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Artigo: Visão Zero no Brasil


Por Artigo Publicado 13/10/2020 às 21h10 Atualizado 08/11/2022 às 21h41
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Artigo de J. Pedro Correa aborda a chegada do programa Visão Zero, da Suécia, ao Brasil. O autor explica, também, a forma como será possível usar por aqui conceitos do que existe de melhor no trânsito mundial.

J. Pedro Correa*

Visão ZeroFoto: Freeimages.com

Foi o ato mais importante da intensa semana nacional do trânsito que terminou dia 25 de setembro, sem qualquer dúvida. A assinatura do protocolo de intenções sobre segurança no trânsito entre o Ministério da Infraestrutura e a Embaixada da Suécia baseado no programa sueco Visão Zero é algo que merece ser comemorado. Este programa é desenvolvido desde a metade dos anos 90 e seu modelo tem sido copiado ou adaptado em dezenas de países e em centenas de cidades importantes pelo mundo afora.

Para quem está mais familiarizado com o tema, sabe que as diferenças no trânsito entre Brasil e Suécia são enormes. Por esse motivo, custa a acreditar que teríamos condições de lançar um programa de tal porte por aqui. Contudo, é importante e extremamente saudável ver o Governo brasileiro demonstrar interesse em adotar práticas que apontem para a linha do Visão Zero.

Quem viu o Secretário Nacional de Transportes Terrestres do Minfra, Marcelo Costa, na última live do Denatran, dia 25/09, falando no ato de assinatura da carta de intenções, deve ter ficado entusiasmado com sua empolgação. Afinal, ele participou da Conferência Mundial da ONU/OMS em Estocolmo, na Suécia em fevereiro deste ano e deve ter sentido o quanto é importante para o Brasil estar ao lado das grandes nações e fazer sua lição de casa. Agora, é torcer para que tenha êxito em seus esforços de trazer o Visão Zero para o Brasil. O Visão Zero representa o que de melhor existe no mundo, atualmente, em matéria de segurança no trânsito.

Quando me perguntam se o Brasil pode ter uma pretensão deste tamanho, respondo que sim, com um exemplo simples e bem concreto.

Um programa deste calibre é como um carro-conceito, destes que a indústria automobilística apresenta de vez em quando para dar uma ideia de tendência de mercado no futuro.

Em abril de 1979 eu estava na sede da Volvo, em Gotemburgo, na Suécia. De repente, dou de cara com um carro-conceito da marca, exposto em local privilegiado para visitação pública. Atraído pela novidade, chego junto, olho detalhes incríveis, bisbilhoto e pergunto ao meu colega sueco: “quando vão lançá-lo? ” e ele me dá uma resposta inusitada: “nunca! ”. Depois, ele me explica que, com base nos estudos desenvolvidos para chegar àquele carro, a fábrica vai usando a cada ano alguma coisa incorporada no novo conceito.

É assim que vejo o Visão Zero no Brasil: não podemos começar a querer fazer tudo de uma só vez mas podemos ir, paulatinamente, usando seus conceitos em ações pontuais.

Cursos de capacitação para especialistas e para gestores de trânsito é uma atividade importante e que pode começar a qualquer hora. Outra experiência que poderíamos aproveitar imediatamente no Brasil é o projeto chamado de “Estradas 2+1”. Veja como funciona:

Como a maior parte das estradas suecas é de rodovias simples, de 3 pistas, um dos maiores problemas eram as colisões frontais quando um veículo tentando ultrapassar um outro batia de frente com quem viesse no sentido contrário. Para evitar estes choques a autoridade rodoviária sueca decidiu instalar uma cerca de separação de pistas. Dessa maneira, a cada 1,5 km, ela muda de posição para permitir a ultrapassagem de veículos pois, aí, passa a contar com duas pistas na mesma direção. Após 1,5 km, ela volta a ser de pista única e a cerca passa, então, a favorecer quem estava no fluxo contrário. Com esta ação simples e barata a Suécia baixou em 80% o número de colisões frontais nas estradas. Nas estradas federais brasileiras, que possuem características bem próximas, esta solução se aplicaria com facilidade. Além disso, poderia dar uma contribuição apreciável para baixar as fatalidades nas nossas rodovias.

Veja outros artigos do autor:

Artigo: Década Municipal de Segurança no Trânsito 

Artigo: Precisamos da Semana Nacional de Trânsito? 

Precisamos aguardar ainda um pouco mais para saber como – e quando – o Visão Zero vai chegar ao Brasil, mas a disposição no Governo é que seja ainda este ano. Deve ser recebido com todo o entusiasmo. Temos esperança de que venha a ser utilizado naquilo que já provou ser eficaz e que, por isto foi copiado por dezenas de países e centenas de cidades importantes ao redor do mundo.

Claramente vejo desafios consideráveis na importação de modelo de programa como este como a quebra de alguns paradigmas que enfrentarão resistências enormes por aqui.

Por exemplo, quando perguntamos de quem é a responsabilidade pelas fatalidades no trânsito, por aqui se responde imediatamente: “do usuário”. Isto é, o homem, seja ele condutor ou mesmo pedestre. A partir da cartilha do Visão Zero vamos aprender que não, que o homem sempre cometerá enganos no trânsito e que não é justo – nem ético – que pague com sua vida ou ferimento grave. Assim, a responsabilidade terá de ser buscada junto aqueles que planejam o sistema viário, os veículos, sinalização, legislação, enfim, todos os elementos que fazem parte do sistema trânsito. Isto significa que precisaremos passar, enfim, a olhar o trânsito com uma visão sistêmica onde todas as peças formam um todo e cuja principal função é preservar a vida.

À propósito, no próximo dia 28 de outubro o líder do Projeto Visão Zero, da Suécia, Dr. Mats-Äke Belin, dará palestra no 2º Fórum Nacional de Segurança Viária, da Raizen que será transmitido pela mídia social. Ele fará uma apresentação do programa sueco e apontará quais lições a experiência do Visão Zero poderá oferecer ao trânsito brasileiro.

*J. Pedro Correa é Consultor em programas de trânsito

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