Especialistas apontam erros técnicos do PL 3267/19, aprovado pela Câmara, e encaminham aos senadores
De acordo com os especialistas, se os erros técnicos do PL 3267/19 não forem corrigidos acarretarão distorções e conflitos com o atual CTB.
O Projeto de Lei 3267/19, que pretende alterar diversos artigos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), foi analisado por oito profissionais especialistas na área que encontraram diversos erros técnicos que, se aprovados, podem comprometer os resultados das mudanças previstas. “Esses erros, se não corrigidos, acarretarão distorções e conflitos com o atual CTB, diante do que há a necessidade de serem revistos”, disse Celso Alves Mariano, um dos especialistas.
Os profissionais reuniram esses apontamentos e encaminharam o documento para todos os senadores. “Ressalto que, a partir das nossas análises e considerações técnicas sobre o texto aprovado na Câmara dos Deputados, enviamos ao Senado Federal, uma lista de adequações que sugerimos necessárias, para melhoria do Projeto antes que se torne, efetivamente, Lei”, explicou Julyver Modesto, especialista em legislação de trânsito que criou o grupo de estudos.
O PL pretende, entre outras mudanças, ampliar de cinco para 10 anos a validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e dobrar dos atuais 20 para 40 o limite de pontos para a suspensão do documento. O objetivo do documento, segundo os especialistas, não é pontuar essas polêmicas, apenas os erros técnicos. “Não pretendemos adentrar no mérito das mudanças constantes do texto aprovado pela Câmara”, disse Mariano.
Grupo de especialistas que analisou o PL
O grupo de especialistas que analisou tecnicamente o PL 3267/19 é formado por especialistas de oito diferentes estados. No início de julho, eles participaram de um debate técnico ao vivo sobre o tema que durou mais de 5 horas no Youtube.
São eles: Carlos Augusto Elias de Souza, de Pernambuco, Celso Alves Mariano, do Paraná, Josimar Amaral, do Espírito Santo, Julyver Modesto de Araujo, de São Paulo, Leandro Macedo, do Rio de Janeiro, Ordeli Savedra Gomes, do Rio Grande do Sul, Ricardo Alves da Silva , de Santa Catarina e Ronaldo Cardoso, de Minas Gerais.
Erros apontados
Art. 12, § 5º Norma do Contran poderá dispor sobre o uso de sinalização horizontal ou vertical que utilize técnicas de estímulos comportamentais para a redução de acidentes de trânsito.
Comentário
A expressão “técnicas de estímulos comportamentais” é extremamente genérica e não possui parâmetros legais; ademais, o Contran já possui competência para regulamentar a sinalização de trânsito, tornando a previsão desnecessária.
Art. 20, XII; Art. 21, XV e Art. 24, XXII – aplicar a penalidade de suspensão do direito de dirigir, quando prevista de forma específica para a infração cometida, e comunicar a aplicação da penalidade ao órgão máximo executivo de trânsito da União.
Art. 22, Parágrafo único. As competências descritas no inciso II do caput deste artigo relativas ao processo de suspensão de condutores serão exercidas quando:
I – o condutor atingir o limite de pontos estabelecido no inciso I do art. 261 deste Código;
II – a infração previr a penalidade de suspensão do direito de dirigir de forma específica e a autuação tiver sido efetuada pelo próprio órgão executivo estadual de trânsito.
Comentário
A imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir pela Polícia Rodoviária Federal (art. 20), pelos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 21) e pelos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios (art. 24) causará sérios transtornos ao Sistema Nacional de Trânsito, devendo continuar como competência dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados, por se tratar da retirada temporária de uma licença concedida justamente por estes órgãos. Da forma como se encontra, teremos inúmeros problemas de aplicabilidade da norma, como várias suspensões aplicadas por órgãos diferentes, sem controle sistêmico e com dificuldades de cumprimento da pena imposta, mormente quanto a sanção for aplicada a condutores residentes em outros Estados. A suspensão por infração específica tenderá a ser letra morta na lei.
Art. 22, XVII e Art. 24, XXIII – criar, implantar e manter escolinhas de trânsito, destinadas à educação de crianças e adolescentes, por meio de aulas teóricas e práticas sobre legislação, sinalização e comportamento no trânsito.
Comentário
A expressão “escolinhas de trânsito”, além de não ter base legal, diminui a importância da educação para o trânsito, assim como despreza o já contido nos artigos 74, § 2º (Escolas Públicas de Trânsito) e 76 (promoção da educação para o trânsito em todos os níveis de ensino).
Art. 25-A. Os agentes dos órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a que se referem o inciso IV do caput do art. 51 e o inciso XIII do caput do art. 52 da Constituição Federal, respectivamente, mediante convênio com o órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via, poderão lavrar auto de infração de trânsito e remetê-lo ao órgão competente, nos casos em que a infração cometida nas adjacências do Congresso Nacional ou nos locais sob sua responsabilidade comprometer objetivamente os serviços ou colocar em risco a incolumidade das pessoas ou o patrimônio das respectivas Casas Legislativas. Parágrafo único. Para atuarem na fiscalização de trânsito, os agentes mencionados no caput deste artigo deverão receber treinamento específico para o exercício das atividades, conforme regulamentação do Contran.
Comentário
Os agentes de trânsito devem ser servidores civis que ocupam cargos ou empregos públicos específicos, estruturados em carreira, em cumprimento ao artigo 37, inciso II, e artigo 144, § 10, da Constituição Federal; além disso, há que se questionar a real necessidade de que os agentes policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal exerçam atribuições que já são exercidas por outros agentes públicos.
Art. 29, § 4º Em situações especiais, ato da autoridade máxima federal de segurança pública poderá dispor sobre a aplicação das exceções tratadas no inciso VII do caput deste artigo aos veículos oficiais descaracterizados.
Comentário
A possibilidade eventual de autorização, além de ser muito abstrata, é temerária ao prever que veículos oficiais descaracterizados tenham as mesmas prerrogativas de veículos de emergência devidamente identificados, não sendo possível ao cidadão identificá-los adequadamente, para cumprimento das regras estabelecidas no inciso VII.
Art. 56-A. É admitida a passagem de motocicletas, motonetas e ciclomotores entre veículos de faixas adjacentes no mesmo sentido da via quando o fluxo de veículos estiver parado ou lento, conforme regulamentação do Contran.
Comentário
A expressão “fluxo de veículos estiver parado ou lento” é muito genérica e sem previsão legal, dificultando o cumprimento da regra e consequente fiscalização. De igual forma, a expressão “velocidade compatível” do § 4º deste artigo.
Art. 106, Parágrafo único. Quando se tratar de blindagem de veículo, não será exigido qualquer outro documento ou autorização para o registro ou o licenciamento.
Comentário
Atualmente, a blindagem de veículo depende de autorização do Ministério do Exército, com a verificação de antecedentes criminais, além da necessidade de submissão à inspeção veicular, para garantia de condições de segurança. Com o texto aprovado, será possível blindar qualquer veículo, sem absolutamente nenhum critério de controle, o que impactará tanto na segurança pública quanto na segurança viária, já que a blindagem impacta nas condições estruturais do veículo. Recomenda-se, portanto, a supressão deste parágrafo único.
Art. 138, IV e Art. 145, III – não ter cometido mais de uma infração gravíssima nos 12 (doze) últimos meses.
Comentário
O texto aprovado altera a regra atual para condutores de veículos de transporte especializado (escolar, coletivo, produto perigoso e emergência), que é de não ter cometido, nos últimos 12 meses, nenhuma infração grave ou gravíssima, nem ser reincidente em infrações médias; entretanto, tal previsão hoje já é inócua (e, portanto, a mudança será igualmente inócua e totalmente desnecessária), tendo em vista que não há previsão de quando este requisito deve ser comprovado, já que o momento em que se verificava era por ocasião da realização do Curso especializado e isto foi revogado do CTB pela Lei n. 12.619, de 2012 (parágrafo único do artigo 145).
Art. 148-A, § 5º O resultado positivo no exame previsto no § 2º deste artigo acarretará a suspensão do direito de dirigir pelo período de 3 (três) meses, condicionado o levantamento da suspensão à inclusão, no Renach, de resultado negativo em novo exame, e vedada a aplicação de outras penalidades, ainda que acessórias.
Comentário
A utilização da expressão “suspensão do direito de dirigir” (que já se encontra no texto atual do CTB) causa confusão com a PENALIDADE de mesmo nome, abrindo espaço para discussão sobre a necessidade ou não de processo administrativo, nos termos do artigo 265; talvez seja suficiente apenas a previsão de infração administrativa para quem descumpre o preceito (que será criada no artigo 165-B), mas sem tal consequência jurídica; se este não for o entendimento, que se adote outra nomenclatura.
Art. 165-B, Parágrafo único. Incorre na mesma penalidade o condutor que exerce atividade remunerada ao veículo e não comprova a realização de exame toxicológico periódico exigido pelo § 2º do art. 148-A deste Código por ocasião da renovação do documento de habilitação nas categorias C, D ou E.
Comentário
O parágrafo único é totalmente desnecessário e redundante, tendo em vista que a infração criada no caput JÁ SE APLICA a qualquer condutor nas categorias C, D ou E, INDEPENDENTE de exercer ou não atividade remunerada.
Art. 211, Parágrafo único. A infração definida no caput deste artigo não se aplica à passagem realizada por motocicleta, motoneta e ciclomotor na forma prevista no art. 56-A deste Código.
Comentário
Tecnicamente, existe diferença conceitual entre ULTRAPASSAGEM e PASSAGEM; logo, se a infração do artigo 211 é para quem realiza a ultrapassagem, é lógico que não se aplica àquele que realiza apenas a passagem; destarte, a inclusão é desnecessária.
Art. 218, III, Penalidade – multa (três vezes) e suspensão do direito de dirigir.
Comentário
O ajuste da redação deste artigo deve-se à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 3951), que considerou (erroneamente, segundo nosso entendimento), como constitucional a expressão que hoje se encontra no CTB, de suspensão IMEDIATA do direito de dirigir. Apesar da correção, faltou incluir a medida administrativa de recolhimento do documento de habilitação, que é comum às demais infrações que preveem a penalidade de suspensão, como consequência correlata.
Art. 233-A. Deixar de encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal o comprovante de transferência de propriedade, no prazo de 60 (sessenta) dias, conforme o disposto no art. 134, depois de expirado o prazo previsto no § 1º do art. 123 deste Código: Infração – leve; Penalidade – multa.
Comentário
A infração ora criada pretende penalizar o proprietário ANTERIOR, aplicando multa ao veículo que JÁ FOI VENDIDO, fazendo com que o novo proprietário seja punido 2 vezes pelo mesmo motivo: uma por não ter feito a transferência em 30 dias (infração do artigo 233) e outra porque o ex-proprietário não informou ao órgão de trânsito que vendeu.
Art. 259, § 4º Ao condutor identificado será atribuída pontuação pelas infrações de sua responsabilidade, nos termos previstos no § 3º do art. 257 deste Código, exceto aquelas:
I – praticadas por passageiros usuários do serviço de transporte rodoviário de passageiros em viagens de longa distância transitando em rodovias com a utilização de ônibus, em linhas regulares intermunicipal, interestadual, internacional e aquelas em viagem de longa distância por fretamento e turismo ou de qualquer modalidade, excluídas as situações regulamentadas pelo Contran conforme disposto no art. 65 deste Código;
II – previstas no art. 221, nos incisos VII e XXI do art. 230 e nos arts. 232, 233, 233-A, 240 e 241 deste Código, sem prejuízo da aplicação das penalidades e medidas administrativas cabíveis;
III – puníveis de forma específica com suspensão do direito de dirigir.
Comentário
O § 4º do artigo 259 foi incluído pela Lei n. 13.103, de 2015, e é de uma redação PÉSSIMA, sendo necessário um esforço hercúleo para entender sua aplicabilidade – por se referir ao artigo 65 (que trata da obrigatoriedade do uso do cinto de segurança), dá-se a entender que significa o seguinte: “quando um ônibus for autuado pelo não uso do cinto de segurança pelo passageiro, o motorista não deve sofrer pontuação em seu prontuário” – há a necessidade URGENTE de correção deste texto. Em relação ao inciso II, o erro consiste no fato de que TODAS as infrações mencionadas JÁ NÃO pontuam o condutor mesmo, por serem de responsabilidade do proprietário, nos termos do artigo 257 do CTB e da Portaria Denatran n. 03, de 2016, o que o torna desnecessário; ademais, ao não incluir outras infrações, igualmente de responsabilidade do proprietário, o texto causará confusão em relação àquelas (pois, se também não pontuam, não há justificativa para serem ignoradas, como, por exemplo, falta de placas, sem licenciamento ou placas ilegíveis, dentre várias outras). Quanto ao inciso III, a previsão não traz qualquer novidade, pois já é o que ocorre hoje na prática, conforme regulamentação do Contran (Resolução n. 723, de 2018).
Art. 261, § 5º No caso do condutor que exerce atividade remunerada ao veículo, a penalidade de suspensão do direito de dirigir de que trata o caput deste artigo será imposta quando o infrator atingir o limite de pontos previsto na alínea c do inciso I do caput deste artigo, independentemente da natureza das infrações cometidas, facultado a ele participar de curso preventivo de reciclagem sempre que, no período de 12 (doze) meses, atingir 30 (trinta) pontos, conforme regulamentação do Contran.
Comentário
Atualmente, a condição de “exercer atividade remunerada” é atestada, tão somente, por declaração do interessado no momento da obtenção ou renovação da CNH. Com a facilidade criada, estima-se que haverá um aumento de pessoas que se declararão nesta condição, apenas para aproveitar da benesse, havendo a necessidade de uma limitação mais rigorosa para comprovação da atividade remunerada.
Art. 267. Deverá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos 12 (doze) meses.
Comentário
Ao substituir a palavra “Poderá” (do atual CTB) por “Deverá” e retirar, ao final do dispositivo legal, a necessidade de verificação do prontuário do condutor, o texto aprovado obrigará que TODAS as infrações de natureza leve ou média cometidas pela 1ª vez em um mesmo ano (num total de 111 infrações) sejam apenas alvo de advertência por escrito, em vez da multa, criando somente ônus aos órgãos de trânsito e invertendo a prioridade do Sistema Nacional de Trânsito, que é a garantia da segurança viária, já que muitas pessoas deixarão de ser punidas pelos seus atos, ainda que sejam infratores contumazes. Recomenda-se, portanto, a substituição do critério de reincidência específica, para aplicar a advertência por escrito apenas àquele infrator que “não cometeu nenhuma infração nos últimos 12 (doze) meses”.
Art. 3º As luzes de rodagem diurna, de que trata o inciso VIII do caput do art. 105 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), serão incorporadas progressivamente aos novos veículos automotores, fabricados no País ou importados, na forma e nos prazos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Comentário
O texto do artigo 3º da Lei que se pretende aprovar deveria ser incorporado como parágrafo do artigo 105 do CTB, tendo em vista que, ao estabelecer a necessidade de um cronograma, necessita estar na mesma norma que passa a obrigar as luzes de rodagem diurna como equipamento obrigatório; caso contrário, quem ler apenas o CTB, pós-alteração, tenderá a imaginar que o DRL é obrigatório para todos e não apenas para os veículos mais novos.