Há alguns anos começamos a ouvir falar em energia solar, cuidados com o meio ambiente, energia renovável entre outros temas semelhantes. O melhor é que além de nunca mais termos deixado de ouvir falar sobre esses temas, é que passamos a vê-los aplicados na prática em nosso dia a dia. Além disso, no dia a dia das empresas, a ponto de, agora termos até veículos elétricos circulando no Brasil e pelo mundo.
As energias renováveis sobre as quais falaremos nesta entrevista, são importantes por não causarem poluição pela emissão de substâncias e, por isso, são chamadas de energias limpas. Como exemplo de energia limpa podemos citar a energia solar, eólica, geotérmica, maremotriz e as hidráulicas.
Mas, como o uso de energia limpa pode contribuir para a redução de custos com carregamento sustentável?
Para responder essa e outras dúvidas relacionadas ao tema, conversamos com exclusividade com o presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico, Adalberto Maluf.
O executivo, autor de vários artigos publicados na imprensa especializada, é também diretor de Marketing, Sustentabilidade e Novos Negócios da BYD do Brasil e mestre em Economia Política Internacional pela Universidade de São Paulo.
Dentre sua ampla experiência em ações e iniciativas em defesa do meio ambiente e transporte sustentável destaca-se sua atuação na C-40 (rede global de grandes cidades para a mudança climática), na Fundação Clinton e na Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo.
Acompanhe agora os esclarecimentos do especialista!
Portal do Trânsito – O que podemos entender por energia limpa?
Adalberto Maluf – No debate ambiental contemporâneo, num sentido mais estrito, energia limpa é toda aquela produzida sem o uso de combustíveis fósseis, ou seja, sem o emprego de qualquer derivado de petróleo, como gasolina e diesel, ou carvão e xisto ou gás natural.
Num sentido mais amplo, é toda a energia gerada sem deixar uma “pegada de carbono” em alguma etapa anterior de seu processo produtivo, portanto sem emitir gás carbônico e outros gases do efeito estufa nesse processo.
Por exemplo: você pode gerar energia limpa sem combustível fóssil por meio de placas solares fotovoltaicas, mas, se a fabricação dessas placas ou o processamento da matéria-prima, como silício e alumínio, empregou eletricidade proveniente de uma usina a carvão, a energia produzida na etapa final terá deixado uma “pegada de carbono”, não será tão limpa.
O esforço global, estabelecido no Acordo de Paris (2015), Acordo de Glasgow (2021) e, recentemente, na COP 27 (Egito), é eliminar as emissões de carbono e outros poluentes de todos os processos produtivos e sistemas de transporte, visando a descarbonização da economia do planeta.
Portal do Trânsito – De que forma pode ser usada no dia a dia das pessoas?
Adalberto Maluf – O emprego das energias renováveis é uma megatendência da economia mundial do século 21. Ela faz parte da estratégia de combater as catástrofes climáticas decorrentes do aquecimento global. A meta global é evitar que o aumento da temperatura média do planeta suba além de 2 graus Celsius ao longo do século 21, em relação aos níveis pré-industriais – se possível, se limite a 1,5ºC.
Na prática, isso só será possível com o fim da civilização do petróleo, que marcou todo o século 20. A era das energias renováveis já está tendo um efeito sobre todas as economias do planeta e terá um impacto ainda maior nos próximos 20 anos. Todos nós já estamos sendo afetados, num ritmo maior ou menor, independentemente de apoiarmos ou não a agenda climática.
Nosso dia a dia já é marcado por carros elétricos, por ônibus elétricos, por placas solares nas casas e escritórios, por usinas eólicas substituindo as plataformas de petróleo na costa marítima e por uma economia circular que valoriza a reciclagem e reaproveitamento de matérias-primas. Na cozinha das nossas casas usamos cada vez mais fornos de micro-ondas e fryers, em lugar do tradicional fogão a gás. A energia renovável já está mudando radicalmente a nossa vida.
Portal do Trânsito – Quais são seus benefícios para a qualidade de vida das pessoas e para a preservação do meio ambiente?
Adalberto Maluf – Afora o combate às catástrofes climáticas globais causadas pelo efeito estufa, que já comentei, temos o indiscutível benefício para a saúde da população nas grandes cidades decorrente do corte das emissões de gases poluentes, como os óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (MP), emitidos pelos veículos movidos a combustíveis fósseis.
Estudos dos professores Paulo Saldiva (USP) e Evangelina Vormittag (Instituto Saúde e Sustentabilidade), entre outros, indicam que mais de 5 mil pessoas morrem anualmente só na cidade de São Paulo por complicações causadas diretamente pela poluição do ar.
Estudo da Organização Mundial da Saúde de 2016 aponta que 51 mil brasileiros morrem anualmente por problemas de saúde causados pela poluição. No mundo todo, são cerca de 7 milhões! São doenças respiratórias, cardíacas e vários tipos de cânceres, provocados diretamente pela queima de combustíveis fósseis.
Portal do Trânsito – Em paralelo, pensando nos carros elétricos, o que podemos entender por carregamento sustentável?
Adalberto Maluf – Podemos entender que não basta o carro elétrico ser recarregado por um eletroposto cuja energia vem de uma usina a gás ou carvão, que não é sustentável.
Podemos admitir também que, numa estratégia de transição, a bateria de um carro elétrico híbrido plug-in (PHEV) possa ser parcialmente recarregada por um motor-gerador interno a combustão, desde que o combustível seja renovável, como o etanol.
Nesse ponto, o Brasil é um país especialmente preparado para a eletromobilidade, pois tem uma matriz de geração de eletricidade 85% renovável. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia, a matriz sustentável poderá chegar a quase 100% em 2050, graças ao aumento da energia solar e eólica. E isso sem contar a grande experiência brasileira com os programas de biocombustível, desde o Pró-Álcool de 1975.
Portal do Trânsito – Quais são os outros tipos de carregamentos de carros elétricos?
Adalberto Maluf – Hoje o mercado tem três principais tecnologias de veículos elétricos.
O HEV (Hybrid Electric Vehicle) é o veículo com motor elétrico, mas sem recarga externa. A bateria é recarregada por um motor interno a combustão que funciona como um minigerador. Hoje, é o tipo de carro elétrico mais vendido no Brasil.
O PHEV (Plug-in Hybrid Electric Vehicle) é um carro elétrico híbrido com possibilidade de recarga externa (plug-in). A bateria tanto pode ser recarregada por um eletroposto quanto pelo motor interno a combustão, que, por sua vez, pode ser acionado por gasolina, diesel ou etanol.
Já o BEV (Battery Electric Vehicle) é o carro 100% elétrico, com zero emissão de poluentes. A bateria é totalmente recarregada por um eletroposto externo. É o modelo de elétrico que mais cresce na Europa e na China. No Brasil, o BEV representa cerca de 11% do mercado de veículos eletrificados.
Portal do Trânsito – E os benefícios do carregamento sustentável?
Adalberto Maluf – Além dos benefícios ambientais para a saúde humana já citados, a recarga sustentável permite um benefício econômico para o consumidor e apresenta muito mais eficiência energética. Você pode integrar o seu veículo e sua casa numa mesma fonte de energia.
Os modelos de negócio mais criativos oferecem o veículo elétrico e sistemas de energia solar fotovoltaica para gerar a energia da casa do comprador, fora da rede convencional de eletricidade. Você abastece o carro com energia renovável da sua casa e o carro pode devolver energia à casa, em caso de necessidade ou conveniência.
Na Europa, você já pode abastecer seu carro de madrugada, quando a tarifa de energia é menor. Além disso, devolver parte dessa energia à rede elétrica durante o dia, quando a tarifa é maior, embolsando a diferença. É o chamado V2G (Vehicle To Grid), ou usar a bateria do carro para garantir a energia de sua casa, Off grid, em caso de blecaute. Pode ainda, usá-la para abastecer um sistema de som numa festa ao ar livre, por exemplo. É o V2X (Vehicle To Everything).
Infelizmente, no Brasil essas possibilidades ainda não são permitidas pela legislação do sistema elétrico, mas certamente irão se impor, mais cedo ou mais tarde.
Portal do Trânsito – De que modo o uso de energia limpa pode contribuir para a redução de custos com carregamento sustentável?
Adalberto Maluf – A energia limpa elétrica, por definição, é mais econômica. O custo do km rodado num carro elétrico é cinco ou seis vezes menor do que o de um equivalente a combustível fóssil.
A eficiência energética de um carro elétrico gira em torno de 90% a 95%. Já a de um carro convencional, mesmo os mais eficientes, não passam de 30% a 40%. Sem contar a economia na manutenção, que pode ser 60% a 70% maior.
No curto prazo (para o consumidor individual) e no longo prazo (para toda a matriz de energia de um país ou região), o veículo elétrico aumenta sensivelmente a eficiência de toda a economia.
Portal do Trânsito – Neste aspecto, o Brasil já tem estrutura para fazer este uso ou ainda temos muitos desafios pela frente? Por favor, detalhe sua resposta.
Adalberto Maluf – Como disse, temos uma matriz de eletricidade 85% sustentável, e com tendência de chegar perto de 100% nos próximos 30 anos. No curto prazo, nosso desafio é ampliar a oferta e a demanda de veículos elétricos, tanto automóveis quanto ônibus (transporte público) e caminhões (carga).
Temos 115 mil veículos leves eletrificados em circulação no país. A frota elétrica mundial passa de 16 milhões. Temos apenas 373 ônibus elétricos. A frota elétrica global de ônibus chega a 600 mil veículos.
Ao mesmo tempo, temos de ampliar a oferta de infraestrutura de recarga elétrica. Temos hoje 2.800 pontos públicos e semipúblicos de recarga. Chegaremos a 10 mil nos próximos três anos. Mas um estudo da Boston Consulting Group, divulgado pela Anfavea, diz que para atender a frota elétrica temos de ter 150 mil eletropostos até 2035.
Portal do Trânsito – Por fim, o que mais seria interessante acrescentar?
Adalberto Maluf – Posso resumir tudo o que falei defendendo um plano nacional de eletromobilidade no Brasil. Não temos uma estratégia de transição para a inevitável transição da economia do petróleo para a economia sustentável. Nada parecido, por exemplo, com o Green Deal europeu, o 14º Plano Quinquenal chinês ou o Plano Biden, nos Estados Unidos.
Os números do mercado nacional de veículos elétricos têm crescido nos últimos três anos. No entanto, estamos pelo menos uma década atrasados em relação aos países mais avançados em eletromobilidade.
Temos de recuperar o tempo perdido. Sob pena de perdermos competitividade da indústria brasileira e deixarmos de aproveitar as oportunidades de geração de emprego e renda que a economia de baixo carbono oferece a um país como o Brasil.
Temos uma oportunidade de fazer isso agora, com um novo governo mais aberto aos grandes desafios ambientais de nosso tempo. Além disso, devemos de ter uma ampla estratégia nacional de desenvolvimento, pautada na economia verde e na eletromobilidade. Essa é a prioridade zero da ABVE em 2023.