Qual a relação cultural do brasileiro com o trânsito?
Especialistas debatem traços de personalidade do brasileiro que culminam no trânsito caótico que o país apresenta. E analisam soluções mundiais que podem inspirar uma mudança positiva
Especialistas debatem traços de personalidade do brasileiro que culminam no trânsito caótico que o país apresenta. E analisam soluções mundiais que podem inspirar uma mudança positiva
Que traços de nossa cultura no país ajudam ou contribuem para piorar o trânsito? O programa Com a Palavra, exibido pela TV Paraná Educativa ouviu três especialistas sobre este tema.
Clovis Ultramari, arquiteto e urbanista, professor da pós-graduação em gestão urbana da PUC-Paraná. Celso Alves Mariano, especialista em trânsito e diretor da Tecnodata, empresa de educação e segurança no trânsito. Eduardo Ratton, engenheiro civil e professor de transportes da Universidade Federal do Paraná.
Apresentado por Fabiola Guimarães, o programa foi ao ar em 2009. Mas permanece muito atual neste debate que propôs. Confira a seguir alguns dos principais insights desta entrevista.
A relação cultural do brasileiro com o próprio carro
“Do ponto de vista sociológico, o ambiente trânsito é a grande expressão dos valores e dos anseios da sociedade. Quando você se veste de carro, você se sente protegido, é uma armadura moderna”, analisa Celso Mariano.
Por consequência, ele destaca que quando as pessoas fecham os vidros – ainda mais nos carros insulfilmados – não é possível saber quem está dentro do carro. Isso cria uma sensação de proteção e, até mesmo, de impunidade.
Da mesma forma, há também os anseios por aparecer, que movem a aquisição de carros por brasileiros. Porém, há proprietários que não possuem condições de manter. “Nós temos uma relação com o carro: é o fetiche, é o símbolo social, é o status. Quantas famílias estão enroladas para pagar a prestação do carro que foi financiado em 40, 60 meses ou mais? Que sacrifício estamos dispostos a fazer para ter um carro?”, indaga.
Em um comparativo com os EUA, Mariano observa que os americanos têm um robusta infraestrutura e rede de fiscalização. “Chega a ser um exagero, mas o trânsito lá é cinco a seis vezes menos violento do que o trânsito brasileiro. E a frota deles é dez vezes maior, para um país de dimensões continentais parecidas. Tudo bem, não dá para comparar porque há o histórico, o desenvolvimento, a economia é diferente, mas a relação (deles) com o automóvel é de utilidade”.
3 “E” para administrar o trânsito brasileiro
De acordo com Mariano, o problema mais agudo dos brasileiros em termos de trânsito não está na fiscalização, mas em relação a comportamento. “E veja que só conscientizar e educar, não resolve. Nós precisamos também ter a infraestrutura adequada”. Por isso, ele destaca três itens que começam com a letra E para melhor administrar o trânsito:
Engenharia: a sinalização precisa comunicar de forma eficaz, clara e direta o que o motorista vai encontrar à frente. Da mesma forma, os carros precisam ter eficiência e agilidade na resposta aos comandos dos motoristas.
Esforço Legal: a lei precisa traçar limites claros do que é permitido ou proibido. Igualmente, tem que ter fiscalização para fazer com que as leis sejam cumpridas.
Educação: é preciso investir num conjunto de campanhas e de programas mais robustos sobre educação no trânsito e sobre cidadania.
“Você pode ter um cruzamento semaforizado, exemplo da aplicação da lei e da engenharia. Se você chegar no semáforo e não tiver paciência de esperar aqueles 15 segundos, 30 segundos ou até mesmo 60 segundos que deve ser o máximo do tempo de parada no semáforo, e resolver furar o sinal vermelho, você simplesmente vai engatar a marcha e vai furar. Isso acontece todos os dias, toda hora, nesse momento que estamos falando aqui, está acontecendo esse tipo de infração seríssima que causa grandes acidentes, grandes desastres, grandes despesas e grandes tristezas”, exemplifica o especialista.
Ratton concorda e destaca que mais do que fazer novas leis – muitas delas inclusive sem capacidade prática de serem fiscalizadas – é preciso priorizar a educação e a fiscalização.
Perguntas de conscientização ao trânsito brasileiro
O que é capaz de fazer um cidadão abrir mão da sua ansiedade, se controlar e tomar consciência? Como fazê-lo entender que, mesmo estando em um carro que chegue a 240 km, no sinal vermelho é momento de esperar e dar vez para o outro? Essas são perguntas de reflexão que Mariano indica aos motoristas.
“Quanto vale eu ser capaz, como cidadão, de cumprir isso e aceitar numa boa, sem me estressar? É a regra! Porque aí, quando tiver o sinal verde, eu posso ir tranquilo. Hoje eu não posso ir tranquilo quando tenho o verde, porque não sei se estão obedecendo o vermelho na outra via”, complementa.
E o Diretor do Portal do Trânsito vai além: “Quanto vale uma vida perdida para o trânsito?”. Mariano responde com um comparativo entre o entendimento no Brasil e um estudo da União Europeia. “A indenização no Brasil por acidente de trânsito com morte é menos de 14 mil reais*. Na Europa há um entendimento e um consenso, tem uma entidade portuguesa que fez um estudo para toda a União Europeia do impacto da perda de uma vida humana no trânsito. Eles dizem que é de 1 milhão de euros o impacto econômico de uma vida perdida no trânsito”.
3 exemplos internacionais de mobilidade urbana
Finalizando a entrevista, foi a vez de Clovis elencar 3 exemplos internacionais de cidades que souberam olhar para os próprios problemas e desenvolver novas soluções.
1. Los Angeles, Estados Unidos
É uma das cidades mais sensíveis para as mudanças climáticas, e que apresenta os índices de motorização mais elevados do mundo. A cidade já ultrapassa a marca de um veículo por habitante nas regiões mais ricas. Logo, criaram metas para trocar a frota de veículos com novos tipos de combustíveis.
Além disso, foi aprovada uma legislação na Califórnia para proibir carros pretos com insulfilme preto. “Por quê? Porque isso aí eleva a temperatura do carro em 4 graus. Com a elevação, o motorista consome mais ar condicionado e isso tem um impacto em princípio nas mudanças climáticas”, explica Clovis.
2. Cidades na Holanda
Depois de passarem por um processo de intensa legislação e controle no trânsito, algumas cidades na Holanda resolveram eliminar a sinalização vertical. Os especialistas chegaram a um cálculo de que a sinalização tão intensa estava gerando o resultado contrário. Isso estava provocando acidentes.
3. Chicago, Estados Unidos
É uma cidade que perdeu muita população por conta da economia, onde não se fabrica mais tantos carros como no passado. Clovis comenta que estima-se que a cidade encolheu cerca de 25% da população, tendo grandes áreas vazias. Entretanto, eles souberam aproveitar esta lacuna. Logo, a cidade tornou-se um laboratório de gestão urbana, aproveitando os espaços nas vias para desenvolver soluções para o tratamento do lixo, para o uso dos terrenos vazios para a agricultura e de geração de renda.
“Trouxe aí três exemplos para a gente pensar como que o caos, num primeiro momento ele é muito ruim, mas ele pode ser muito bom”, finaliza o planejador.
E você, quais considera os principais problemas a serem enfrentados pelos brasileiros no trânsito?
Quer conferir na íntegra esta entrevista? Confira o vídeo abaixo:
* Entrevista veiculada em 2009. Os cargos e dados contidos nessa matéria podem ter sido atualizados após este período.