Regulamentação de vagas privativas nas vias públicas: quando é permitido?
* Daniel Menezes
“Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!” (Luís XIV)
Foi com sangue e suor – e muita labuta – que, no curso da história, as revoluções burguesas conseguiram impor limites às monarquias absolutistas. Os reis governavam de forma ilimitada – não se submetiam à Lei. Com a formação dos princípios Liberais, influenciados pelos ideais da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), o Estado viu-se obrigado a não intervir nos direitos e liberdades dos indivíduos e, consequentemente, estabeleceram-se limites ao Estado. Assim, passava-se a compreender a Lei como manifestação da vontade do povo, cujo Estado deveria se submeter. Ocorre que, atualmente, alguns governantes insistem em não cumprir a Lei.
Caro leitor, cara leitora, justamente por falar em trânsito é que lhes convido a imaginar a seguinte situação: uma cidade vizinha – vamos chamá-la de “cascatinha paulista” – em que a Prefeitura, por meio do órgão ou entidade de trânsito, regulamenta vagas privativas nas vias públicas – bem de uso comum do povo, conforme disciplina o Código Civil em seu artigo 99, I – a fim de criar “vantagens”, ora a determinadas “autoridades” – juízes, advogados e promotores -, ora a estabelecimentos comerciais – a farmácia.
Em primeiro lugar, convém destacar que todos os atos praticados pela Administração Pública estão vinculados à Lei (CF, art. 37, caput), e, sendo assim, se a Lei for omissa, não o faz. Além do mais, a Constituição de 1988 aponta que “todos são iguais perante a lei […]” – apesar de que nem todo mundo deve saber! -, no entanto, por que o médico, dentista, professor, jornalista, açougueiro – entre outros – não possuem a mesma prerrogativa?
Em resumo, a Legislação de Trânsito dispõe que no município as vias públicas devem ser sinalizadas pela Prefeitura (CTB, art. 24, III). Desse modo, as placas ou as pinturas no solo devem, obrigatoriamente, estar previstas na Lei (CTB, art. 80), sob pena de não produzir efeitos os autos de infrações lavrados por inobservância à sinalização (CTB, art. 90).
Nesse sentido, a Resolução n. 302 de 2008 do Conselho Nacional de Trânsito regulamenta as áreas de estacionamentos específicos de veículos, tais como veículos de aluguel (placa vermelha), pessoa com deficiência, idosos, operação de carga e/ou descarga, ambulância, estacionamento rotativo (como zona azul), curta duração (parte da via sinalizada para estacionamento não pago, com uso obrigatório do pisca-alerta ativado, em período de tempo determinado e regulamentado de até 30 minutos) e área de estacionamento de viaturas policiais devidamente caracterizadas. Logo, regulamentar parte da via para estacionamento em situações não contempladas pela resolução é ilegal (Res. 302/08, art. 6 do CONTRAN).
A Prefeitura de “Cascatinha” precisa compreender de uma vez por todas que cumprir a Lei – antes mesmo de fazer o administrado cumprir – é regra, e não mera faculdade (CF, art. 37, caput; CTB, art. 24, I). Ademais, legislar sobre trânsito é matéria da União (CF, art. 22, XI). Enfim… Como diria o icônico Tio Ben, “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”.
* Daniel Menezes é Acadêmico de Direito.