Pandemia muda a geografia da mobilidade urbana: o trânsito e os entregadores de delivery


Por José Nachreiner Junior

Neste momento, quem sai às ruas nas capitais e nas grandes cidades brasileiras encontra um fluxo de trânsito muito menor devido às recomendações da OMS validadas pelos governos estaduais e municipais para o isolamento social. Já existem cidades brasileiras adotando a paralisação total de atividades, o “lockdown”. Com isso, o mercado de food service ainda está aquecido, porém com a diminuição da renda dos brasileiros, por conta do prolongamento da crise sanitária tendo como consequência o alto índice de desemprego, este setor sofrerá impactos econômicos por conta da diminuição de renda dos usuários dos aplicativos de delivery.  Comer fora de casa em um restaurante ainda parece uma realidade um pouco distante e as pessoas vão se acostumando a fazer suas refeições em casa, onde grande parte delas está trabalhando remotamente e também para brasileiros que ainda mantém um nível de renda que permite pedir alimentos e comida pronta por meio de aplicativos, uma mudança de comportamento cada vez mais frequente.

Para melhor entender como este cenário influencia o tráfego nas cidades brasileiras, o PORTAL DO TRÂNSITO entrevistou usuários de aplicativos, um profissional da saúde do trabalho e um do mercado de food service, para apresentar um panorama do que acontece neste setor em tempos de COVID-19.

As recomendações para não sair de casa, diminuem o fluxo de trânsito de veículos nas ruas e avenidas que por sua vez aumenta o número de entregadores de delivery, que dirigem motocicletas e bicicletas por períodos prolongados aumentando o número de lesões e acidentes.
Carlos Eduardo Pereira, 32, entregador de Delivery – Curitiba. Foto: Arquivo Pessoal.

Carlos não para o dia todo e faz entregas inclusive nos finais de semana, quando os pedidos são mais frequentes.  Com o curso de administração de empresas, na modalidade EAD, interrompido por falta de dinheiro, ele trabalhava para uma empresa de eventos cerimoniais e ficou sem o emprego com o cancelamento dos eventos.  Carlos diz “que tudo aconteceu rapidamente e que o mundo parou. Sem casamentos, sem eventos, sem dinheiro, peguei minha bike, comprei uma mochila, me cadastrei em um aplicativo e comecei a entregar comida. Eu pedalo por um período de 15 horas, aproximadamente e percorro três bairros de Curitiba. Quando chego em casa minha esposa me ajuda com pomadas para passar nas costas e no dia seguinte lá vou eu pedalar, a gente tem que se virar, não posso ficar sem dinheiro. Tem muita gente que viu nesse serviço de entrega a salvação da lavoura mas aí os fretes ficaram menores e também caiu o número de entregas.  Até que tudo volte ao normal para o setor de eventos tenho que trabalhar muito para me manter”.

O Mercado de food service

Um recente levantamento do cenário pela BBC em quatro estados brasileiros indica que os entregadores por aplicativos passaram a trabalhar mais no início da pandemia, porém tiveram uma redução significativa do salário. A pesquisa feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) ouviu 252 pessoas de 26 cidades, entre os dias 13 e 20 de abril por meio de um questionário online. Entre os entrevistados, 60,3% relataram uma queda na remuneração, comparando o período de pandemia ao momento anterior. Outros 27,6% disseram que os ganhos se mantiveram, e apenas 10,3% disseram que estão ganhando mais dinheiro durante a quarentena.

A Rappi, criada em 2016, pelos empreendedores colombianos Felipe Villamarín, Sebastián Mejía e Simon Borrero, conquistou os seus primeiros clientes em Bogotá, com a promessa de um donut para cada pessoa que fizesse o download do aplicativo. Recentemente, no Brasil, uma noiva fez um chamado para um entregador ir até o apartamento de um padrinho de casamento e tocar a campainha até que ele acordasse.

“Quando descobrimos esse caso, nos divertimos muito. Rappi salvou o casamento”, conta Ricardo Bechara, diretor de expansão e cofundador da Rappi no Brasil. “Isso mostra como o aplicativo pode servir para os mais diversos usos.”

Ricardo Bechara, 37, diretor e cofundador da Rappi – SP. Foto: Arquivo Pessoal.

De acordo com Bechara, a empresa continua aplicando os mesmos critérios no valor do frete, que varia de acordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido. Com mais de 200 mil entregadores na América Latina no início de janeiro e a empresa registrou um aumento no número de 30% de entregadores cadastrados desde o início da pandemia.

Lesões e acidentes

Victor Pavarino, assessor em Segurança Viária/Mobilidade Sustentável da Organização Pan-Americana da Saúde / OPAS, afirmou em live, promovida pelo PORTAL DO TRÂNSITO, no dia 15 de maio, com a mediação do especialista em trânsito, Celso Mariano, “que acidentes e lesões provocadas por motocicletas já eram constantes, fomentando a crise de saúde pública há décadas e neste momento, com a pandemia o fluxo de motos aumentou exponencialmente. As motos compõem um segmento extremamente vulnerável cujos acidentados invadem os prontos socorros e UTIs dos hospitais e agora, esses profissionais se encontram na linha de frente e completamente expostos ao Covid-19.

Grande parte das motocicletas e bicicletas dos entregadores de delivery não possuem baús e os profissionais levam mochilas nas costas, o que causa, com frequência, lesões e acidentes por conta do peso, má distribuição ergométrica além das longas jornadas de trabalho.

Dr. Alison Alfred Klein, 43, fisioterapeuta,
diretor geral do SEFIT – Curitiba. Foto: Arquivo Pessoal.

O fisioterapeuta do trabalho, Dr. Alison Alfred Klein, afirma que o trabalhador que carrega uma mochila nas costas está sujeito a lesões e para  motoboys e, principalmente, bikerboys, essa conduta se agrava, pois as mochilas são feitas de isopor com alças e não têm um ponto de apoio equilibrado em relação ao tronco, diferente de uma mochila de um montanhista, que tem apoios na lombar, no ombro, na cintura e em outros pontos. “As caixas de isopor com alça fazem com que o entregador de delivery sofra um esforço estático muito maior, sendo seu uso inadequado por longos períodos. As caixas favorecem uma síndrome de compressão nos ombros para sustentar essa carga, fazendo com que o entregador tenha o equilíbrio comprometido para trazer essa caixa para um ponto mais central, lesionando a musculatura anterior e posterior dos ombros.  O que é muito pior para quem dirige bicicletas com essas caixas. Os acidentes de trânsito envolvendo entregadores com mochilas serão mais graves”.

A praticidade de pedir comida por aplicativo
Paulo Vasconcelos, 57, ator, diretor CIA de Revista – SP. Foto: Bob Sousa.

Para o ator Paulo Vasconcelos o isolamento social faz parte da sua profissão: “é que como trabalho com público, prefiro nas minhas horas particulares, me recolher, é uma necessidade minha. É claro que está sendo difícil de repente, seu mundo ficar restrito ao limite da sua moradia e somente até onde sua vista alcança, o que no caso de São Paulo, pra maioria das pessoas, é somente até o outro lado da rua.  Diante de tudo que está acontecendo me sinto privilegiado, moro numa casa confortável, e por enquanto não passo necessidade.  Sinto falta do trabalho e me preocupa o que será da profissão de ator e do próprio teatro após esta pandemia.  Cozinho minha própria comida neste período. Dispensei a empregada, que está em casa cuidando da família dela com seu salário garantido. Como não estou trabalhando tenho feito tudo: faxina, cozinha…. Às vezes peço alguma coisa que não consigo fazer, tipo pizza ou comida japonesa, mas não gosto de utilizar o serviço de aplicativo, pois não concordo com a precariedade da relação empregatícia que os aplicativos submetem aos entregadores, é um tipo de escravidão moderna onde quem trabalha é explorado sem direito algum.  Nós atores fomos os que primeiro entramos em quarentena e seremos os últimos a sair… acho que passará muito tempo ainda, para as pessoas voltarem a se reunir numa casa de espetáculo sem medo … Penso que o teatro, como ideia, é imortal e sempre esteve presente nas grandes crises da humanidade, mas o ritual de se apresentar ao vivo para o público reunido, isso me parece que ainda vai demorar”.

Angelo Colella, 66, Gerente de Crédito
aposentado do Serasa – SP. Foto: Arquivo Pessoal.

O gerente de crédito, aposentado, Angelo Colella, diz que “de repente tudo ficou muito diferente na paisagem urbana de São Paulo que me acostumei a ver desde criança morando no Brás. Agora, com mais gente na rua, tenho notado que o trânsito diminuiu 40% e como o Brás é um corredor para a zona leste tem horários que aumenta o volume de tráfego. No começo da pandemia não havia ninguém na rua, nenhum carro, parecia coisa de ficção científica.  Estou aproveitando os dias de isolamento social para fazer cursos de fotografia, que é meu hobby, e cursos de informática para aperfeiçoamento profissional.  Faço pedidos de delivery, por aplicativo, duas vezes na semana e a operação é bem simples e sigo todas as recomendações de higiene quando o motoboy ou o bikerboy me entrega a encomenda, higienizando primeiro as mãos, depois que passo o cartão, e nas embalagens.  A gente sabe que há uma questão que vai mudar para sempre depois disso tudo que é a cultura da higiene e da limpeza com produtos ou usando máscaras para ir ao banco, supermercado e caminhar na rua”.

 

Mais que uma tendência, os serviços de alimentação por meio do delivery se consolidam e brevemente terão aplicativos com comando de voz, onde o cliente poderá falar seu pedido para um sistema automatizado, que o transmite em tempo real ao restaurante ou cadeia alimentar em questão.

A violência urbana e deslocamentos morosos são questões que alavancaram essa modalidade de serviço nos últimos anos e seu crescimento tem sido em média de 15% ao ano, enquanto os pedidos por telefone despencam.

Com o isolamento social, o número de downloads de aplicativos aumentou e com ele os serviços de entrega por motocicletas e bicicletas que trafegam intensamente pelas cidades.

 

 

 

 

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