No artigo da semana, J. Pedro Correa discute uma série de sugestões do líder do projeto Visão Zero, da Suécia que podem servir ao trânsito brasileiro.
J. Pedro Correa*
Foram várias e importantes ideias mencionadas pelo sueco Matts-Äke Belin, líder do Projeto Visão Zero(VZ), do Governo Sueco na sua palestra de quarta-feira, 28 de outubro, no Fórum de Segurança Viária da Raizen e Trimble pela Internet. O objetivo era despertar interesse das mais de 1.200 pessoas que assistiram o evento por um modelo de ação de segurança no trânsito que pudesse ser implementado no Brasil ao longo do tempo.
Quem conhece um pouco sobre o projeto sueco sabe bem que o Brasil não tem condições de copiar ou adaptar um programa deste por aqui. O que pode, contudo, é utilizar conceitos dele para aplicar paulatinamente pelo país usando o bom senso como base, o exemplo como estímulo e a determinação como evidência da vontade política.
Uma visão otimista como esta é apoiada pelas promessas do Secretário Nacional de Transportes Terrestres do Ministério da Infraestrutura, Marcello Costa que as explicitou na abertura do mesmo Fórum. Mostrou possuir um plano de ação consistente, apoiado por estudos de competência indiscutível e que, pode, sim, modificar a realidade da infraestrutura viária nacional. Ademais, mostrou alinhamento com os objetivos da Segunda Década Mundial de Ações de Trânsito da ONU e da OMS que preconiza uma redução de fatalidades no trânsito até 2030 da ordem de 50%. O Minfra, por sinal, assinou dia 25 de setembro, um convênio de cooperação com a embaixada sueca em Brasília justamente para absorver conhecimento e experiências práticas do Visão Zero.
Quanto as “lições que o Visão Zero pode oferecer ao trânsito brasileiro”, tema da palestra do diretor sueco, anotei algumas delas que divido com você:
ÉTICA
VZ é a expressão do imperativo ético de que não pode ser aceitável que alguém morra ou se fira gravemente no trânsito.
MUDANÇA DE PARADIGMAS
Foi grande o esforço inicial para quebrar antigos conceitos relacionados com a velha política de trânsito e transportes. Vejamos:
- Pelos velhos paradigmas, o problema do trânsito eram os acidentes e colisões. VZ reformula e diz que são as fatalidades e as lesões sérias:
- A causa, na visão antiga, eram os erros humanos, mas VZ sustenta que humanos cometem erros e são frágeis (e por isso não podem pagar com a vida);
- A responsabilidade pelos acidentes era dos usuários do trânsito; VZ defende que ela deve ser compartilhada pelos designers do sistema trânsito, (aqueles que projetam o sistema viário, os veículos, a legislação, enfim, tudo aquilo que diz respeito ao universo do trânsito);
- A voz comum dos então gestores e executivos era de que as pessoas não querem segurança no trânsito, mas VZ desmontou o argumento e mostrou que querem;
- Quando se perguntava quais deveriam ser os objetivos de programas de segurança, as respostas mencionavam “números aceitáveis de fatalidades”; VZ é categórico: a meta tem de ser zero fatalidade e de acidentes graves.
REAÇÕES
Belin alertou os brasileiros que mudanças assim provocam reações fortes, como as que sentiu na Suécia no começo do programa, mas VZ enfrentou-as e superou-as.
RESISTÊNCIA AO NOVO
A reação maior não veio da classe política nem da sociedade, mas dos próprios engenheiros do sistema trânsito, habituados, treinados e conformados com a taxa de acidentalidade que, na verdade, já era bastante baixa.
ESTRADAS 2+1
Causa de grande número de acidentes nas rodovias suecas, as colisões frontais foram quase eliminadas por VZ com solução simples, criativa e barata: uma cerca de separação de pistas a cada trecho de 1 a 3 km.
EDUCAÇÃO
Educação básica é essencial mas deve abranger todo mundo a começar por aqueles que trabalham pelo trânsito. Estatísticas mostram que 99% dos motoristas suecos dirigem sóbrios, o que é importante, mas não é tudo.
MEIO AMBIENTE
Desempenha papel essencial. Espanha trabalhou muito na mudança de comportamento dos usuários mas fez grandes investimento no sistema viário; uma infraestrutura bem feita influencia o comportamento das pessoas. É preciso entender o papel do meio ambiente.
DIÁLOGO
Incrementar o diálogo entre os atores do trânsito é o começo; todos devem estar comprometidos com o objetivo final; haverá reações, mas também muita aprovação.
BIOMECÂNICA
Enfrentar o problema da velocidade é básico; controlar a energia perniciosa, a energia cinética é fundamental; precisamos entender os limites de resistência biomecânica do homem num acidente e, tão importante quanto, é comunicar isto aos usuários.
VELOCIDADE
Estabelecer velocidades adequadas é também forma de educar os motoristas; nas estradas, elas podem variar, mas nas cidades também; há muito tempo, em zonas residenciais a velocidade aqui é 30 km/hr que é a mais adequada para proteger os pedestres.
CUSTOS
Quando VZ começou, críticas preconizavam custos elevadíssimos mas provamos justo o contrário: obras baratas, eficazes e de grande aceitação. Este é outro paradigma a ser quebrado: é possível melhorar a infraestrutura do trânsito com pouco dinheiro.
EMPRESAS
Setor privado também é responsável pela segurança e deve se envolver. Quem tem de controlar seus motoristas deveria ser a empresa, não a polícia rodoviária. Isto vai ajudá-la a controlar seus gastos, baixar a acidentalidade, amentar sua eficiência operacional. Os benefícios serão dela.
VZ NO BRASIL
Claro que podemos começar a trabalhar num programa de longo prazo. Há princípios que são globais, aplicáveis a qualquer país, independente do seu nível atual. Essencial é ter um plano de ação, treinar uma equipe, disponibilizar recursos e partir para o trabalho.
COOPERAÇÃO
Precisamos discutir com governo brasileiro para ver como podemos cooperar; como aplicar no Brasil o que fizemos aqui; vejo que já há muita coisa sendo feita no Brasil. Conheço algumas ações feitas em Fortaleza que se encaixam muito bem com conceitos do VZ.
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Artigo: Eleição e mortos
Artigo: Visão Zero no Brasil
*J. Pedro Correa é Especialista em Segurança no Trânsito