Nesta semana J. Pedro Correa escreve sobre as expectativas de segurança nas rodovias brasileiras em 2021. Elas vão perdoar os erros dos usuários?
J. Pedro Correa*
Ok, podemos nos consolar dizendo que se não atingimos os 50% de redução de fatalidades no trânsito brasileiro na 1ª Década Mundial de Trânsito, tampouco fizemos tão feio com nossos índices chegando aos 30%. Contudo, vamos combinar, que, se nos fiarmos nos dados do Datasus, estamos falando de quase 400 mil mortos nas ruas e estradas do Brasil só no período 2011-2019.
Não há ninguém neste país que possa se orgulhar de um número desta magnitude.
Vamos agora para o segundo turno da Década Mundial de Ações de Trânsito e nos defrontamos com a mesma pergunta de antes da primeira década: o Brasil vai fazer seus deveres de casa “de verdade” ou vamos ficar novamente na letra da canção Sol de Primavera, do Beto Guedes: “A lição sabemos de cor / Só nos resta aprender”…
Na realidade, esta não é apenas uma simples provocação, mas uma efetiva manifestação de temor de repetir o que já vimos no Brasil ao longo de tantos anos: planos, metas e…(in)ação! Obviamente não estou falando de falta total de ação porque, afinal, nossos números têm melhorado, mas numa velocidade que não combina com nossa importância econômica nem condiz com nossa posição no cenário internacional.
A enquete com personalidades ligadas ao trânsito que realizei em novembro sobre expectativas para o ano que vem mostrou uma descrença grande nos planos de ação da área governamental para 2021. Alguns até veem, e aplaudem, o discurso otimista do Minfra e do Denatran mas têm dificuldades em ver convergência dele com ações e mensagens do Presidente Bolsonaro, claramente contra pontos fundamentais da segurança no trânsito.
Minha ideia é abordar hoje as expectativas de segurança nas estradas brasileiras para 2021, mas, já quase na metade de dezembro, ainda não vejo planos nem preparativos concretos com relação ao que pode acontecer em matéria de incremento da segurança rodoviária nas diversas regiões do país.
O que sabemos, pelos releases do Minfra, é que poderemos ter, ano que vem, o início do projeto de recuperação das rodovias federais através de um contrato com o IRAP, um programa internacional de avaliação de rodovias que atua numa centena de países oferecendo segurança nas estradas.
Veja outros artigos do autor:
Artigo: Cidades desafiadas
Artigo: Dúvidas e esperanças em 2021
Como o Irap tem tradição, tecnologia e conhecimento consagrados, este pode ser um início promissor para o Brasil desenvolver um programa de longo prazo e tornar mais segura nossa malha federal. Na primeira semana de dezembro, o Governo Federal anunciou o lançamento do Inov@BR, um programa de estímulo à modernização das principais rodovias federais, para promover o aumento da segurança e da eficiência logística do país. Suponho que faça parte do mesmo programa do Irap, o que sugere já haver orçamento financeiro para executá-lo, o que o torna ainda mais promissor.
É imperativo que surja um programa de governo, de longo prazo, capaz de alterar de uma vez por todas o quadro altíssimo de acidentalidade nas nossas estradas federais e que diminua o descompasso existente com as estradas pedagiadas, da iniciativa privada.
O professor David Duarte Lima, graduado em estatística pela Universidade de Brasília com pós-graduação pela Universidade da Bélgica, me diz que o índice de fatalidades nas estradas nacionais é da ordem de 18% dentro do quadro geral de perdas no trânsito. Ano passado morreram no trânsito brasileiro mais de 30 mil pessoas.
Apesar de serem demais e incalculáveis em valor as perdas de vidas humanas, elas não ficam apenas nisto: imagine-se o prejuízo econômico que as estradas em más condições provocam e o quanto atravancam o desenvolvimento global da economia e o quanto perturbam o deslocamento da sociedade durante todo este tempo.
Obviamente que a ausência de ação reparadora por parte dos governos (não falo só de rodovias federais) não explica a omissão dos grandes usuários das estradas, notadamente entidades de transportadores de todos os níveis que muito contribuíram ao longo do tempo para a deterioração desta mesma malha viária. Deles devem partir iniciativas concretas junto aos seus afiliados e destes para seus motoristas no sentido da melhor preservação rodoviária na certeza de que esta é a melhor maneira de garantir a saúde econômica do setor e do país. Esta inação deve ficar evidente na hora dos “deves e haveres” de cada setor. Não esquecer de que aqui não falo apenas de transporte de cargas, mas também de passageiros.
Da parte das empresas concessionárias de rodovias deve-se esperar novas ações de correção, reparação dos trechos sob sua responsabilidade para o ano que vem, o que certamente redundará na redução dos acidentes.
Estas empresas, além de compromissos de responsabilidade social, mantêm também contratos com o governo para promover estas correções sistemáticas enquanto durarem seus acordos.
Quando se fala em segurança rodoviária, o cidadão comum cita a necessidade de “mais autoestradas, mais estradas pedagiadas“ para eliminar acidentes, o que, claramente não é uma verdade por absoluto. Desnecessário lembrar que, embora a estrada possa ter papel importante na ocorrência de acidentes, são os usuários que concorrem sempre para sua repetição. E aí voltamos ao círculo vicioso do triângulo estrada-usuário-governo.
Recentemente temos abordado bastante o programa bem sucedido da Suécia de segurança viária chamado de Visão Zero onde qualquer morte ou acidente grave é tido como inaceitável.
Pois bem, apesar do seu alto nível de desenvolvimento social e econômico, a malha rodoviária da Suécia é marcada por poucas autoestradas, mas nem por isso a acidentalidade nas rodovias mais comuns, de três pistas, é alta, pelo contrário: depois da adoção do sistema que usa uma cerca de separação entre as pistas, o número de acidentes caiu vertiginosamente. Diferencial significativo no caso sueco é que lá, tanto a via, como o veículo como o próprio usuário têm níveis de preparação muito superiores aos nossos.
Voltando ao ponto inicial do comentário de hoje, a pergunta que continua é se nossas rodovias vão perdoar os erros dos usuários ano que vem. A resposta cada um de nós já sabe, assim como sabe também o que precisa fazer para evitar o risco e o acidente. Cabe, claro, ao governo recuperar as estradas e deixá-las em condições de “perdoar” eventuais enganos dos usuários, da mesma forma como deve prover aos cidadãos os ensinamentos básicos suficientes para que tenham o comportamento adequado enquanto estão em deslocamentos.
O Brasil se encontra numa escala descendente de fatalidades no trânsito.
A pandemia que marcou 2020 reduziu a mobilidade e, assim, pode ter diminuído o número de eventos, mas não há qualquer segurança de que este quadro, a se confirmar, possa ser repetido ano que vem. A decisão depende de você, de mim, de cada um de nós!
Comentários, críticas: jpedro@jpccommunication.com.br
*J. Pedro Correa é Consultor em Programas de Trânsito