Especialistas alertam: apesar de parecer benéfica, mudança no CTB poderá colocar motoristas profissionais em risco
Mudanças no CTB, previstas pelo PL 3267/19, deverão impactar significativamente a vida dos usuários do trânsito brasileiro, principalmente a dos motoristas profissionais.
Aumento no limite de pontos para suspensão do direito de dirigir, prazo ampliado da validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e curso preventivo de reciclagem. Essas são algumas modificações previstas pelo PL 3267/19, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e já foi aprovado pela Câmara dos Deputados. O texto agora aguarda votação no Senado Federal.
Sobre o assunto conversamos com dois senadores, assista:
Styvenson Valentim (PODEMOS-RN)
Motoristas profissionais em risco
As mudanças deverão impactar significativamente a vida dos usuários do trânsito brasileiro, principalmente a dos motoristas profissionais. Conforme especialistas ouvidos pelo Portal do Trânsito, as alterações podem significar um retrocesso na questão da segurança no trânsito.
O psicólogo Cassiano Novo, especialista na área de mobilidade urbana, explica que essa modificação poderá colocar em risco, principalmente, os motoristas profissionais que em um primeiro momento se sentem beneficiados pela regra. “Com o aumento do limite de pontos, os condutores profissionais estarão mais expostos ao risco, pois a mensagem será de que não tem muito problema ter infrações, assim como morrer e matar no trânsito. Muitos trabalhadores não voltarão para suas casas ao final do dia, mas as empresas continuarão lucrando, apenas trocando seus condutores após suas sequelas e mortes decorrentes dos sinistros de trânsito”, argumenta.
Questão sociocultural
Para o especialista, o problema é mais profundo, pois representa uma questão sociocultural.
“Enquanto aceitarmos as mortes no trânsito como algo normal, nada será mudado. Que valor tem a vida de um trabalhador? Reflita: Que valor tem a vida de um estranho para você? Sabemos como não ter nenhuma infração, é só respeitar a sinalização de trânsito e as normas de trânsito vigentes. Os condutores profissionais precisam entender melhor os riscos de sua profissão, com capacitações continuadas”, afirma.
Cassiano aponta ainda que a mudança deve acontecer em todas as esferas da sociedade. “Queremos receber uma pizza quente em casa, mesmo sabendo que os motociclistas profissionais estão excedendo a velocidade, avançando sinal de vermelho, dentre outras situações, arriscando a sua vida e a dos demais. Temos que parar de reclamar que o ônibus está atrasado um minuto, vamos planejar melhor nossos trajetos e assumir o papel de cada um para uma mobilidade mais segura”, convida o psicólogo.
Carlos Augusto Elias, especialista em educação de trânsito e responsável pelo canal “Manual do Trânsito” , também demonstra preocupação em relação aos motoristas profissionais. Para ele, as mudanças vão na contramão das melhores práticas nacionais e internacionais de humanização do trânsito.
“O advento dos pontos associados ao cometimento de infrações foi criado justamente para penalizar infratores contumazes com a suspensão temporária do direito de dirigir. Antes da existência da atribuição de pontos, pessoas com uma condição financeira melhor, ficavam impunes, pois desembolsar alguns milhares de reais, para uma fatia da população, não é um grande problema. Com essa proposta, esse sentimento de impunidade tende a voltar, especialmente no caso dos motoristas que exercem atividade remunerada, que, com a possibilidade da realização do curso preventivo de reciclagem, podem atingir até 78 pontos e não serem penalizados com a suspensão do direito de dirigir”, alerta.
Sugestão de melhorias
Cassiano Novo explica também que só aumentar a punição também não resolve o problema. Segundo o psicólogo, a imprudência se combate com educação e controle, não apenas um deles. “O comportamento precisa ser analisado como uma linha de tempo. A avaliação psicológica na renovação da CNH, por exemplo, para condutores que tiveram sua CNH suspensa, poderia contribuir muito para esse acompanhamento de condutores infratores e contumazes”, sugere.
O mesmo entendimento possui Elias. Para ele, a sociedade ainda não enxergou o seu papel para mudar esse quadro de violência no trânsito. “Já vivemos uma preocupante realidade na mobilidade humana. Enquanto não houver esforços conjuntos da Comunidade Acadêmica, Igrejas, Imprensa, Sociedade Civil Organizada e é claro, Governos, continuaremos “patinando” em busca das soluções. E é diante desse quadro gravíssimo que já vivemos, que, com a aprovação do PL, não temos noção de onde tudo isso pode nos levar”, prevê.
Contra ponto
Frederico de Moura Carneiro, diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), não acredita que essa flexibilização pode comprometer a segurança no trânsito.
“Desde o início, a proposta do Governo Federal é transformar e melhorar a vida do cidadão no que diz respeito às normas de trânsito. As mudanças são decorrentes da necessidade de uma atualização na legislação que acompanhe a realidade do país. São medidas que vão endurecer as penalidades contra irregularidades, ao mesmo tempo em que vão facilitar a vida daqueles que exercem sua cidadania, com boas condutas e respeito às normas e à segurança no trânsito, desburocratizando processos”, conclui.
Entenda
Se o PL 3267/19 for aprovado pelo Senado Federal, a suspensão do direito de dirigir ocorrerá nas seguintes situações:
- 20 (vinte) pontos, caso na referida pontuação constem duas ou mais infrações gravíssimas.
- 30 (trinta) pontos, caso na referida pontuação conste uma infração gravíssima.
- 40 (quarenta) pontos, caso na referida pontuação não conste nenhuma infração gravíssima.
Já para o condutor que Exerce Atividade Remunerada, a penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta quando o infrator atingir 40 (quarenta) pontos, independente da gravidade das infrações.