes dos agentes e órgãos responsáveis enviam à Senatran”, explica o órgão.

A Senatran destaca que manter os dados de sinistros atualizados é dever dos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), para oferecer a possibilidade de predições estatísticas que orientarão melhores políticas de educação para o trânsito, fiscalização, mas principalmente para melhor aplicação do investimento eficiente em infraestrutura viária.

Importância das estatísticas para os gestores

De acordo com Neto Mascellani, que tem vasta atuação na gestão pública e é ex-diretor presidente do Detran São Paulo e ex-presidente na AND – Associação Nacional dos Detrans, as estatísticas conseguem ampliar a visão dos gestores. “Ter boas estatísticas de trânsito é fundamental para que possamos fazer um diagnóstico, entender quais são as principais causas que levam às ocorrências e que tipo de intervenção é mais necessária ou mais eficiente para cada situação”, explica.

O especialista ainda faz uma comparação relevante.

“É como você ser um piloto de avião no meio de uma nuvem e estar sem nenhum instrumento, ou seja, sem direcionamento. Os dados do RENAEST e outros como os do Infosiga, no caso de São Paulo, dão insumos para os gestores avaliarem informações e construírem políticas públicas mais adequadas e intervenções mais precisas. Cada vez mais se tem menos recursos para se gastar, portanto, ser mais eficiente na intervenção faz toda a diferença”, aponta Mascellani.

Para ele, dada as diversidades, diferenças locais e níveis de maturidade, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer em relação a estatísticas confiáveis. “Hoje ainda é pequeno o número de estados que alimentam de maneira sistemática o PNATRANS e isso é muito prejudicial”, argumenta.

Brasil precisa de estatísticas de trânsito confiáveis

Everton Pedroso, presidente da Federação Nacional da Inspeção Veicular (FENIVE), em artigo publicado no Portal do Trânsito defendeu que o trânsito brasileiro precisa de estatísticas confiáveis. “Como efetivar mudanças estruturais e mensurar o sucesso dessas campanhas sem dados confiáveis e atualizados? O que deveria ser uma prioridade básica — a coleta de informações precisas sobre acidentes de trânsito — é frequentemente negligenciada pelos órgãos de trânsito”, questionou.

Para ele, a implementação do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS), que busca proteger os mais vulneráveis, reduzir a velocidade nas vias e promover um trânsito sustentável, necessita de dados robustos. “No entanto, a carência de informações atualizadas prejudica a execução dessas metas, limitando a capacidade do governo – em todas as suas esferas – de monitorar e ajustar as estratégias de acordo com as necessidades reais”, alerta.

O especialista afirma que os dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do DataSus também revelam que o Brasil enfrenta uma crescente crise de mortalidade no trânsito. Ou seja, com o aumento de óbitos desde 2019. “O cenário de desatualização e inconsistência nas informações, somado à falta de integração entre os órgãos responsáveis pela coleta de dados, coloca em xeque a capacidade de desenvolver soluções ágeis e eficazes para a segurança no trânsito”, finaliza.

Semana Nacional de Trânsito

Neto Mascellani destaca também a importância de tratar deste tema agora, durante a Semana Nacional de Trânsito. “Hoje o trânsito não tem o espaço que deveria ter no debate político, social e até mesmo pessoal”, diz.

E, de acordo com o gestor, a Semana Nacional de Trânsito é uma oportunidade de dar o destaque merecido ao tema.

“É preciso colocar em evidência um tema tão sensível como esse. Temos uma grande epidemia de mortes no trânsito e pouco se discute. A sociedade, de fato, ainda precisa cada vez mais ser sensibilizada e isso deve acontecer através da educação e conscientização”, conclui.

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