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Entenda a polêmica sobre a possível suspensão das aulas noturnas em CFCs


Por Mariana Czerwonka Publicado 20/06/2018 às 03h00 Atualizado 08/11/2022 às 22h14
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Aulas noturnas nos CFCsOs instrutores do Rio de Janeiro puxam esse movimento contra as aulas noturnas desde 2011. Foto: Pixabay.com

Em 17 de março de 2010 foi publicada a Lei 12.217 que alterava o Código de Trânsito Brasileiro  para tornar obrigatória a aprendizagem noturna. O texto da Lei atribuiu ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) a responsabilidade para definir a carga horária correspondente.  Em maio do mesmo ano, precisamente no dia 12, o Contran publicou a Res.347/10 definindo que 20% das aulas práticas de direção veicular fossem realizadas no período noturno.

A lei entrou em vigor em 17 de maio de 2010 (60 dias após a sua publicação) e desde lá esbarra numa questão grave de segurança pública, que, segundo depoimentos, torna cada dia mais difícil a tarefa de concluir as aulas noturnas num curso de primeira habilitação.

Em alguns estados, mais que outros, a violência urbana tornou-se um obstáculo quase insuperável para diversos instrutores que são obrigados a dar aulas nesse período.

O caso mais emblemático é no Rio de Janeiro. Os instrutores do estado puxam esse movimento contra as aulas noturnas desde 2011. De acordo com Adalto Medeiros, vice-presidente da Federação Nacional dos Instrutores de Trânsito e dos trabalhadores em CFCs (FENAINST), a luta começou com o apoio Deputado Federal Vicentinho, de São Paulo, que na ocasião criou o PL 2056/11 que tramitou, mas foi arquivado.  “Na época, só nos restou cumprir a Lei 12.217/2010”, explica Medeiros.

Com o passar dos anos, porém, a situação foi se agravando. Segundo Medeiros, agora chegou ao limite máximo. “Em São Gonçalo, em uma área de treinamento e exame chamada de piscinão, aconteceram dois arrastões e na semana seguinte a tentativa de mais um, isso causou sérios prejuízos aos instrutores, alunos e até aos empresários, sem contar o sério risco físico a todos”, conta.

Por intermédio dos instrutores desta área iniciou-se o movimento, que hoje é nacional.  “Com a liderança do instrutor Eduardo Reis, as reivindicações foram crescendo e o apoio também, divulgamos o caso e o movimento ganhou o país inteiro, pois os problemas do Rio estão em todos os estados”, diz Medeiros.

Carla Clara,diretora da Autoescola Siga-me do Rio de Janeiro, conta que um de seus instrutores já sofreu com a violência. “Nosso instrutor estava dando aula ano passado à noite e foi assaltado com a aluna. Levaram os celulares deles e o nosso carro. Sorte que nosso carro é rastreado, então a policia encontrou. Ninguém ficou ferido”,conta.

Para a diretora, uma ou no máximo duas aulas, já seriam suficientes para o aluno ter uma experiência noturna. “Cinco aulas é muita coisa. Das 25 ele precisa treinar nas vias e durante a noite fica mais complicado, inclusive para o instrutor averiguar os pedais. Ocorre que nestas aulas, por medo de circular nas vias, o instrutor muitas vezes fica fazendo baliza, então não resolve muito. Ou seja, aula noturna, se resume a baliza noturna”,explica.
Na última segunda-feira (18), a Comissão de Transportes e a Comissão Especial da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), realizou uma audiência pública para debater o fim das aulas noturnas obrigatórias em autoescolas do estado.

Durante a audiência pública, sensível às demandas dos alunos e instrutores das autoescolas, o presidente do Departamento Estadual de Trânsito do Rio de Janeiro (Detran/RJ), Leonardo Jacob, solicitou ao Denatran que fossem suspensas as aulas noturnas até o dia 31 de dezembro de 2018.

“O Detran, junto a Alerj, está elaborando uma nota técnica que será encaminhada ao diretor do Denatran, Mauricio Alves, que compreendeu o apelo e encaminhará a solicitação do departamento estadual à Casa Civil da Presidência da República em caráter emergencial para que, através de Medida Provisória, seja revisto o Código de Trânsito Brasileiro e então publicado a alteração em Diário Oficial”, diz a nota do Detran/RJ.

Ainda de acordo com o órgão, vale lembrar que há cerca de um mês o Detran/RJ já havia reduzido o número das aulas noturnas de quatro para uma, podendo  as outras três serem realizadas no simulador.

Para Medeiros, entretanto, as reivindicações deverão ser estendidas à Comissão de Viação e Transportes da Câmara Federal, onde será solicitada a revogação da Lei 12.217/10. “Nosso objetivo não é acabar com as aulas noturnas, queremos que sejam facultativas, podendo dá-las quem tiver plenas condições”, esclarece.

Até a publicação em Diário Oficial dessa medida, tudo continua como está em todos os estados brasileiros.

Aulas em simulador
Tanto para Carla Clara quanto para Adalto Medeiros, as aulas em simulador não são a solução para substituir as aulas noturnas. “A aula noturna do simulador é igual a diurna só que à noite. Ou seja, o aluno repete quase o mesmo exercício”, afirma a diretora.

“Não concordamos com a possibilidade das aulas noturnas serem ministradas no simulador, inclusive como o próprio nome diz simulador é para simular. Para que simular, se temos os treinamento diretos no trânsito?”,questiona Medeiros.

A importância das aulas noturnas

Apesar dessa movimentação para suspensão das aulas noturnas, muitos profissionais ainda consideram essa parte como essencial ao processo de formação de condutores.

Fabrício Medeiros, que é instrutor de trânsito com vasta experiência na área, defende a prática noturna e afirma que tudo que possa aumentar as experiências dos candidatos à habilitação é válido.

“Como a visão à noite é de 1/6 em relação ao dia, cria-se uma percepção melhor no aluno. Deixar de realizar o treinamento após escurecer, fará com que o motorista descubra por si quais as reais dificuldades, sem orientação imediata”, explica o instrutor.

Para Fabrício, é um momento difícil de segurança pública e é compreensível que em alguns lugares as aulas não ocorram. “A falta de aula noturna será prejudicial, pois os alunos relatam que sentem enorme diferença no ambiente. Talvez tirar a obrigatoriedade não seja a melhor solução, já que poderia haver um esquema de segurança montado para dar suporte às aulas em locais específicos. Devemos lembrar que qualquer esforço financeiro para o bom treinamento dos futuros motoristas é um investimento”.

Márcia Pontes, que é pesquisadora e educadora de trânsito,afirma que as aulas noturnas são importantes, mas o grande problema nas cidades é o risco de assaltos, o que acaba intimidando e colocando em risco essa prática.
“É a oportunidade de o aluno ter orientações práticas do que aprendeu nas aulas teóricas: evitar olhar diretamente para o farol do outro carro para evitar o ofuscamento, como olhar nos retrovisores com a luz do farol dos outros carros sem atrapalhar a manobra, verificar o comportamento e as práticas dos pedestres quanto às roupas escuras à noite, dentre outros aspectos”, argumenta.

De acordo com a especialista, aprender a dirigir de noite e de dia é totalmente diferente: a falta de luminosidade natural faz o aluno reconhecer que os perigos de dirigir à noite podem ser maiores e exigem mais cautela e atenção. “À noite e com chuva ou garoa fina as gotículas de água que ficam nos vidros refletem a luminosidade das lâmpadas dos postes, do farol dos carros no sentido contrário, reforça para a atenção de veículos de cor escura sem farol, com farol queimado,dentre outros riscos. Muitos recém-habilitados fazem viagens noturnas só com as orientações que tiveram sobre dirigir durante o dia em cenários bem diferentes. Essa é uma dose de realidade que o simulador, por melhor que seja, não proporciona”, explica.

Márcia diz ainda que com o fim das aulas noturnas haverá menor risco de ocorrência de assaltos. Por outro lado, dirigir à noite será sempre teoria para os recém-habilitados, pois não tiveram contato com a direção noturna e seus cuidados que são sempre maiores do que os da direção durante o dia. “O candidato não terá contato com uma das condições adversas mais importantes: a falta de luz natural; não reconhecerá os perigos que exigem mais cautela e atenção”,conclui.

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