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26 de dezembro de 2024

Inconstitucionalidade da Lei Seca será votada pelo Supremo


Por Pauline Machado Publicado 09/05/2022 às 11h15 Atualizado 08/11/2022 às 21h10
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A ação que pede a inconstitucionalidade da Lei Seca foi impetrada há mais de 12 anos pela ABRASEL. Ela poderá ser julgada no próximo dia 12.

ação que pede a inconstitucionalidade da Lei SecaEstá marcado para o próximo dia 12 de maio, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade para acabar com a Lei Seca no Brasil. Foto: Depositphotos

Embora em seus 13 anos de vigência, a Lei n° 11.705 de 2008, que ficou conhecida como Lei Seca, já tenha ajudado a salvar milhares de vidas no trânsito brasileiro, está marcado para o próximo dia 12 de maio o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade para acabar com a Lei Seca no Brasil.

A ação, pela inconstitucionalidade da Lei Seca, foi impetrada há mais de 12 anos pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento – ABRASEL, alegando, que a Lei nº 11.705/08 fere os princípios da:

  • isonomia, pois entende que haveria tratamento diferenciado entre os bares da cidade e os das rodovias;
  • razoabilidade, proporcionalidade e equidade, pois já existiriam leis suficientes para punir motoristas alcoolizados e diminuir o número de acidentes;
  • liberdade econômica, livre iniciativa e mínima intervenção do Estado na vida privada e
  • e do direito adquirido.

Contraponto

De acordo com a advogada da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego – ABRAMET, Priscila Corrêa Netto, a ABRASEL alega que punir quem dirige com qualquer concentração de álcool no sangue igualmente como quem dirige sob influência do álcool é inconstitucional porque fere os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A ABRASEL entende que não seria qualquer concentração de álcool no sangue que influenciará o motorista, bem como os princípios da isonomia e da individualização da pena, posto que a penalidade administrativa será aplicada da mesma forma, independentemente da concentração alcoólica.

“Não há inconstitucionalidade da Lei Seca e nem qualquer infração aos princípios acima mencionados. O princípio da individualização da pena não se aplica às medidas administrativas. E a lei nº 11.705/08 não contradiz o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, apenas o complementa, pois para o legislador qualquer concentração de álcool se  considera influência. E é mesmo! Sabendo que há uma grande diversidade dos efeitos devido à susceptibilidade individual ao consumo do álcool, podemos afirmar que a única concentração segura para a direção de veículos automotores é zero. Devemos ter sempre em mente que a vida e a incolumidade física das pessoas são direitos fundamentais e estão acima dos interesses individuais e econômicos”, ressalta a advogada.

Segundo ela, a ABRASEL considera, ainda, que a inconstitucionalidade da Lei Seca ocorre porque o cidadão não pode ser punido quando se nega a realizar o teste do bafômetro, uma vez que essa negativa é expressão do exercício do seu direito de não produzir prova contra si mesmo.

“Primeiramente, o direito de não produzir prova contra si mesmo é um direito do preso e de qualquer acusado ou denunciado em processo penal, e quando o condutor se nega a realizar o teste do bafômetro está sujeito às penalidades administrativas. Ademais, a obrigação de se submeter ao bafômetro é a verificação do atendimento de um requisito legal para o exercício de uma atividade regrada. Da mesma forma que ninguém duvida da legitimidade da exigência de apresentação da CNH, não deve causar estranheza que se cobre outro registro: o da ausência de álcool no sangue. E o policial que submete o condutor ao teste do bafômetro age em legítima defesa da coletividade”, justifica

A advogada explica também que a CNH é uma licença, uma autorização que depende do atendimento dos requisitos legais.

E o motorista adere à legislação de trânsito e às condições para obtenção e permanência da licença. Como, por exemplo, dirigir sem álcool no sangue e se submeter ao bafômetro.

A recusa a se submeter à fiscalização não é um direito. A fiscalização é instrumento vital e legal para o exercício do poder de polícia.

A advogada também pontua que a ABRASEL alega que a Lei Seca nº. 11.705/08 é inconstitucional porque afronta a cultura e os costumes populares, absolutamente corriqueiros e lícitos. Bem como prejudica a lucratividade dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas e os empregos gerados diretamente pelo setor.

“Vemos que o legislador não foi arbitrário nem excessivo. Não há notícia da perda de um único emprego em decorrência da lei. Foi preciso uma norma mais rigorosa para garantir a segurança no trânsito. Em outras palavras, estabelecendo mecanismos de prevenção e repressão à prática de um ato ilícito que põe em risco a vida. Os números revelam a redução do número de mortes demonstram que a nova regra é necessária. A Lei nº. 11.705/08 causa apenas brusca mudança de comportamento, mas tão somente até que a sociedade se adapte, encontrando alternativas para conciliar seu costume com as normas de segurança”, avalia Priscila Corrêa Netto, advogada da ABRAMET.

O que diz a legislação sobre a Lei Seca no Brasil

A advogada comenta ainda que a Lei Seca estabelece que dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, corresponde a infração gravíssima. As penalidades serão: multa (dez vezes), suspensão do direito de dirigir por doze meses, retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.

Segundo Priscila, aplica-se tais penalidades seja qual for a concentração de álcool por litro de sangue do condutor. E, até mesmo, se o condutor se recusar a se submeter a teste, exame clínico, perícia ou qualquer procedimento disciplinado pelo Contran para averiguação da influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

“Neste ponto, a Lei nº 12.760/2012, complementando a Lei Seca, vai ainda mais longe. Em caso de reincidência num período de até doze meses, haverá a aplicação da em dobro, e a Lei nº 13.281/2016 aumentou a multa de cinco para dez vezes”, acrescenta.

Divisor de águas

Diante deste cenário, a Deputada Federal Christiane Yared (PP/PR), é categórica ao dizer que a Lei Seca é, definitivamente, um divisor de águas.

De acordo com ela, existem dois momentos na segurança no trânsito, o antes e o depois da Lei Seca.

“Antes, era bem comum encontrar diversos motoristas embriagados no trânsito. O cidadão saía do trabalho, passava no bar, enchia a cara e depois voltava dirigindo para casa. Era uma farra total! Após a aprovação da Lei Seca houve queda no número de mortes decorrentes de acidentes de trânsito no país todo. Embora ainda haja um número significativo de condutores que burlam a lei e dirigem embriagados, há que se reconhecer que o rigor da lei tem coibido esse comportamento. A Lei Seca, além de ter o objetivo de reduzir o número de mortes em acidentes de trânsito em curto e médio prazo, também possui caráter educacional. Conforme o tempo passa, a ideia de ter um motorista da rodada, alguém que não bebe e leva os amigos para casa, está mais difundida. Esse é o primeiro passo para construir uma sociedade mais segura para todos”, declara a deputada.

Interesses econômicos x direto à vida e à saúde

Ela frisa, ainda que, embora estejamos diante de vários fatos que comprovam a importância da permanência da Lei Seca, não é possível falarmos em probabilidades. Em sua opinião, o julgamento marcado para o próximo dia 12 será complicado por haver diversos interesses envolvidos.

A deputada salienta os argumentos que a ABRASEL apresentou são meramente econômicos. Uma vez que o impacto da Lei Seca fez com que diversos bares e restaurantes, tivessem seu faturamento comprometido em razão das pessoas que decidiram cumprir a lei. “Em sua petição inicial, a ABRASEL não se preocupou com as vidas que são ceifadas por condutores que bebem e dirigem. Se limitou, apenas, à insatisfação do setor com a queda de receita”, destaca.

Yared enfatiza que lhe chamou atenção o fato da Procuradoria Geral da República (PGR), emitir, em 2013, um parecer favorável à declaração de inconstitucionalidade do §3º do art. 277 do CTB. Ou seja, contrária a multa da recusa do bafômetro.

De acordo com a Deputada Federal, a PGR, em seu parecer, invoca o direito a não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), ou seja, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Nessa toada, a PGR sustenta sua tese com base no princípio constitucional processual implícito, a partir da norma do art. 5°, LXIII , da Constituição Federal, relacionada à cláusula do devido processo legal e ao princípio da presunção de inocência.

“O STF já decidiu por diversas vezes que nenhum princípio é absoluto na CF. Ocorrendo o choque entre princípios deve se utilizar a ponderação para dirimir tal conflito. Diante disso, temos o confronto com diversos outros princípios esculpidos em âmbito constitucional. Como, por exemplo, o direito à vida, à segurança e à dignidade da pessoa humana. Dito isso, o trânsito é regido pelo princípio da confiabilidade. Ou seja, onde se presume que todos estão seguindo as normas de segurança e atenção contidas no CTB. Nesse sentido, colocar de lado todos esses princípios em homenagem a um único é algo que soa desarrazoado no âmbito do direito. E, mais importante, na realidade das estradas brasileiras”, afirma Yared.

O que ganha e o que perde a sociedade

Nos primeiros seis anos de aplicação da Lei Seca, entre 2008 e 2014, o índice de mortes no trânsito diminuiu de 6,92 mortes a cada 10 mil veículos para 4,99. Os dados são do Observatório Nacional de Segurança Viária – ONSV. Nota-se então a redução no número de mortes causadas por sinistros de trânsito. Elas são, no Brasil, a segunda causa de morte externa, superada, apenas, pelas mortes devido a armas de fogo.

Outro levantamento, do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro – CPES, registrou que a Lei Seca evitou quase 41 mil mortes de 2008 a 2016. Nesse sentido, evitando também uma perda de R$ 74,5 bilhões para a economia.

De acordo com dados da ABRAMET, a Lei nº 11.705/08 trouxe efeitos colaterais tão desejados que merece a alcunha de Lei que Salva Vidas.

Com ela, houve a redução:

  • do número de atendimentos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu/SP: redução de 14% nas ocorrências por acidentes de trânsito);
  • redução do número de atendimentos por trauma na rede hospitalar;
  • queda dos indicadores de acidentes nas rodovias;
  • redução de mortes violentas registradas pelo Instituto Médico Legal, que apontam redução de 63% em mortes no trânsito,
  • além da diminuição dos gastos com SUS e INSS.

Ainda há que destacar a redução do número de chamadas feitas em São Paulo à Eletropaulo, para restauração de postes de iluminação pública; diminuição da violência doméstica e do número de crianças vítimas de maus tratos; diminuição das brigas de rua e dos homicídios. São mais de 30 bilhões de reais, a cada ano, que são economizados. E que poderiam se transformar em investimentos no desenvolvimento do Brasil para custear danos evitáveis.

À frente do exposto, se o pedido da  ABRASEL pela inconstitucionalidade da Lei Seca for considerado, estaremos diante de um completo retrocesso. Se mesmo com os avanços da Lei Seca o trabalho de conscientização para evitar a combinação bebida e direção é muito difícil, imagine sem ela, atenta a deputada federal.

“Se acatarem esse pedido, não haverá ganhos, haverá prejuízo para toda a sociedade. Declarada a inconstitucionalidade, o recado para os infratores será o de ‘liberou geral’. Creio que uma posição favorável a tal absurdo, não apenas seria visto como um desacato, mas como uma afronta e total descaso às famílias que ainda não perderam seus filhos e amados para esta guerra do trânsito”, argumenta.

Para ela, os números são frios e as estatísticas não contêm nomes. “Mas, nós que temos que conviver com a dor da morte de um filho por um irresponsável bêbado e que a justiça permissiva tende a entender que não saíram com a intenção de matar e que são réus primários, nós estamos condenados a viver com a certeza de que a lei manda prender e a justiça manda soltar! Dezenas, centenas, milhares não parecem mover corações de magistrados que impõem às famílias a dura pena da impunidade”, insurge Yared.

Importância e os resultados da Operação Lei Seca no Brasil

De acordo com informações do Governo do Estado do Rio de Janeiro, historicamente, o trânsito no Brasil foi responsável por perdas de muitas vidas ao longo de décadas, em acidentes. Fiscalizações de trânsito como a Operação Lei Seca, objetivam salvar vidas reduzindo os números de acidentes de trânsito.

Desde seu lançamento, em 2009, a Operação Lei Seca realizou mais de 29 mil ações de fiscalização em todo o estado. Além disso, retirou das ruas mais de 200 mil motoristas que dirigiam embriagados.

A equipe de educação, formada por agentes que foram vítimas de acidentes envolvendo a mistura de álcool e direção, já realizou mais de 18 mil ações de conscientização.

Com relação ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade para acabar com a Lei Seca no Brasil, observa-se que o pedido da ABRASEL foi impetrado após a promulgação da Lei e antes do início da Operação Lei Seca e ações similares.

Dessa forma é possível imaginar que o pedido aconteceu pelo temor de impactos aos seus negócios. Todavia, fiscalizações aos moldes da Lei Seca, acontecem com o objetivo específico de conscientizar a sociedade sobre os riscos da mistura bebida e direção e salvar vidas. Além disso, proporcionar uma mudança cultural na qual o cidadão compreenda a importância de não fazer essa perigosa mistura.

Considerando que a mudança cultural pretendida ainda não ocorreu, o fim de fiscalizações como a Operação Lei Seca, podem acarretar em um aumento nos acidentes de trânsito de natureza grave e fatais.

Dessa forma, impondo à sociedade dor e sofrimento pela perda de seus entes, além de impactos negativos aos cofres públicos. Haja vista, que as verbas gastas como os impactos dos acidentes de trânsito poderiam estar sendo destinados ao outros campos como educação e saúde.

O cidadão que assume a condução de um veículo, estando sob influência de álcool, se expõe a um elevado risco de acidente. Isto porque acontece alteração na capacidade psicomotora, acarreta letargia na tomada de decisões e respostas motoras. E, além disso, potencializa o risco desse condutor se envolver em um acidente com resultado grave ou fatal, para si e para outros.

Nos últimos dois anos, a Operação Lei Seca, do Rio de Janeiro abordou 210.652 veículos, dos quais 23.667 condutores foram flagrados conduzindo veículos sob influência de álcool. Destes, 205 condutores foram presos por apresentar níveis muito elevados de álcool no sangue.

Por fim, é importante reforçar que a Operação Lei Seca não é contra o consumo de bebida alcoólica. Apenas visa conscientizar a sociedade sobre os riscos da mistura bebida e direção e salvar vidas com suas ações. Lembrando a todos que “nunca dirijam depois de beber”.

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