09 de maio de 2025

O que a morte de três policiais rodoviários pode nos ensinar sobre cultura institucional

Artigo do Dr. Alysson Coimbra sobre a negligência silenciosa do uso do cinto de segurança nas forças de segurança pública e como transformar luto em legado.


Por Artigo Publicado 19/04/2025 às 13h30
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* Alysson Coimbra

PRF luto por policiais rodoviários
Dr. Alysson Coimbra convida o leitor a refletir se não está na hora de transformar o luto pelos policiais rodoviários em legado. Foto: Divulgação PRF

Em um país onde morrem mais de 30 mil pessoas por ano no trânsito, não há espaço para naturalizar hábitos inseguros. Desde 1998, o uso do cinto de segurança é obrigatório no Brasil, conforme o Código de Trânsito Brasileiro. No entanto, ainda hoje, essa norma é frequentemente desconsiderada — e isso se torna ainda mais grave quando acontece dentro das próprias forças de segurança pública.

O cinto de segurança é comprovadamente eficaz na prevenção de mortes por ejeção do veículo, além de ser essencial para a eficiência dos airbags. A Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET) emitiu diretrizes claras sobre o tema, alertando para o risco letal da sua não utilização, especialmente em colisões de alto impacto, como as que ocorrem em rodovias ou durante perseguições policiais.

Contudo, um comportamento institucionalizado se enraizou nas corporações policiais: o não uso do cinto, sob o argumento de que, em áreas urbanas, a reação rápida a tiroteios, emboscadas ou evacuação do veículo justifica sua dispensa. Ainda que essa exceção tática faça sentido em operações específicas, ela não pode ser tratada como regra geral, sobretudo em contextos de alta velocidade e risco de impacto.

Recentemente, o Brasil foi abalado pela morte de três policiais rodoviários federais em uma perseguição de trânsito.

Embora não haja confirmação oficial sobre o uso do cinto pelos agentes, o fato reacendeu uma pergunta incômoda, mas necessária: por que seguimos tolerando dentro das corporações aquilo que jamais aceitaríamos na população comum?

Não se trata de apontar culpados, nem de explorar uma tragédia em meio à dor. Trata-se de refletir se não está na hora de transformar o luto em legado. Se não for agora, quando? Quando mais precisaremos perder profissionais dedicados para rever práticas que, apesar de frequentes, são perigosas?

Essa cultura da exceção virou rotina. E rotinas repetidas sem crítica geram aquilo que chamamos de consciência coletiva equivocada. Nas corporações policiais, criou-se uma matriz comportamental que vê o cinto como obstáculo, quando na verdade ele é proteção. Isso precisa mudar.

A Páscoa nos relembra o sacrifício de um homem que morreu por todos. Por que, então, não honrar a memória desses três homens que tombaram servindo ao país com uma mudança real e simbólica? Que a partir dessa tragédia, possamos promover uma virada de cultura — em que o uso do cinto de segurança não seja um ato opcional, mas um compromisso com a vida, com a farda e com a missão.

* Alysson Coimbra é médico especialista em Medicina do Tráfego, referência nacional em saúde do condutor, segurança viária e políticas públicas de mobilidade. Coordenador do projeto Novos Horizontes no Trânsito e Consultor técnico no Congresso Nacional em temas de trânsito e comportamento.

5 comentários

  • Athos Garcia Treptow
    19/04/2025 às 20:59

    Concordo plenamente com a necessidade de uso de cinto de segurança por policiais nas viaturas. Em estando atento a situação o cinto pode ser solto quando vai ser necessária a saída da viatura, principalmente com os cintos retrateis.

  • Jackson Alves
    19/04/2025 às 21:34

    Abordagem mais que necessária, dr Alysson!, parabéns!

    Mas permita-me acrescentar algo a sua fala irretocável!

    Além do não uso do cinto de segurança nas condições que o senhor citou temos a forma de perseguição a veículos praticada pelos nossos bravos guerreiros e guerreiras da segurança pública no Brasil.
    É imperioso discutirmos também os riscos a que estão expostos policiais, cidadãos usuários da via e até mesmo os que são perseguidos “suspeitos de crimes/criminosos, infratores de trânsito e outros” durante uma perseguição!

    Será que um possível êxito na perseguição justifica os riscos?

    Muito obrigado, dr Alysson!

  • Stefania Alvise
    20/04/2025 às 08:41

    Excelente texto Dr. Alysson. O ato de cujdar ou se proteger de algo que venha de fora do veículo, comi uma projétil por exemplo, não anula a proteção interna que seria o cinto segurança. Em 3 segundos o cinto é desfivelado não causando tanto prejuízo de tempo de reação a algo externo. Porém, um sinistro ocorre em 4 segundos sem oportunidade de reação para quem está dentro do veículo podendi ceifar vidas pela soma da velocidade e impacto e batidas do corpo contra o interior do veiculo e também com a possibilidade de ser ejetado. O ser humano precisava ter mais aulas de anatomia humana, respeito as regras de convivência e ética desde pequenos. A ctura é construída na aceitação do propósito!

  • Edilene
    20/04/2025 às 09:26

    Concordo plenamente

  • Marco Túlius Delduque Pacheco
    20/04/2025 às 18:19

    O não ao bom hábito, faz sim ao mal óbito!

    Marco Túlius
    Instrutor de Trânsito

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