Este “aniversário” da norma deve servir de estímulo para que se continue a pensar em novas maneiras de coibir o transporte clandestino de passageiros. Artigo de João Lucas Costa de Miranda.
João Lucas Costa de Miranda*
Para atuar às margens dos requisitos legais e regulatórios que garantem a adequada prestação do serviço público de transporte de passageiros, bem como para praticar preços inferiores aos das concessionárias, surge o transporte clandestino: ilícito que, como alerta Rubens Lessa[1], presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros de Minas Gerais, estima-se que represente 40% dos acidentes nas estradas.
No mesmo sentido, em pesquisa estatística feita pelo jornal Estado de Minas[2] com base em dados do Departamento de Estadas e Rodagens de Minas Gerais – DER-MG, concluiu-se que, dos 15.168 acidentes envolvendo veículos de passeio ocorridos em 2013, 6.067 teriam envolvimento com referido transporte irregular – o que revela uma média mensal de 506 veículos clandestinos acidentados.
À época de sobredita pesquisa, o art. 231, VIII do Código de Trânsito Brasileiro, ainda em sua versão originária, atribuía, àquele que fosse autuado praticando esse transporte pirata, infração média, sujeitando-o à penalidade de multa e à medida administrativa de retenção do veiculo — medida cujo efeito prático é a imobilização do veículo no local da fiscalização, sem levá-lo ao pátio de recolhimento da autoridade fiscalizatória[3].
Sucede que, como a evidência empírica revela, referida disciplina normativa vinha se mostrando insuficiente para coibir eficazmente o transporte irregular de passageiros: afinal, como os índices demonstram, o transporte irregular avançava diuturnamente.
Atento a essa problemática, nos idos de 2016, o Deputado Federal Daniel Coelho (PSDB-PE), sob a justificativa de que “as punições hoje vigentes para a realização de transporte de escolares, ou mesmo do transporte remunerado de passageiros, sem a devida autorização do órgão competente, o chamado transporte pirata, não guardam a devida proporção com a gravidade dessas condutas”[4], apresentou o Projeto de Lei nº 5.446/2016, visando, em linhas gerais, alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para incluir sanções mais severas contra o transporte irregular de passageiros.
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Feito isso, iniciou-se a tramitação legislativa.
Logo de início, contou com parecer favorável da Comissão de Viação e Transportes (CVT), no qual, sob a relatoria do Deputado João Paulo Papa (PSDB-SP), concordou-se “com a ampliação da responsabilização do condutor proposta, (…) além da remoção e apreensão do veículo”[5] – sendo que, na sequência, a Comissão de Constituição e Justiça exarou parecer pela juridicidade e conformidade legal das previsões do Projeto em questão[6].
Dada a aprovação no âmbito da Câmara dos Deputados, encaminhou-se o Projeto de Lei da Câmara para o Senado Federal que, autuado sob o nº 109/2017, foi diretamente encaminhado para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, oportunidade em que o relator, Senador Antonio Anastasia, aduziu, em posicionamento acompanhado por seus pares, que “quanto ao mérito, somos favoráveis ao projeto. O transporte irregular de passageiros coloca vida em risco, uma vez que os veículos ou o condutor podem não estar aptos a realizar a tarefa com segurança”[7].
E, com a aprovação nas duas Casas Legislativas, o Projeto foi encaminhado para sanção à Presidência da República. Essa ocorreu em 08 de julho de 2019 e resultou na promulgação da Lei nº 13.855/2019, que alterou o art. 231, VIII do CTB para prever, contra o transporte irregular de passageiros, infração gravíssima, penalidade de multa e medida administrativa de remoção do veículo — que, diversamente da retenção, implica na retirada do veículo da esfera de utilização do condutor ou proprietário, com o seu respectivo encaminhamento para o pátio ou outro local próprio do órgão fiscalizatório.
Daí que, há de se visualizar que a nova norma, que no próximo dia 10 de outubro completa um ano de vigência, acertadamente introduziu punições mais gravosas contra o transporte irregular, que é algo tão danoso para a sociedade e para a própria ordem jurídica nacional.
Exatamente por isso, este “aniversário” da norma deve ser objeto de comemoração. E, mais que isso, estímulo para que se continue a pensar em novas maneiras de seguir nesta batalha — que, apesar dos efeitos benéficos trazidos pelo diploma legal, ainda não cessou.
Referências
[1] LESSA, Rubens. Transporte clandestino: escolha de risco. O Tempo, 21 fev. 2020. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/transporte-clandestino-escolha-de-risco-1.2300285>.
[2] CARROS do transporte clandestino estão envolvidos em 40% dos 15 mil acidentes. Estado de Minas, 26 fev. 2014. Disponível em <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/02/26/interna_gerais,502168/carros-do-transporte-clandestino-estao-envolvidos-em-40-dos-15-mil-acidentes.shtml>.
[3] SOBRINHO, José de Almeida. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 626.
[4] Vide: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=09AC98C860AF0A7BDCA 8BC63E9F3ECD6.proposicoesWebExterno1?codteor=1462848&filename=Tramitacao-PL+5446/2016;
[5] Vide: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=09AC98C860AF0A7BDC8B C63E9F3ECD6.proposicoesWebExterno1?codteor=1502910&filename=Tramitacao-PL+5446/2016
[6] Vide: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=09AC98C860AF0A7BDCA8 BC63E 9F3ECD6.proposicoesWebExterno1?codteor=1582024&filename=Tramitacao-PL+5446/2016
[7] Vide: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7956263&ts=1593914327667&disposition=inline
*João Lucas Costa de Miranda é sócio do MVPA Advogados