“Influencers do trânsito”: quem são os instrutores que fazem sucesso com dicas nas redes sociais


Por Mácio Amaral

Eles colecionam milhões de visualizações e levam conteúdo gratuito para quem busca a tão sonhada CNH. Conheça alguns dos “influencers do trânsito”.

Se você pensa no instrutor de trânsito ou instrutor de autoescola, já imagina a sala de aula e uma figura semelhante ao professor, certo? Mas essa atividade é uma das muitas que estão se reinventando em meio às plataformas digitais e redes sociais. Conteúdos práticos, de fácil entendimento e certa dose de bom humor garantem o sucesso dos instrutores digitais, ou “influencers do trânsito”, como podemos chamá-los aqui.

O Portal do Trânsito foi conhecer a história de dois deles, entender como funciona essa atividade que virou fonte de renda e explicar como eles lidam com as jornadas de trabalho e a responsabilidade de ser um influenciador de trânsito no meio digital.

Da sala de aula ao sucesso no YouTube

Rafael Silva e a esposa. Foto: Arquivo Pessoal.

A história de Rafael Silva como instrutor começou ainda no tempo em que ele servia ao exército, durante oito anos, e trabalhava como motorista de todas as categorias na corporação. Não demorou muito para que ele fizesse os cursos necessários, buscasse cada vez mais capacitação e começasse a trabalhar como instrutor de aulas práticas em uma cidade vizinha.

O paulista natural de Taubaté, interior de São Paulo, diz que sempre gostou de utilizar vídeos como ferramenta pedagógica de ensino e já utilizava o YouTube para ter um espaço onde pudesse guardar esses conteúdos. A frequência de postagens, porém, veio quando ele precisou tirar dúvidas sobre uma nova lei.

“Saiu uma lei nova falando sobre bebida e direção, que todo mundo entendeu errado. Muitos ficavam me perguntando no WhatsApp e eu respondia um por um. Resolvi fazer um vídeo e postei no meu canal. Eu gostei e apaguei todos os outros vídeos do meu canal e comecei a produzir conteúdo”, conta o instrutor.

Rafael relata que aos poucos foi notando o crescimento no número de inscritos e menciona um vídeo com dicas sobre baliza como sendo um dos principais marcos do canal, quando atingiu mais de quatro milhões de visualizações.

Atualmente, o “Rafael Silva, seu professor de trânsito” soma mais de 250 mil inscritos nos dois canais que tem, o principal e um reserva. Segundo ele, outras redes sociais, como Instagram, Facebook, Telegram e especialmente o WhatsApp dão uma grande ajuda na divulgação dos conteúdos.

“Os meus alunos começaram a acompanhar o canal e daí quando eu atingi 100 mil seguidores, eu entendi que eu era um influenciador digital na área de trânsito e comecei a me identificar como youtuber do trânsito. O canal começou a sustentar minha família, a pagar aluguel, conta de água, luz e internet”, explica.

O sucesso na rede social fez com que Rafael fosse notado pelos Centros de Formação de Condutores (CFCs) da região e chamado para trabalhar.

A partir daí, a carreira decolou de vez e ele acabou se especializando em diversas áreas da formação de condutores, mas com muita correria. “Eu dava dez minutos de intervalo aos alunos e nesses minutos eu gravava os vídeos”, relembra.

Hoje, ele diz que é procurado por diretores, proprietários e até outros instrutores e examinadores para tirar dúvidas sobre legislação, bem como de outras etapas da formação de condutores. O percurso e o trabalho como influencers do trânsito, porém, nem sempre foi visto com bons olhos. De acordo com o youtuber, muitos CFCs em que ele atuou acabaram se incomodando com o alcance da plataforma e o crescimento do canal.

“Eu não entendi assim, mas começou a ofuscar o trabalho da autoescola, porque as pessoas iam lá pra fazer curso comigo e não com a autoescola, então tomou uma proporção muito grande”, conta.

De certa forma, essa recusa dos CFCs ao trabalho de Rafael foi o pontapé inicial para que ele acabasse decidindo seguir por conta própria, e não se arrepende.

“O canal me proporcionou visibilidade, aonde eu chego, metade das pessoas já me conhece e a outra metade eu me apresento como um youtuber e as portas se abrem. As pessoas querem se aproximar do Rafael. Quem já conhece quer tirar uma foto e vem ‘Oi, Rafael! Vamos tirar uma foto!’, e eu nem conheço a pessoa.  No começo eu achei estranho, porque a pessoa já me assiste no YouTube, já me conhece e me considera melhor amigo, então acho isso muito legal”, afirma.

Atualmente, a verba da monetização dos vídeos já nem é mais a principal renda do instrutor, que consegue mais com parcerias e publicidade. Ainda assim, ele faz questão de destacar que foi devido à visibilidade no YouTube que conseguiu expandir a carreira, alcançar novos públicos e conhecer pessoas do país afora.

Viralizou no TikTok

Instrutor de trânsito Thiago Moreira. Foto: Arquivo Pessoal

É também no YouTube que a trajetória do instrutor de trânsito Thiago Moreira, de 35 anos, começa na internet. Na ativa desde 2008, o mineiro da cidade de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, resolveu fazer um vídeo e colocar na rede social para ajudar os alunos com as regras e comandos da motocicleta – sua especialidade como instrutor, a categoria “A”.

“Postei meu primeiro vídeo em 2015, quando percebi três anos depois havia muitos comentários de um público que eu não esperava e não conhecia. Assim criei mais cinco vídeos respondendo aos comentários e dúvidas da maioria. Nunca esperava tantas visualizações. Em 2019 percebi que havia muitas pessoas com dúvidas e dificuldades, então de lá pra cá comecei a criar vídeos e mais vídeos e não parei mais”, conta Moreira.

Apesar de fazer sucesso por lá e acumular mais de 130 mil inscritos, foi no TikTok que Thiago viralizou de verdade. Em pouquíssimo tempo, e se encontrou numa profissão que ele admite nem saber que existia – o criador de conteúdo digital. “Foi na pandemia onde a presença online estourou e surgiu o TikTok, não perdi a oportunidade e postei um vídeo dando dicas básicas para o exame prático usando as músicas virais do momento.  Postei um vídeo mostrando uma falta eliminatória do exame que atingiu dois milhões de visualizações em 24 horas. As dúvidas e repercussões eram as mesmas do YouTube, só que o TikTok tinha um alcance absurdo devido ao crescimento da internet na pandemia”, explica.

Em vídeos curtos e interativos que são a marca registrada da plataforma, Thiago dá dicas, conselhos e exemplos para quem fazer o temido exame prático de direção veicular. Ele utiliza uma linguagem adaptada ao público.

Os conteúdos rápidos e fáceis de serem consumidos, aliados ao conhecimento técnico e carisma do instrutor conquistaram os seguidores, que hoje já passam de 500 mil. Enquanto o número de curtidas chega a quase quatro milhões e o de visualizações ultrapassa 120 milhões. Por ser algo novo, ele diz que enfrentou certo preconceito de colegas de profissão quando começou, mas persistiu e hoje constatou que valeu a pena. Isso porque consegue complementar a renda com publicidade e já empreende com um curso próprio.

“Não tive muita oportunidade de crescimento em relação às autoescolas. Abriu portas para outros trabalhos, como parcerias com marcas no ramo de motocicleta. Além disso, pude criar um curso de reforço para os alunos com meu método de ensino que não substitui as aulas práticas no CFC. Acredito que faz muita diferença para alguns alunos que têm dificuldade de concentração nas aulas, então quando estão em casa conseguem assimilar melhor vendo as videoaulas”, aponta.

Assim como Rafael, Thiago cria todo o conteúdo sozinho. Além disso, divide a rotina entre a sala de aula – agora virtual por conta da pandemia -, e a criação de conteúdo digital. “Trabalho meio horário na autoescola e o resto do período fico editando e criando vídeos. Não tenho ajuda de ninguém. Por isso ficou puxado conciliar os dois trabalhos até porque aumentou muito a procura dos alunos em busca de fazer aula presenciais. Não consigo atender todos por ter tanta tarefa e cobrança porque aumentou também por parte dos alunos e dos seguidores. Diante disso, decidi reduzir a carga horária de aulas para não cair a qualidade e meu desempenho”, diz.

É permitido conciliar?

Sucesso nas redes sociais, fonte de renda e um trabalho educativo sobre trânsito que não enfrenta barreiras graças ao alcance da internet. Esses são os bônus que os “influencers do trânsito” conhecem bem. A pergunta porém é se há algum impedimento para a atividade de instrutor de trânsito ser exercida de forma on-line? A autoescola em que o instrutor tem vínculo empregatício pode se opor?

A resposta é não.

Advogado especialista em trânsito, Rodrigo Guerin. Foto: Arquivo Pessoal.

Apesar de terem enfrentado alguns percalços nos CFCs em que trabalharam, não há nada que impeça a atividade. “O Código de Trânsito Brasileiro não veda a participação do profissional de trânsito em nenhuma plataforma digital. Logo, se não há vedação, é permitido, regra do direito administrativo público”, explica o advogado especialista em trânsito, Rodrigo Guerin.

O especialista afirma que o instrutor tem todo o direito de produzir conteúdo informativo nas redes sociais, mas precisa ter cuidado.

“O instrutor ou profissional de trânsito deve se ater às informações validadas e oficiais, sendo-lhe vedado publicar informações imprecisas e sem fundamentação. Por exemplo, sempre que trouxer algum dado ou estatística, apontar a fonte e se possível o método adotado. Uma dica é sempre se basear nas informações disponibilizadas pelos sites governamentais e de pesquisa especializada”, sugere.

Além disso, Guerin ressalta que a autoescola não pode impedir que o instrutor que faça parte de seu quadro de empregados crie conteúdos do tipo nas redes sociais.

“O instrutor é livre para produzir conteúdo informativo em qualquer site ou rede social, sem restrição. A menos que, voluntariamente, tenha aberto mão de publicar esse tipo de conteúdo. Ou seja, o empregador não pode de forma alguma impor essa restrição ao empregado. A restrição apenas existirá se, por convenção entre as partes, o empregado abrir mão voluntariamente desse tipo de ação, podendo, inclusive, receber um acréscimo salarial pela exclusividade na prestação de serviços à autoescola ou instituição de ensino”, pontua.

Caso não haja nenhum acordo desse âmbito, a situação pode até ser cabível de processo, tendo em vista que que a cláusula não pode ser imposta ao empregado de forma unilateral. De acordo com o especialista, em caso de imposição, o empregado poderá reclamar na justiça a rescisão do contrato de trabalho. Além disso, uma indenização por danos morais, materiais e eventuais lucros cessantes.

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