Por Julyver Modesto de Araújo*
Relembre o resumo desta saga:
– 08OUT14: Brasil assina a Resolução MERCOSUL n. 33/14, que criou o modelo único das placas para os países do bloco, com prazo fixado até 01JAN16;
– 04DEZ14: Resolução do Contran n. 510/14 regulamenta as placas no Brasil, para cumprimento no prazo proposto de 01JAN16;
– 27MAI16: Resolução do Contran n. 510/14 é revogada e substituída pela n. 590/16, com prazo prorrogado para 01JAN17 para veículos novos, transferidos (de município ou propriedade) e em processo de substituição das placas (e 31DEZ20 para todos em circulação);
– 08SET16: Resolução do Contran n. 590/16 é alterada pela 620/16, deixando prazos em aberto e vinculando-os às alterações sistêmicas a serem promovidas pelo Denatran;
– 08MAR18: Resoluções do Contran n. 590/16 e 620/16 são revogadas e substituídas pela n. 729/18, voltando a ter prazo pré-fixado: 01SET18 para veículos novos, transferidos ou com troca de placa e 31DEZ23 para toda a frota;
– 26MAR18: Resolução do Contran n. 729/18 é suspensa por 60 dias para “novos estudos”, por Deliberação do Presidente do Contran n. 169/18;
– MAI18: O Estado do Rio de Janeiro sai na dianteira e inicia o emplacamento de veículos com as placas MERCOSUL (destaca-se que, em plena campanha política, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro manifesta-se que, se eleito, vai revogar o novo modelo em 2019);
– 11MAI18: Resolução do Contran n. 733/18 é publicada para tratar de credenciamento de empresas fabricantes de placas, mas “aproveita para revogar a Deliberação n. 169/18”, voltando a valer a Resolução n. 729/18, com prazo prorrogado para 01DEZ18, apenas para veículos novos, transferidos ou com troca de placas (deixando de exigir para todos os veículos em circulação);
– 10OUT18: Tribunal Regional Federal da 1ª Região defere liminar, em ação civil pública, suspendendo a Resolução do Contran n. 729/18;
– 24OUT18: Deliberação do Presidente do Contran n. 173/18 suspende as Resoluções n. 729 e 733/18, em cumprimento à decisão do TRF;
– 26OUT18: Superior Tribunal de Justiça suspende a liminar concedida pelo TRF;
– 30OUT18: Deliberação do Presidente do Contran n. 174/18 restabelece a vigência das Resoluções n. 729 e 733/18, em cumprimento à decisão do STJ;
– 31OUT18: Deliberação do Presidente do Contran n. 175/18 é publicada para corrigir falha da Resolução n. 729/18, autorizando uso de placas menores em veículos em que não caibam as placas originais;
– 23NOV18: Resoluções do Contran n. 742 e 745/18 referendam, respectivamente, as Deliberações do Presidente n. 174/18 e 175/18;
– 28NOV18: a 2 dias de encerrar o prazo de adequação dos órgãos de trânsito, o Ministro das Cidades faz declaração na imprensa, amplamente noticiada, de que teria determinado ao Diretor do Denatran (e Presidente do Contran) que retirasse a exigência de constar, das placas MERCOSUL, o brasão do município e a bandeira do Estado;
– 03DEZ18: APÓS esgotado o prazo, Resolução do Contran n. 748/18 prorroga, mais uma vez, os prazos de adequação dos Detrans para emissão das placas MERCOSUL para veículos novos, transferidos e com trocas de placas, já com as adequações determinadas pelo Ministro, além de outras alterações incluídas na Resolução n. 729/18 (como a necessidade de que os fabricantes encaminhem ao Denatran amostras das placas produzidas), estabelecendo cronograma com datas limites para cada Unidade da Federação.
Prazos atuais, escalonados:
– até 03DEZ18: RJ
– até 10DEZ18: AM, ES, GO, PE e RO;
– até 17DEZ18: BA, RN e RS;
– até 24DEZ18: AC, AL, MA, PR e PI;
– até 31DEZ18: AP, CE, DF, MT, MS, MG, PA, PB, RR, SC, SP, SE e TO.
Observações:
1. Por não se exigir mais brasão e bandeira, “regionalizando” a placa, não será mais necessário novo emplacamento quando o veículo já possuir a placa MERCOSUL e for transferido de município ou de propriedade;
2. Comprovada a falta de integração entre o sistema do órgão estadual de trânsito e o sistema nacional, o Denatran poderá alterar o cronograma (ou seja, já nem precisará mais de Resolução pra isso);
3. Como o Rio de Janeiro já tinha iniciado o emplacamento no novo modelo, a Resolução n. 748/18 estabelece que os veículos já emplacados não precisam substituir a placa MERCOSUL, pra retirar o brasão e a bandeira (artigo 10).
Comentários pessoais:
No dia 01JAN19, completaremos 3 anos que o Brasil já está atrasado em relação ao prazo estabelecido na Resolução do MERCOSUL que criou a padronização.
Não obstante o tempo transcorrido, mudanças pontuais na norma continuam sendo determinadas “da noite para o dia, aparentemente sem o respaldo técnico que era de se esperar”, como ocorreu agora, com Resolução decorrente de decisão isolada do ocupante de um cargo político em comissão, de provimento temporário, que é o caso do Sr. Ministro das Cidades (com todo o respeito que merece).
A Resolução n. 748/18 nos dá a impressão de que o Sistema Nacional de Trânsito está funcionando perfeitamente e que, não obstante as “últimas” alterações realizadas na Resolução n. 729/18, mais alguns poucos dias são suficientes para que os órgãos de trânsito de todo o país estejam emplacando os veículos com o novo modelo e que, além disso, todo o sistema de registro de informações, notificações de penalidades e atribuição de pontuação aos infratores também estarão em plenas condições de funcionamento. Será mesmo?
Se não houve tempo suficiente, neste período, para elaborar adequadamente a norma, e colocá-la em total vigência, qual é a garantia de que novas prorrogações não ocorrerão? (respondo: tanto não há garantia que a própria Resolução já admite que isso seja resolvido pelo Denatran).
Diante de todo este contexto, se novas prorrogações podem ocorrer, se o prazo já está expirado há tanto tempo e se já há manifestação expressa do novo Presidente, no sentido de revogar as “placas MERCOSUL”, não teria sido bem melhor que se suspendesse de vez a sua implantação, até que o novo Governo assumisse e decidisse o que fazer doravante? (até porque o próprio Ministério das Cidades não deve ter continuidade, na nova estrutura político-administrativa federal).
Deixando de lado qualquer questão política que a minha ingenuidade não me permita perceber, arrisco a dizer que, sob o aspecto estritamente da ciência cognitiva, a manutenção do que já teve o seu malfadado início deve-se à IRREAL percepção de que, já que o Rio de Janeiro começou a implantar o sistema, é melhor levá-lo adiante antes que o ano acabe… Mas será mesmo?
Teoricamente (e só fazendo um exercício mental), se fosse (apenas se fosse) o caso de rever TUDO, seria mais fácil (e menos oneroso ao país) continuar o processo SÓ porque começou, fazendo com que 25 outros Estados (e DF) também se adequassem ou… OU (apenas hipoteticamente) seria melhor “desfazer o que UM já fez”? (essa pergunta é meramente retórica; afinal, quem vai tomar essa decisão ainda nem tomou posse, não é verdade)?
Esta é a chamada “falácia do custo afundado”, apresentada pelo prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, no Livro “Rápido e Devagar – duas formas de pensar”: quantas vezes não permanecemos em uma fila por mais 2 horas, apenas porque já estávamos esperando há 30 minutos e não quisemos mais ir embora? Ou continuamos uma Faculdade, mesmo sabendo, ao final do 1º ano, que não era o que queríamos, porque ficamos com pena de perder o que já investimos? Ou, ainda, permanecemos em um relacionamento conturbado acreditando que os custos realizados são irrecuperáveis?
Espero não ser este o “triste fim da nossa novela”: mais uma prorrogação inócua, no último mês do ano, antes da transição de Governo, para atender determinação de um Ministério a ser extinto, apenas para fazer valer o investimento já realizado, em vez de “fechar a torneira” de desperdício do dinheiro público, do tempo e do trabalho dos servidores de carreira, que continuarão nos órgãos de trânsito a partir de 2019, se esforçando pra cumprirem esta conturbada legislação de trânsito…
*Julyver Modesto de Araújo é Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e comentarista do CTB Digital da Perkons.