A condição adversa de luz, algumas vezes, é determinante em casos de acidentes, principalmente quando envolvem os elementos mais frágeis do trânsito.
Dados do levantamento realizado pela Seguradora Líder, responsável pelo seguro DPVAT, apontam que no Brasil, a maior incidência de acidentes indenizados em 2019 ocorreu no período do anoitecer, entre 17h e 19h59, representando 23% das indenizações – números que se repetem em anos anteriores.
Notadamente, tais acidentes envolvem, na maioria das vezes, pedestres, ciclistas e motociclistas. Eles acontecem devido à falta de visibilidade, luz alta de outro veículo em sentido contrário, pôr do sol causando ofuscamento, excesso de velocidade devido à ansiedade de chegar logo ao seu destino ao final do dia e atenção voltada a outras coisas e não ao trânsito. Além disso, fatos de imprudência, imperícia e negligência, como beber e dirigir, cansaço, fadiga, irritação, alimentação inadequada, desrespeito às leis de trânsito e falta de empatia.
Quem pontua essas situações é Claudia Rübenich, pedagoga, examinadora de trânsito e diretora geral e de ensino de Centro de Formação de Condutores. Claudia também é docente dos cursos de formação de profissionais que atuam em CFC’s, em renomadas Instituições de ensino superior conveniadas pelo DETRAN/RS, entre elas o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC.
A especialista ressalta que, antes de tudo, é preciso diferenciar quem é o ciclista de quem é o andador de bicicleta, assim como, quem é motoqueiro de quem é motociclista.
De acordo com ela, o ciclista e o motociclista são os pilotos responsáveis, que circulam dentro de regras e normas estabelecidas, sem colocar em risco demais usuários.
Já o andador de bicicleta é o que anda nas calçadas, em sentido contrário ao fluxo, desobedecendo semáforo, entre outros comportamentos inadequados. “O motoqueiro é a visão distorcida do profissional motofretista. Motoqueiro é o que faz zigue-zague, desrespeita sinalização, anda em excesso de velocidade, tira fininhos, enfim, possui conduta inadequada e irresponsável perante os demais usuários da via”, explica.
Já o pedestre é aquele que nem sempre conhece os riscos e regras de trânsito, complementa.
“A direção defensiva já coloca que: o maior cuida do menor. No entanto, nem todos os pedestres são condutores e possuem Carteira Nacional de Habilitação, logo, sofrem sempre a maior pena, pois estão desprotegidos. Embora existam penalidades para pedestres, até hoje não foram regulamentadas devido a dificuldades operacionais”, afirma.
Outra questão é a utilização da palavra acidente. Segundo ela, ao analisarmos a definição que está no glossário do DETRAN/RS, acidente é um evento não premeditado, logo, não se trata de uma fatalidade. “Os acidentes ocorrem pela deficiência na conservação de veículos, estradas e são provocados por falhas humanas de pedestres e condutores”, esclarece.
Luz: condição adversa ou de segurança?
Mas, há também um outro fator que interfere nas possibilidades de ocorrência de acidentes, sobretudo no período noturno, em que há maior risco de acidentes envolvendo os usuários, vulneráveis pela dificuldade de visibilidade.
Logo, a luz é um fator de segurança, pois é essencial para vermos e sermos vistos, seja pela iluminação natural ou artificial. No entanto, a luz torna-se uma condição adversa quando está em falta – penumbra, ou em excesso – ofuscamento, tornando-se prejudicial aos usuários por atrapalhar a visibilidade por alguns segundos que podem ser fatais.
Em algumas cidades, a iluminação das vias urbanas ainda é aquela de tom amarelado, com clareza duvidosa, enquanto a luz branca, além se ser mais econômica, permitiria maior visibilidade aos obstáculos, detalha Rübenich.
“Também, existe a manutenção e poda de árvores, arbustos e folhagens que atrapalham a visão em pontos específicos. Outro ponto de atenção é cuidar onde são colocados outdoors e vigiar sua luminosidade. Muitas vezes nos deparamos com algo muito chamativo visualmente, que pode distrair nossa atenção. Fiscalização mais efetiva do sistema elétrico dos veículos em circulação, iluminar as rodovias em geral e, principalmente, se o condutor possuir dificuldade de visão noturna, redobrar a atenção, ou até não dirigir nem pilotar nestes horários. Algumas coisas se resolvem com bom senso”, avalia.
Há, ainda, os casos de indivíduos que possuem acuidade visual reduzida, apresentando dificuldade de dirigir à noite. “Quando não contemplamos a regra da direção defensiva de ‘vermos e sermos vistos’, o risco aumenta sensivelmente”, acrescenta.
Mudança de resultado requer mudança de procedimentos
Na opinião da especialista, o maior responsável pelos acidentes de trânsito é o homem, seguido, em menor escala, pelo veículo e pela via, já que um veículo sozinho não representa risco algum.
Logo, a redução do número de acidentes e a segurança no trânsito está ligada à mudança de comportamento, e isso requer conscientização, educação, comprometimento e responsabilidade de todos os envolvidos no processo. Seja ele condutor, pedestre, ciclista, motociclista, autoridades, governantes, instrutores de autoescola, enfim, todos aqueles que fazem parte do complexo trânsito.
“O veículo é apenas uma peça metálica que, no momento em que está sendo guiado, passa a ter o estilo, a característica e o comportamento de quem o está dirigindo. Portanto, aqui cabe uma frase que certa vez ouvi e passei a usá-la, que diz o seguinte: ‘Para mudarmos o resultado, temos que mudar os procedimentos’. Assim sendo, é possível a redução da acidentabilidade e sinistralidade, porém, cada um deverá repensar e mudar seu comportamento no trânsito. As leis e normas foram feitas para organizar o trânsito e elas são de conhecimento público, à disposição de todos – não cumpre quem não quer. A engenharia possui subsídios necessários para fazer a sua parte, garantindo segurança e fluidez nas vias públicas por ela desenhadas. A educação é fundamental em todas as ocasiões e é assunto discutido diuturnamente pelos canais responsáveis. A responsabilidade é de todos nós”, acredita.
Campanhas educativas
Dados do DETRAN/RS apontaram que, em relação aos veículos envolvidos em acidentes com vítimas fatais, motos e motonetas representaram 22,4% e bicicletas 3,7%, no período de janeiro a setembro deste ano. O alarmante é que o motociclista lidera o número de vítimas fatais (28,1%), seguido pelo condutor (25,6%), pedestre (17,8%) e ciclista (5,3%). Claramente, algo precisa ser feito, pois, as campanhas não estão surtindo o efeito desejado, avalia Rübenich.
“Ver e ser visto no trânsito é o princípio fundamental para a circulação ocorrer com segurança e fluidez. Onde este falha, o risco de envolvimento em acidentes é muitas vezes maior. Por isso, considero louváveis as campanhas feitas pelos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito utilizando imagens, frases de efeito, bordões, vídeos, enfim. Porém, algumas não surtem o efeito necessário na população. Nossas campanhas são brandas, com imagens que simulam situações. No meu entendimento deveriam ser mais fortes. Inserindo algumas imagens reais, para que a população visse que pode, sim, aquela situação acontecer com ela, seus familiares e conhecidos. Precisamos mudar a cultura de que ‘acidente só acontece com os outros’, considera.
Neste sentido, no início do segundo semestre, o Contran divulgou o cronograma das campanhas educativas. Dentre elas, a que aponta para a importância de ver e ser visto no trânsito, com enfoque especial nos motociclistas, ciclistas e pedestres. Esse fato atende uma exigência prevista no Código de Trânsito Brasileiro, com o objetivo de padronizar todas as ações educativas promovidas pelos órgãos de trânsito em todo o país. A informação é do diretor-geral do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran, Frederico Carneiro.
“Desta forma, é possível transmitir a mesma mensagem e conscientizar o maior número de pessoas no trânsito, de modo a evitar a ocorrência de acidentes”.
Ele esclarece que as campanhas têm sido promovidas no sentido de orientar os pedestres, ciclistas e motociclistas a utilizarem roupas e elementos que permitam a melhor visualização pelo condutor, principalmente no período da noite.
“Estamos sempre preocupados com os mais vulneráveis no trânsito. Por isso, fazemos diversas campanhas de conscientização que possam ajudá-los a entender e saber como se portar no trânsito em todos os momentos. É importante reforçar também a mensagem do mais forte cuida do mais fraco, ou seja, os veículos maiores protegem e preservam a condição de segurança dos menores”, destaca.
Neste aspecto, o Denatran está promovendo, à luz da Resolução Contran nº 795, de 2020, uma campanha focada nesse ponto. Uma vez que muitos acidentes envolvendo motocicletas, bicicletas e pedestres ocorrem sem que sequer os motoristas os tenham visto. “Daí a importância de os dispositivos de iluminação desses veículos menores estarem em perfeito funcionamento. E também, de os ciclistas e pedestres usarem roupas claras e refletivas, principalmente à noite, e de os motoristas dobrarem a atenção quanto aos mais vulneráveis no trânsito”, reforça.
Segundo Carneiro, o Denatran está mantendo contato com vários órgãos do Sistema Nacional de Trânsito no sentido de incentivá-los a dar publicidade ao tema.
“Assim ampliaremos o público a ser atingido pela campanha, buscando, dessa forma, a redução das vítimas de trânsito pelo País”, conclui.