Idec lista cidades em crise e propõe ações para o transporte público
Carta enviada aos ministérios da Saúde e Desenvolvimento destaca 24 recomendações às prefeituras. Dessa forma, o Idec reafirmou a necessidade de recursos federais para amenizar a crise no setor.
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), enviou na última semana, aos ministérios da Saúde e de Desenvolvimento Regional, uma lista com 24 recomendações para o funcionamento dos transportes coletivos visando reduzir os riscos de contágio pela Covid-19 e a crise no setor gerada pela pandemia. Além disso, o documento apresenta ainda um levantamento das cidades onde aconteceram greves, rompimentos contratuais ou intervenções no serviço em 2021, somando 56 ocorrências no país (ver mapa abaixo). Nesse sentido, a iniciativa foi uma contribuição à proposta dos dois órgãos federais de encaminhar orientações às prefeituras das cidades brasileiras.
“São cada vez mais numerosos os casos de suspensão do serviço de transporte coletivo, redução de frota, greves de funcionários e aumentos de tarifas. Contudo, essa discussão tem ficado restrita a cada município. Mas trata-se de um problema nacional e estrutural, que vem de muito tempo e se acentuou com a pandemia”, explica Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec.
Segundo ele, faltam fontes variadas para financiar o transporte nas cidades.
Hoje as empresas que operam os sistemas dependem quase que totalmente da tarifa paga pelo usuário, tornando-as cada vez mais caras. Além disso, em geral, os contratos com as empresas são ruins e a remuneração dessas companhias é baseada no número de passageiros e não no custo de operação do sistema.
“Há anos estamos denunciando essa lógica equivocada. Seja como for, com a redução de passageiros, ela ficou evidente e as próprias concessionárias querem revê-la. Nesse sentido, é papel do governo federal centralizar uma política nacional que aponte soluções para resolver a situação sanitária emergencial – com o repasse urgente de recursos às prefeituras – e o problema estrutural a longo prazo ”, cobra Calabria.
As 24 recomendações enviadas pelo Instituto têm como foco a gestão e operação dos transportes.
Propostas de ação no nível da gestão municipal:
- Não permitir a suspensão do serviço de transporte coletivo essencial nas cidades;
- A redução das lotações dependerá da redução das atividades. Além disso, da condição dada às pessoas de ficarem em casa;
- A redução da oferta de viagens não deve ser o meio de restringir os deslocamentos;
- Adequação da frota de ônibus e trens à demanda específica da região ou linha no novo cenário;
- Divulgar informações sobre o novo padrão de serviço. Por exemplo, frequências e horários aos usuários e informações sobre a crise;
- Dar plena transparência aos dados de gestão. Assim como operação dos transportes coletivos na cidade;
- Organizar, com o setor privado local, o escalonamento dos horários das atividades;
- Redução da tarifa no horários horários de menor utilização do transporte;
- Incentivar as cidades a buscarem fontes extratarifárias de financiamento;
- Incentivar as cidades a reduzirem as emissões de poluentes no transporte;
- Implantar ciclofaixas e áreas para pedestres emergenciais, Além disso, estimular outros modos de deslocamento.
Pontos de atenção
- Restringir passageiros em pé ou estabelecer percentual de lotação máxima nos veículos se configura como um objetivo a ser alcançado. Ainda assim, não deve ser um instrumento adotado para se reduzir a lotação;
- Não se deve adotar a programação horária de final de semana nas frotas de transporte;
- O problema do setor é estrutural. Por isso, os recursos financeiros são necessários para resolver completamente o problema;
- Propostas de ação no nível da operação dos transportes públicos;
- Definir protocolos para organizar as empresas para se adequarem ao atendimento no período;
- Fornecer máscara e álcool gel nos equipamentos de transportes;
- Adotar e publicizar protocolos de limpeza e higienização dos equipamentos de transportes;
- Reforço na limpeza de ar condicionado e priorizar janelas abertas;
- Medir a temperatura corporal dos usuários;
- Dar atenção especial a grupos vulneráveis (população de baixa renda e mulheres);
- Incluir os trabalhadores do setor nos grupos prioritários de vacinação;
- Proteger os trabalhadores do setor do risco de contágio;
- Buscar formas de reduzir o contato entre os trabalhadores e os passageiros;
- Afastar funcionários pertencentes a grupos de risco e com sintomas ou doentes;
Rafael Calabria ressalta que os recursos do governo federal são imprescindíveis para implementar as medidas de gestão.
“Em dezembro o presidente da República vetou o projeto de lei que previa um auxílio emergencial para o setor e não propôs nada no lugar. Uma decisão irresponsável, pois o transporte público é um serviço essencial. Sendo assim, não tem como parar. Se continuarmos assim veremos o caos e as mortes aumentarem ainda mais”.
Histórico
A redução de usuários nos transportes, resultado das necessárias medidas de isolamento social, gerou queda de arrecadação das empresas de transporte coletivo, revelando falhas históricas desse sistema no Brasil. Seja como for, entre elas está a falta de fontes variadas para financiar o transporte – sendo seu custeio baseado integralmente no pagamento da tarifa pelo usuário, em grande maioria das cidades – e a remuneração das empresas concessionárias baseada no número de passageiros e não no custo de operação do sistema em si.
Diante da queda no número de usuários pagando a tarifa, e consequentemente de sua receita, as empresas foram a público pedir, entre outras coisas, ao governo federal a remuneração por custo, por meio do Programa Emergencial do Transporte Social (Projeto de Lei 2025/20 e na Emenda 26 à Medida Provisória 936/2020).
Desde o início da pandemia, em março de 2020, o Idec tem dialogado no Congresso Federal para garantir o funcionamento adequado dos transportes nas cidades e o respeito aos direitos dos usuários.
Em abril, 36 organizações da sociedade civil e movimentos sociais de todo o Brasil, que atuam na temática de mobilidade e direitos humanos, enviaram uma carta a órgãos governamentais, municipais e empresariais com posicionamento unificado sobre a situação econômica e social dos transportes públicos. Ainda mais, no documento elas destacaram a obrigação de se garantir acesso ao serviço, que é essencial, e procurar formas permanentes de financiamento do transporte. Enfatizaram ainda a necessidade de transparência em todos os dados relativos ao tema e de participação da sociedade nas decisões
Já no mês de julho o Idec enviou a todos os senadores um posicionamento cobrando celeridade na tramitação e aprovação do PL 2025/20, que tramitava na época, e sugestões de melhorias para o texto. Assim, a proposta acabou abandonada e o Governo passou a priorizar o PL 3364/20, apresentado na Câmara dos Deputados.
Com isso, em em agosto, o Instituto passou a incidir sobre a tramitação do PL 3364/20, com previsão R$ 4 bilhões de auxílio financeiro ao setor de transporte coletivo durante a pandemia. Essa atuação possibilitou melhora significativa da proposta, com a inclusão de importantes contrapartidas como transparência e faixas de ônibus, que acabou aprovada naquele mesmo mês, seguindo para debate no Senado, onde foi aprovado em novembro ainda com alguns pontos preocupantes.
No dia 8 de dezembro, o Instituto enviou uma carta aos ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional solicitando a sanção urgente do Projeto de Lei Lei 3364/20. No entanto, o veto presidencial foi publicado no dia 10 subsequente.