Número de multas em rodovias federais cresce 88% em dez anos: o que leva a este elevado índice?


Por Pauline Machado

De 2009 a 2019, o número de multas aplicadas em rodovias federais aumentou 88%. Leia a análise de especialistas sobre o índice. 

Foto: Arquivo Tecnodata.

No período de 2009 a 2019, o número de multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) passou de cerca de 3 milhões para mais de 5,7 milhões, um aumento equivalente a 88%. Por outro lado, no mesmo período, a quantidade de acidentes com vítimas em rodovias federais teve redução de 8,4%, segundo dados do Boletim Economia em Foco, divulgado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), que avaliou o impacto das condições da infraestrutura e da fiscalização da PRF sobre a ocorrência de acidentes em rodovias federais.

Mas, o que leva a este elevado índice?

De acordo com David Duarte Lima, professor da Universidade de Brasília e doutor em Segurança de Trânsito, o primeiro fato que deve ser levado em consideração é que no Brasil muitas infrações ainda acontecem sem as devidas constatações e consequentes penalidades.

Duarte considera, ainda, o aumento do número de veículos em circulação, como um dos possíveis fatores para o aumento do número de infrações.

“O número de carros nas ruas no período de 2009 a 2019 aumentou muito, então, se você tem mais veículos circulando, você tem mais condutores cometendo infrações. Isso pode ter, também, uma relação”, ressalta.

Redução do número de acidentes

No mesmo período, a quantidade de acidentes com vítimas em rodovias federais teve redução de 8,4%, indo de encontro ao elevado índice de infrações. Tal redução, de acordo com o professor Duarte pode estar relacionada a diversos fatores, como a diminuição das distâncias percorridas, o que, da mesma forma, diminuiu a exposição a acidentes.

“Existe ainda uma hipótese a ser levada em conta. Com o aumento da fiscalização os condutores tiraram o pé do acelerador, e, como se sabe, reduzir a velocidade é reduzir o número de acidentes. Isso é absolutamente, uma relação quase que direta: com redução de velocidade reduz o número de colisões e de vítimas”, garante.

Cassiano Ferreira Novo é diretor na consultoria Mobilidade Segura EAD, Mestre em Psicologia do Trânsito e Especialista em Mobilidade Urbana e Saúde Pública. Foto: Luiz Todeschi.

Cassiano Ferreira Novo, diretor na consultoria Mobilidade Segura EAD, Mestre em Psicologia do Trânsito e Especialista em Mobilidade Urbana e Saúde Pública, acrescenta o uso da tecnologia como ponto relacionado à redução do número de acidentes. “Hoje, os órgãos públicos possuem uma inteligência maior na análise e investigação de ocorrências de trânsito, e as suas ações são mais precisas em relação à fiscalização e infraestrutura. Dessa forma, se eu tenho uma fiscalização mais efetiva, terei mais multas e menos ocorrências. No entanto, a frequência dos comportamentos de risco, no caso comportamentos infracionais, ainda permanecem altos, tanto pelo aumento de condutores nas vias públicas como pela inércia na evolução da maturidade da cultura de segurança viária no Brasil. O condutor não está mudando o seu hábito”, constata.

Na ponta do lápis

O estudo apurou ainda que o custo econômico dos acidentes rodoviários verificado no período foi de R$ 156,06 bilhões. Esse valor está próximo ao volume dos investimentos públicos em infraestrutura e na manutenção das atividades da PRF – R$ 172,06 bilhões, no mesmo período.

De acordo com Cassiano, atualmente o Brasil vem tendo muito investimento na infraestrutura das rodovias federais, bem como nas tecnologias em prol da segurança viária. No entanto, ainda nos faltam campanhas permanentes, programas de formação de cidadania nos sistemas de ensino e uma legislação que puna devidamente os condutores que geram as ocorrências mais graves.

“Temos políticas públicas com grandes oportunidades de melhoria, mas não temos um pensamento coletivo e ainda não cumprimos nossos deveres de cidadania. No Brasil ainda aceitamos que pessoas fiquem feridas ou morram nos deslocamentos viários, ninguém deveria morrer no trânsito. Nenhuma morte no trânsito deve ser aceitável, é preciso mudar a forma de pensarmos e agirmos”, reivindica o mestre em Psicologia do Trânsito.

O professor David Duarte Lima, reforça que o custo dos acidentes de trânsito e dos acidentes rodoviários é muito alto e se refere a prejuízos com a perda de produção, danos materiais, custos advocatícios e judiciários. Além disso, existem os custos com toda a parte de saúde, como resgates, tratamentos, politraumatizados, e, depois, os decorrentes, eventualmente, das questões previdenciárias. “Eu fiz um cálculo em que, a cada real investido na prevenção de acidentes de trânsito, você economiza cinco mais à frente, no ano seguinte. Não existe investimento melhor no mundo, é um investimento em que você coloca o dinheiro na prevenção e no ano seguinte, você já tem um retorno de cinco vezes mais. Só que no Brasil, nós construímos hospitais e não trabalhamos com prevenção”, lamenta.

Seguindo pela direção contrária

Na opinião de Duarte, as estradas brasileiras e o espaço viário, de forma geral, são ruins e exigem muita destreza dos condutores. Segundo ele, temos um elevado tráfego misto nas estradas, na maioria das vezes com pistas simples em que circulam caminhões, automóveis, que têm velocidades diferentes. E, ainda, perto das cidades temos as carroças, bicicletas e pedestres atravessando as rodovias.

“Toda essa questão é realmente muito grave, então, o primeiro passo é melhorar as nossas estradas, para que permitam um tráfego rápido e seguro – essas duas coisas não são incompatíveis. Agora, perto de cidades, em locais em que a rodovia não tem um traçado bom, é preciso que tenhamos mais cuidados e redução da velocidade”, frisa o doutor em Segurança de Trânsito.

Neste sentido, a primeira coisa a fazer é construir um espaço seguro nas rodovias, que impeça comportamentos antissociais e não permita aos condutores a possibilidade de dirigir em velocidades incompatíveis com o ambiente. “É preciso consertar as estradas brasileiras e, neste aspecto, a fiscalização, talvez seja o último passo a ser dado. No entanto, é o que a gente está fazendo no Brasil. Estamos começando a construir a casa pelo telhado, pela fiscalização, quando o correto deveria vir primeiro o ambiente seguro, seja nas rodovias ou nas cidades. Precisamos de um ambiente seguro para os automóveis, para as motocicletas e, principalmente, para os ciclistas e os pedestres”, assegura o professor.

Educação

A segunda medida a ser tomada, é com relação à educação, o que não significa uma aula ou uma propaganda dentro de uma campanha pontual, garante David Duarte. Para ele, educação significa convencer as pessoas e explicar os porquês dos acidentes, do comportamento seguro. Significa convencimento para adoção de práticas saudáveis de circulação de mobilidade. “É preciso inverter isso. A fiscalização não muda o trânsito. O que muda o trânsito é espaço seguro de circulação e educação. Depois, para aquele grupo pequeno, remitente, que não obedece às regras, aí sim, para esses precisa haver ações mais rigorosas quanto as penalidades”, finaliza.

 

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