Os perigos do uso do “rebite” e de outras drogas por caminhoneiros
Rotinas exaustivas e longas horas sem descanso fazem com que o uso da droga seja uma alternativa, mas o consumo é ilegal e traz riscos.
A rotina e a alta demanda de trabalho no dia a dia dos caminhoneiros, marcado por longas e exaustivas horas de viagem, faz com que o uso de drogas e substâncias com efeito estimulante seja um aliado para tentar vencer o sono e o cansaço.
Segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), consultada pela reportagem do Portal do Trânsito, estudos e operações com motoristas testados nas rodovias comprovaram que, em média, 30% dos caminhoneiros brasileiros usam drogas para suportar a exaustiva jornada de trabalho a que são submetidos. No caso das cargas perecíveis, esse índice chega a 50%, conforme identificou o Ministério Público do Trabalho em ações conjuntas com a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A prática é considerada uma infração gravíssima de trânsito, de acordo com o Art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e pode colocar em risco a vida do motorista e de outras pessoas. Os efeitos são diversos e variam de acordo com a droga utilizada. De acordo com a Abramet, as mais utilizadas são as anfetaminas, conhecidas como “rebite”, maconha (cannabis), cocaína e opiáceos e alucinógenos.
“Usei uma vez para nunca mais”
Caminhoneira há cinco anos, Leire Souza, 39, conta que já usou o rebite uma única vez, mas a experiência foi traumática.
“É difícil encontrar um motorista que nunca tenha usado um rebite. Graças a Deus, essas outras coisas eu nunca usei, nunca nem bebi na minha vida, nunca fumei. Mas o rebite eu usei uma vez. Eu precisava sair de São Paulo e chegar à Bahia. Acabei usando porque eu precisava estar lá às 9h da manhã e eu consegui, cheguei 8h20. […] Eu voltei pro caminhão, acabei dormindo e só acordei às 4 da manhã do outro dia, porque o pessoal quase arrebentou a porta do meu caminhão de tanto bater achando que eu estava morta lá dentro”, conta.
Pelo tempo que “apagou” após o uso da droga, a motorista diz que desenvolveu uma infecção urinária e dá mais detalhes sobre a experiência. “Isso me deu de presente uma infecção urinária da pior que eu já tive, porque eu fiquei esse tempo sem ir ao banheiro, então quando eu acordei estava com a bexiga explodindo. Minha experiência com rebite foi a pior que já existiu, foi uma vez para nunca mais usar esse negócio. É o que eu falo, hoje se eu aguento, eu piloto, se eu não aguento, eu paro, descanso, durmo e acabou. Só dirijo limpa, graças a Deus”, diz.
Segundo ela, o consumo é comum na profissão e muitos usam até para emagrecimento.
“Alguns usam para se manter acordado, porque as empresas exigem horário. Tem muita empresa que quer forçar o motorista, aí não paga salário fixo, só paga comissão e se você não rodar, você não leva o pão para casa. Nesses casos, você é obrigado a se manter acordado para poder manter o nível de vida da família. Outros usam porque o rebite é um remédio que auxilia no emagrecimento, muita gente não sabe disso, mas é. Tem muito motorista gordo que acaba usando com o objetivo de perder peso. É de fácil acesso, porque você compra na farmácia, sem receita”, afirma.
Efeitos e riscos do uso de drogas por caminhoneiros
No caso do uso das anfetaminas, como o “rebite”, o que acontece é um estímulo das funções cognitivas e psicomotoras, que podem aumentar perigosamente a autoconfiança do motorista e contribuem para que ele esteja mais propício a se arriscar no trânsito.
“Testes realizados em simulador de direção levaram à conclusão de que os efeitos agudos prejudicam o desempenho do motorista. Ele passa a não sinalizar corretamente as manobras que pretende executar e as realiza em tempo superior ao necessário à tomada de decisões Deixa, por exemplo, de parar em semáforo vermelho e reage com mais lentidão às habilidades exigidas para uma condução segura”, aponta o diretor científico da Abramet, Flávio Emir Adura.
Ele explica que dirigir é uma tarefa complexa na qual o condutor recebe informações continuamente. Por esse motivo, é preciso estar atento o tempo todo para identificar situações de risco e tomar decisões de maneira rápida e eficaz. O uso de substâncias que interferem ou influenciam nas funções cerebrais ou nos processos afetam diretamente o desempenho do condutor.
“O uso de drogas está associado à condução em excesso de velocidade, perda do controle do veículo, colisões, direção agressiva e desatenta, além de execução de manobras de alto risco. O prejuízo no desempenho de segurança ocorre em razão da perda de concentração e atenção e alterações mentais devido aos efeitos psicoativos. Por exemplo: nervosismo, irritabilidade, agressividade, podendo chegar até o estado de paranoia e alucinações”, elenca o diretor da Abramet.
Infração e exame toxicológico
Por vias legais, há alguns tópicos da legislação que o condutor infrator pode ser enquadrado. Segundo o CTB, dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência é infração gravíssima. A penalidade é multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 meses. A constatação pode ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova admitidos.
Além disso, o art. 148-A determina que os condutores das categorias C, D e E deverão comprovar resultado negativo no exame toxicológico para a obtenção e a renovação da habilitação. Aqueles com idade inferior a 70 anos, devem se submeter a novo exame toxicológico a cada período de dois anos e seis meses. O resultado positivo acarretará na suspensão do direito de dirigir pelo período de três meses.
Segundo o representante da Abramet, o exame toxicológico de larga janela de detecção para consumo de substâncias psicoativas tem demonstrado ser uma opção apropriada para verificar o histórico de uso de drogas.
“A análise segmentar do cabelo pode confirmar o abuso de uma droga nos últimos meses de maneira confiável. Para que ocorra redução da frequência com que motoristas conduzem veículos automotores sob o efeito de substâncias ilícitas, é necessário se avaliar o comportamento do usuário por um longo período e impedi-lo que se habilite ou renove sua CNH”, diz.
Ainda de acordo com Adura, no Brasil, a redução da taxa de mortalidade por acidentes de trânsito vem sendo acompanhada do declínio do número de óbitos nas rodovias federais. Além disso, é possível observar uma inversão na tendência de crescimento, em especial uma redução dos acidentes que envolvem caminhões.