O Brasil está longe de ter um trânsito seguro. Na verdade, há poucos países no mundo que podem dizer isso. No entanto, apesar de ainda registrar um alto número de mortes anualmente em decorrência dos sinistros de trânsito, há de se reconhecer que a realidade melhorou muito depois da entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro.
Para se ter uma ideia, conforme o estudo “Acidentes de Trânsito no Brasil: Dados e Tendências”, em 1989 tínhamos no Brasil, um índice de 32,7 mortes por 100 mil habitantes. Atualmente, apesar de ainda alarmantes, desde 2018 nos mantemos estáveis em um índice em torno de 15,5 mortes a cada 100 mil habitantes. Lembrando que a frota de veículos, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) era de 28.303.556 em 1998 e, atualmente, é de 118.090.209, ou seja, quatro vezes maior.
De acordo com Roberto Victor Pavarino, Oficial Técnico de Segurança Viária da OPAS/OMS, abaixar esse índice exigirá muito mais do que foi feito até agora.
“Isso é o que é chamado por vários especialistas, como a gente ter colhido os frutos dos galhos baixos da árvore. É o chamado efeito platô, que traz consigo também uma certa acomodação. Só que esse platô ainda não é satisfatório. A gente tem muito que melhorar. Só que o desafio é maior e vai exigir um empenho muito grande de governos, do poder público, de ONGs e da sociedade civil organizada de maneira geral”, explica.
Veja os índices anuais de morte por 100 mil habitantes no Brasil:
Ano | Mortes no trânsito | População | Índice de mortes/100 mil hab |
2018 | 32.655 | 210.166.592 | 15,53 |
2019 | 31.945 | 211.782.878 | 15,07 |
2020 | 32.716 | 211.755.692 | 15,44 |
2021 | 33.813 | 213.300.00 | 15,85 |
2022 | 32.174 | 203.062.512 | 15,84 |
Pavarino destaca que quando se está falando de dados sobre trânsito, é preciso levar em consideração não a fotografia, mas o filme. “A fotografia vai te dar o agora, os elementos da situação atual. Mas é importante para fazer esse tipo de avaliação, a gente ver o filme. Analisar como estava antes e como evoluiu. Nesse sentido, eu acho que a gente tem certamente muito a melhorar, mas não podemos deixar de considerar que evoluímos muito em relação ao que tínhamos nas décadas passadas”, pontua.
Ao que devemos a queda nos números do trânsito brasileiro?
Após 1998, com a entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro vieram normas rigorosas, multas mais altas e capítulos dedicados à educação no trânsito, inclusive ao processo de formação de condutores. Não é possível imaginar um cidadão simplesmente completar a maioridade e começar a dirigir sem antes passar por um processo de educação e sensibilização sobre trânsito e cidadania. Antes do CTB era mais ou menos assim, porém depois de uma série de aperfeiçoamentos e estudos, optou-se por tornar a Primeira Habilitação uma das poucas oportunidades do cidadão ter contato com a educação para o trânsito, já que a educação a nível escolar ainda está longe de ser uma realidade.
Outros aspectos da legislação de trânsito brasileira são tidos como exemplares de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), como o uso de cinto de segurança e a obrigatoriedade do uso de capacete entre os motociclistas.
Pavarino concorda que a explicação é o conjunto todo de fatores. “Eu entendo que na década passada houve um engajamento maior da sociedade civil organizada, pressionando inclusive os governos. Também houve um envolvimento maior da Organização Mundial da Saúde para um engajamento maior em função da causa da segurança viária. Isto contribuiu, por exemplo, para o setor de saúde a se envolver de uma forma sem precedentes com a temática de segurança viária. Assim, trazendo elementos, principalmente da qualificação da informação epidemiológica, de promoção da saúde, de integração setorial. Além de um engajamento maior do governo federal brasileiro na década passada e de vários governos locais de estados e municípios à essa causa”, cita.
Para ele ainda há a contribuição da fiscalização, engenharia e a educação. “Entendo, porém, que a educação pode muito, mas não pode tudo. O que a gente tem que pensar que não é fiscalização ou educação. É fiscalização, educação, engenharia e esforço legal. Elas se complementam”, afirma.
Retrocesso
Conforme Celso Alves Mariano, especialista e diretor do Portal do Trânsito & Mobilidade, após a análise de dados é possível perceber que ainda temos muito a melhorar. No entanto, o caminho que o Brasil começou a trilhar em 1998 com a entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro, já trouxe resultados.
“Isso por si só, comprova que alterar o que está dando certo, como é o caso por exemplo de uma flexibilização do processo de formação de condutores, é regredir alguns anos de trabalho incessantes de governo e sociedade”, conclui.