Em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), nesta segunda-feira (10), debatedores apontaram um projeto de lei que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados como ameaça aos avanços conquistados pelos motoristas profissionais com a Lei 12.619/2012 (Lei do Descanso), que regulamentou a atividade. A lei completa dois anos de vigência em abril.
Paulo Douglas Almeida de Moraes, procurador do Trabalho em Mato Grosso do Sul, afirmou que, entre outros problemas, o projeto da Câmara abre caminho para que a jornada de trabalho do motorista volte a ser indeterminada, com duração mínima de 12 horas. Além disso, o tempo de espera nas carga ou descarga poderá ser contado como tempo de descanso, sem direito a qualquer compensação.
Uma das mais importantes mudanças implementadas pela Lei 12.619 foi em relação à jornada de trabalho. Os motoristas devem ter um intervalo de descanso de 30 minutos a cada 4 horas de direção, além de repouso diário de 11 horas a cada 24 horas, podendo ser dividido em duas pausas (de nove e duas horas).
De acordo com o procurador, pesquisas mostram que um quarto dos motoristas já segue o novo regime de trabalho. Além disso, afirmou, houve redução da participação relativa dos caminhoneiros em acidentes, o que permitiu que pelo menos 1.500 vidas fossem poupadas desde a vigência da lei.
– Esse projeto não apenas pede a revogação da lei como legitima o sistema anterior de trabalho, que vinha matando nas estradas. Agora essa maneira de matar pode será legalizada – afirmou.
Agronegócio
Paulo Douglas afirmou ainda que o projeto (PL 5.943/2013), produzido por comissão especial presidida pelo deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), vem sendo apoiado principalmente pela bancada ruralista da Câmara. Segundo ele, tudo está sendo feito para que a matéria possa ser rapidamente aprovada e encaminhada ao Senado. A intenção é que o texto seja encaminhado à sanção presidencial até maio.
O procurador sugeriu que a CDH encaminhe ofício à presidente Dilma Rousseff, com pedido para que o Departamento Nacional de Trânsito, o Ministério das Cidades e a Polícia Rodoviária Federal se empenhem para assegurar a fiscalização necessária para que a lei seja efetivamente implantada. Quanto ao projeto da Câmara, Paulo Douglas defendeu um amplo e cuidadoso debate na comissão, para evitar retrocessos.
Diálogo
O senador Paulo Paim (PT-RS), que presidiu a audiência, lembrou que foi o relator do projeto (PLC 319/2009) que resultou na regulamentação da profissão de motorista . Ele destacou que o texto resultou de amplo acordo entre as entidades que representam os motoristas e empresários de transportes. A seu ver, foram uma surpresa os 19 vetos da presidente Dilma Rousseff e as controvérsias surgidas desde então. Apesar disso, o senador acredita na retomada do diálogo para o aperfeiçoamento da legislação, sem retrocesso nas questões centrais.
Paim ouviu dos expositores que o melhor caminho para debater eventuais revisões será por meio da discussão do Estatuto do Motorista, um projeto de sua autoria ainda em tramitação no Senado (PLS 271/2008). O senador acolheu a sugestão e condenou iniciativas de mudanças apressadas na lei vigente. Em entrevista, ele disse acreditar que articulações com esse objetivo não deverão ser aceitas “nem pelo Palácio [do Planalto] nem pelo Congresso”.
– Ajustar a lei para beneficiar a todos, tudo bem; para revogar a lei, isso não tem espaço aqui no Congresso – avaliou Paim.
Sobre a resistência à lei por parte do agronegócio, ele disse acreditar que as reações têm origem em parcela menor do setor. Hoje os produtores dependem basicamente de caminhões para distribuir a produção no país e fazer chegar aos portos a parcela crescentemente destinada às exportações, especialmente de soja.
Limite de jornada
O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Flávio Alegretti de Campos Cooper, que defende mudanças por meio do Estatuto do Motorista, fez uma ressalva em relação ao texto atual desse projeto: ele sugere que o intervalo mínimo de descanso entre as jornadas de trabalho seja de 11 onze horas, como na regra da lei vigente. Segundo o juiz, em processos examinados pelo Tribunal foi possível comprovar jornadas contínuas de 11 a 18 horas, a seu ver “humanamente impossível”.
Cooper também defendeu a aprovação de projeto do senador Magno Malta (PR-ES), o PLS 301/2012, que estabelece como obrigação do Poder Público construir pontos de parada. Sob alegação de ser impossível atender a medida, Dilma vetou esse dispositivo da lei, cujo objetivo é oferecer uma estrutura mínima de apoio para pernoite e paradas de descanso dos motoristas, previstas em intervalos de meia hora a quatro de direção. Enquanto não houver esses pontos, o juiz propõe que o trabalho seja realizado por duplas de motoristas para revezamento, uma exigência já prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Descaso
Luiz Antonio Festino, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres, reconheceu a existência de uma “minoria” de motoristas autônomos entre os que também questionam a lei. Esses, assinalou, contam com “suporte do agronegócio”. Ele também criticou a falta de empenho do governo para que a lei seja de fato implementada e afirmou que em reuniões no Palácio do Planalto um ministro chegou a dizer que “algumas leis pegam, outras não”.
Para Festino, há um “jogo” dos adversários da lei para fazer crer que o texto tramitou sem o devido debate no Congresso. Ele observou, no entanto, que as condições de trabalhos dos motoristas já são discutidas há mais de 50 anos, com diferentes projetos para a regulamentação da atividade.
O representante registrou que a categoria já chegou a ter aposentadoria especial, como reconhecimento de que a atividade é penosa. A conquista decorreu de decreto-lei de 1964, um dos últimos atos assinados pelo presidente deposto João Goulart, revogado na reforma previdenciária do governo FHC.
Assaltos
O presidente da Federação dos Trabalhadores Autônomos de Cargas, Vantuir José Rodrigues, admite negociações em torno do formato das jornadas. Porém, foi mais um a cobrar urgência na aplicação de outros pontos da lei, como a construção dos pontos de paradas. Segundo ele, hoje os motoristas são obrigados a pagar até R$ 30 reais por paradas de oito horas nos postos de gasolina nas estradas, já que não é mais possível fazer ponto em recuos das estradas, por conta dos assaltos.
Como parte do debate sobre o Estatuto, o secretário da entidade, Esmeraldo Barbosa, propôs a retomada da aposentadoria especial. Também apresentou uma longa lista de reivindicações dos autônomos ao governo, a começar pelo pedido de uma linha especial de crédito para a renovação da frota. Segundo ele, hoje a idade média dos veículos é de 23 anos, o que resulta em elevados custos ambientas e maior riscos de acidentes.
Apenas o presidente da Federação dos Trabalhadores Rodoviários do Estado de São Paulo, Valdir de Souza de Pestana, trouxe ponto de vista mais divergente. Segundo ele, em qualquer categoria a tendência é a busca de vantagens corporativas. A seu ver, o mais importante é um frete que dispende o autônomo de horas extras para sobreviver, pois do contrário não terá qualidade de vida. Além do mais, entende que o esqueceu o debate principal, que seria a falta de condições logísticas para o escoamento da produção.
– O país está bombando [a produção], mas não tem caminhão para carregar a safra e motorista tem que ficar 30 horas no Porto de Santos, com a soja coberta com lona ou mesmo apodrecendo no pé –
O debate contou ainda com a participação do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes, Omar José Gomes. Com 94 anos, ele defendia a regulamentação da profissão desde os anos 70. Ao fim, afirmou ter ficado feliz com o debate e as deliberações aprovadas. Também esteve presente a diretora Executiva da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística, Edmara Claudino dos Santos.
Com informações da Agência Senado