Mais uma declaração polêmica do presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas redes sociais pegou muitos de surpresa. Ele disse que está discutindo com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas o fim das lombadas eletrônicas nas rodovias brasileiras. “Decisão nossa: não teremos nenhuma nova lombada eletrônica no Brasil. As lombadas que porventura existam, ainda são muitas, quando for perdendo a sua validade não serão renovadas”, disse Bolsonaro em uma Live.
A justificativa para tal medida seria o número de multas registradas pelos equipamentos. “Há uma quantidade enorme de lombadas eletrônicas no Brasil é quase impossível você viajar sem receber uma multa”, alegou. De acordo com Bolsonaro, as concessionárias descobriram que as lombadas eletrônicas dão mais lucro do que o próprio pedágio.
Para Márcia Pontes, especialista em direito de trânsito, que trabalha com condutas preventivas nesse ambiente, diz que essa declaração deve ser repensada urgentemente. “Tirar as lombadas eletrônicas vai causar mais prejuízo à sociedade. Todos nós vamos pagar essa conta! A gente sabe que as lombadas eletrônicas, e os outros redutores de velocidade, são fundamentais principalmente em trechos críticos de rodovias e até dentro das cidades, onde motoristas abusam da velocidade. Quanto maior a velocidade, maior a gravidade das lesões, maior a ocorrência de óbitos”, aponta.
A educadora tem uma sugestão ao presidente.
“O presidente deve rever esse posicionamento. Que verifique se esses equipamentos têm estudo técnico assinado por engenheiro de tráfego. Faça uma revisão dos estudos de engenharia de tráfego, mas simplesmente eliminar não. A velocidade é uma epidemia, é uma doença. Você quer acabar com a doença, matando o doente? Matando aquele que acelera? Matando as vítimas dele? Ou a gente quer curar a doença com o remédio certo ou a gente quer matar o paciente. Isso não vai resolver”, explica Pontes.
Márcia Pontes lembra ainda do famoso tripé da segurança no trânsito. “A tendência é que o condutor se sinta amparado pela impunidade para correr cada vez mais. Com a pouca fiscalização que temos já são registrados acidentes inaceitáveis, eliminando esses dispositivos de fiscalização vai piorar. A gente não pode esquecer que o trânsito seguro é uma casinha sustentada em três pilares: engenharia de tráfego, o esforço legal -que é a fiscalização- e a educação para o trânsito. Se tirar esse pilar da fiscalização para a velocidade, essa casinha que já está comprometida, vai ruir”, diz.
Para Celso Alves Mariano, especialista em trânsito e diretor do Portal, a segurança, no trânsito, está atrelada a fiscalização.
“É uma lástima que o presidente tenha utilizado a famigerada expressão ‘indústria da multa’. Esta expressão reforça uma grave distorção que existe na compreensão deste assunto, que tem sido combatida, há décadas, com muita dificuldade, pelos especialistas na área: a crença de que fiscalização é ruim. É preciso separa o joio do trigo: fiscalização feita sob intenções arrecadatórios, sem critérios técnicos, é que é ruim. Do jeito que foi falado, parece que toda fiscalização é danosa aos direitos do cidadão. Nesta hora é fundamental lembrar que segurança é um direito do cidadão que, justamente, é protegido pela fiscalização. E é obrigação do estado garantir este ambiente seguro no trânsito. Não vai ser desligando todo o aparato de fiscalização de velocidade que garantirá isso. Mas rever o que está mal feito, otimizar os recursos disponíveis, eliminar distorções, é sim importantíssimo. É o que esperamos que aconteça”, fundamenta Mariano.
Excesso de velocidade
Um dos problemas mais graves no trânsito brasileiro é o excesso de velocidade. Essa é a causa de uma em cada três mortes por acidentes de trânsito em todo mundo. “A velocidade inadequada reduz o tempo disponível para uma reação eficiente em caso de perigo. Em alta velocidade, muitas vezes não há tempo suficiente para evitar um acidente”, explica Mariano.
Uma pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) atrela a fiscalização eletrônica à redução de 60% de óbitos e 30% de acidentes no trânsito.
A Organização Mundial de Saúde também recomenda no mundo todo o uso de medidores eletrônicos de velocidade como alternativa para a prevenção de acidentes de trânsito e redução da gravidade, no caso da ocorrência do evento.
Como funciona em outros países
De acordo com estudo do Observatório Nacional de Segurança Viária, sobre a análise das penalidades por excesso de velocidade aplicadas no mundo inteiro, é possível observar que mesmo sendo o CTB – um código avançado em comparação a outros ordenamentos, nações mais desenvolvidas e com números de acidentes inferiores aos do Brasil utilizam outras formas de sanções para àqueles que desrespeitam as regras, notadamente em relação ao excesso de velocidade, infração essa mais corriqueira em nossas vias.
Conforme o estudo, países europeus como a Espanha, que reduziu significativamente o número de acidente, mortes e feridos graves, as sanções são mais pesadas que no Brasil, sobretudo para o desrespeito ao limite de velocidade. As multas partem de um patamar inicial de 100 euros (cerca de R$ 350,00), chegando a 600 euros (2.100,00).
Já em Portugal, as multas pelo excesso de velocidade são inferiores em determinados casos e superiores em outros, de acordo com a localidade em que ocorre a infração. São penalidades distintas para dentro das localidades (áreas urbanas) e fora delas. Em comparação com os valores cobrados no Brasil, elas são superiores; variando de R$ 211,00 a R$ 8.572,00, em terras lusitanas, enquanto no Brasil, as multas têm valores únicos em todo o território nacional, independente de trechos nas cidades ou rodovias.
Segundo o estudo do ONSV, o Japão que é considerado um país que pune com rigor o desrespeito às regras de trânsito, aplica penalidades que variam entre 9 mil e 100 mil ienes (R$ 277,00 e R$ 3.060, respectivamente). Vale destacar ainda que no país, o condutor pode ter o direito de dirigir suspenso com apenas dois pontos no prontuário.