Congestionamentos: como a mobilidade urbana pode ajudar nesta questão?
Existem muitas ações voltadas para a mobilidade urbana pensando em como melhorar os congestionamentos no trânsito. Veja!
Foi-se o tempo em que uma família tinha um único veículo, aquele que era o carro da família. Hoje essa realidade mudou, pode-se dizer, até que por completo, em que praticamente cada integrante familiar tem o seu próprio carro. Reflexo desse novo cenário é o excesso de carros nas ruas e, como consequência um número maior de congestionamentos, atrelados aos problemas estruturais das vias nas grandes e, até nas pequenas cidades. Mas, em paralelo temos, também, muitas ações voltadas para a mobilidade urbana pensando em como melhorar os entraves no trânsito.
Para discursar conosco sobre como a mobilidade urbana pode ajudar a reduzir o excesso de congestionamento no Brasil, conversamos com exclusividade com Marcelo Fernandes Elizardo Cardoso, engenheiro Civil com especialização em Transportes.
Cardoso atuou nas áreas de Planejamento e Operação de Transportes como gestor operacional em empresas de ônibus e como consultor independente. Participou, também, da equipe responsável pela elaboração do Plano de Mobilidade Urbana de Macaé, no norte fluminense, além de ter gerenciado parte da logística de transportes no âmbito dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e ter sido Secretário Municipal de Mobilidade Urbana de Cabo Frio, também no Estado do Rio de Janeiro.
Acompanhe as considerações do especialista.
Portal do Trânsito – De modo geral, quais são os maiores causadores dos congestionamentos no Brasil?
Marcelo Cardoso – Eu listaria dois ‘culpados’ principais: o planejamento urbano não estratégico, mal feito ou inexistente; e, até como consequência dessa circunstância, o sistema público de transporte mal estruturado, mal dimensionado, desorganizado, incapaz de atender as necessidades da demanda.
Sem planejamento, as cidades crescem de modo desordenado, com núcleos (comerciais, residenciais, industriais e de serviços) distribuídos na malha urbana sem critério e, normalmente, em meio a um sistema viário precário, com arruamento mal traçado e vias de pouca capacidade, que tolhem a fluidez do tráfego. Se somarmos a isso obstáculos inerentes à própria circulação, como pontos de parada de ônibus e bolsões de estacionamento, de embarque e desembarque e de carga e descarga, temos uma boa dimensão do problema.
Sem um bom transporte público, as pessoas tendem a preferir o automóvel como seu meio de transporte, contribuindo para a gradativa obstrução desse sistema viário já saturado. Ainda que haja restrições de acesso (zonas proibidas) e de estacionamento (alto custo) para carros de passeio, dependendo da necessidade ou da conveniência, algumas pessoas podem não se dispor a considerar a hipótese do sistema público, porque, de algum modo, ele não as atende de forma satisfatória.
Tende-se, assim, a um ciclo vicioso que atinge a todos.
Portal do Trânsito – Podemos entender os congestionamentos como um dos problemas urbanos mais preocupantes no Brasil? Por quais motivos?
Marcelo Cardoso – Sim, pois, em linhas gerais, eles degradam a qualidade de vida em vários aspectos. Causam poluição, o mais visível deles para nós, que ficamos retidos nas ruas. Roubam, literalmente, o tempo das pessoas, alongando as viagens e impedindo um aproveitamento mais racional das nossas agendas. Encarecem produtos, seja pelo maior consumo de combustível da frota que atende os fretes, ou pela limitação da capacidade de entrega das cargas, quando se precisa fracioná-las em veículos menores em virtude de restrições à circulação de caminhões de maior porte. Criam, enfim, um ambiente urbano absolutamente inóspito.
Portal do Trânsito – Neste cenário, o que podemos entender sobre Mobilidade Urbana?
Marcelo Cardoso – Modernamente, o planejamento urbano tem-se valido de um conceito chamado TOD (desenvolvimento orientado pelo transporte, na tradução do Inglês). Ele preconiza que as cidades devam se estruturar em centralidades. Ou seja, núcleos – que podemos entender como bairros – nos quais o cidadão disponha de toda a infraestrutura básica de que precise para bem viver. Desta forma, todas as suas atividades rotineiras estariam contidas num perímetro que lhe permitisse acesso a elas a pé, por bicicleta ou pelo transporte público. Isso quer dizer, sem a necessidade de automóvel.
A Mobilidade Urbana estaria, de certa forma, resolvida. Mas a um custo que nem todos concordariam em pagar. Por exemplo, em termos de se sacrificar o desejo de uma casa espaçosa, com jardim e piscina, em prol de um apartamento com vista panorâmica para… Outros apartamentos!
Portal do Trânsito – De que forma a Mobilidade Urbana pode contribuir para a redução dos congestionamentos no Brasil?
Marcelo Cardoso – Nos locais onde o caos já está instalado, mitigá-lo com soluções de Engenharia de Tráfego de rápida implantação (mudanças na circulação viária e na sinalização, reposicionamento ou eliminação de paradas de ônibus e vagas de estacionamento); esforços de fiscalização de trânsito, para coibir aquelas aparentemente pequenas perturbações que podem evoluir para engarrafamentos que não se compreendem (carga e descarga em horário de ponta, embarque e desembarque em local não autorizado). Além disso, reformas nas vias urbanas, com melhorias em aspectos como largura, geometria e pavimentação.
Portal do Trânsito – Quais seriam as possíveis alternativas? Incentivar o uso de bicicletas, construir mais ciclovias, e melhorar o transporte de massa, por exemplo?
Marcelo Cardoso – As bicicletas têm inúmeras vantagens, em termos de opção. Uma política de disseminação do seu uso como transporte urbano é algo bastante bem-vindo. As ‘magrelas’ são um meio de locomoção ‘limpo’, acessível a boa parte da população (quem não puder comprar uma bicicleta pode dispor daquelas de aluguel), amigável sob o ponto de vista de ter boa interação com o pedestre. E, como se não bastasse, contribui para o bem-estar do ciclista, que está se exercitando e, com isso, salvaguardando a sua saúde.
A melhoria do transporte de massa, por sua vez, é um atrativo de grande relevância, para trazer para o sistema a parte da demanda que dá preferência ao automóvel pela simples conveniência. É algo crucial que deve fazer parte da rotina do gerenciador da Mobilidade Urbana.
Isso inclui o acompanhamento operacional contínuo do sistema, de modo a observar o seu comportamento diário e, a partir disso, atuar no dimensionamento de um serviço capaz de suprir a necessidade da cidade. No aspecto planejamento, é preciso estar atento à oportunidade de implantação de novos sistemas e novos equipamentos e à necessidade de se contar com planos de contingência bem estruturados, de modo a tornar a operação sempre confiável e mais eficaz.
Portal do Trânsito – E, nesta conjuntura, qual é o papel do poder público na Mobilidade Urbana?
Marcelo Cardoso – No primeiro aspecto, identificar e corrigir as falhas do sistema público de transporte que impedem a melhoria da qualidade do serviço prestado, na tentativa de atrair demanda oriunda dos usuários de automóveis. Analisar quadros de horários, frequências, itinerários, pontos de parada e adequação da frota, entre outras variáveis.
No segundo caso, identificar assim como corrigir impropriedades do sistema viário e de sua circulação. Analisar sentidos de tráfego, sinalização (semafórica, vertical e horizontal), pontos de retenção (paradas de ônibus, bolsões de estacionamento, de carga e descarga bem como de embarque e desembarque) e inconformidades de projeto, de manutenção e de operação relativas às vias.
Portal do Trânsito – Por fim, como a Mobilidade Urbana pode ajudar na redução dos congestionamentos no Brasil?
Marcelo Cardoso – Com o planejamento estratégico do Sistema Público de Transporte e da Engenharia de Tráfego, permitindo que mais pessoas migrem para o transporte público e, até, para opções como a bicicleta. Mas sem demonizar o uso do automóvel, que permanecerá sendo opção a ser considerada e, sobretudo, respeitada. Pode existir espaço para todos, em se fazendo direito o dever de casa.
[…] Fonte: Portal do Trânsito […]