Artigo: regras do Estatuto da Pessoa com Deficiência à luz do Código de Trânsito


Por Artigo

Daniel Menezes propõe um bate-papo sobre algumas regras do Estatuto da Pessoa com Deficiência à luz do Código de Trânsito.

*Daniel Menezes

Cá estou eu mais uma vez escrevendo sobre os meus passeios à província de “Bruzundanga”. Dessa vez, eu estava na fila da casa lotérica. Quando, de repente, um rapaz vocifera: “Ei, pode estacionar aí!” Logo em seguida, vira-se uma moça e responde: “É que… é reservado às pessoas com deficiência”. Inconformado com a situação, ele diz: “E daí, moça, é rapidinho”.

Dizem as más línguas, leitores, que a coerência por lá é, justamente, a falta dela. Isso porque, o mandachuva – e, evidentemente, seus apaniguados –, não costumam ser obedientes à Lei e, por conseguinte, o cidadão não a cumpre.

Explico, meu amigo leitor.

Recentemente, adotaram uma política de “semáforos” nas avenidas. No entanto não equiparam as sinaleiras com mecanismos que emitam sinal nos locais de intensidade de fluxo de veículos. Estes servem de orientação para a travessia das pessoas com deficiência visual. Tampouco se importam com sinalização tátil de alerta, no piso de áreas de circulação, comum para pedestres que sofrem com o risco de acidente à pessoa com deficiência (arts. 9 e 10 da Lei nº 10.098/00).

À vista disso, vejo-me na necessidade de bater um papo sobre algumas regras do Estatuto da Pessoa com Deficiência à luz do Código de Trânsito.

Incialmente, convém mencionar que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) ingressou no Brasil com status constitucional, por força do artigo 5º, §3º da Constituição da República Federativa do Brasil.

E o que ela fala sobre trânsito?

Segundo a Convenção, todas as áreas de estacionamento aberto ao público, seja público ou privado, de uso coletivo e em vias públicas, há a obrigação de se reservarem vagas próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade, desde que devidamente identificados. Outros aspectos importantes, são, (I) o de que o número de vagas deve equivaler a 2% do total, garantida, no mínimo, uma vaga devidamente sinalizada, (II) os veículos estacionados nas vagas deverão exibir, em local de ampla visibilidade, a credencial de beneficiário – à propósito, validade em todo território nacional –, confeccionada e fornecida pelos órgãos de trânsito, nos termos da Resolução nº 304/2008 do Conselho Nacional de Trânsito (LBI, art. 47, §§, 1º e 2º). Portanto, o condutor que estaciona nas vagas de forma irregular pratica o ilícito do artigo 181, XX do CTB.

Qualquer pessoa com deficiência tem direito?

Em Bruzundanga costumam ofertar a credencial a todos, mas não é o correto. E mais: prejudica quem realmente carece da vaga.

Tais equívocos, amigo leitor, decorrem da falta de conhecimento sobre o porquê a lei, por vezes, na promoção de políticas públicas, oferta um tratamento desigual. Explico: segundo a Constituição (art. 5º), somos todos iguais perante a lei, correto? Mas, na prática, somos todos iguais? Pois é, leitor, em razão disso a lei dá um tratamento diferenciado, a fim de buscar uma relação equânime – de reequilíbrio – entre as pessoas. Ou seja, a finalidade da vaga de estacionamento é, evidentemente, facilitar o deslocamento das pessoas com deficiência com comprometimento de mobilidade.

No que diz respeito aos agentes públicos que deixarem de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na Convenção, praticam ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11, IX da Lei nº 8429/92 (LIB, art. 103). Já aos proprietários dos estabelecimentos privados vale ressaltar que a concessão e a renovação de alvará de funcionamento para qualquer atividade são condicionadas à observação e à certificação das regras de acessibilidade (LIB, art. 60, §1º).

Enfim, fino leitor, é extremamente importante que Bruzundanga reconheça, de uma vez por todas, que trânsito não se resume a uma farda amarela, horário de pico, lombada e um apito, e que a Lei de Trânsito não é uma carta de sugestões.

* Daniel Menezes é bacharel em Direito e pós-graduando em Direito Constitucional e Trânsito.

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