Dia Mundial Sem Carro: o que há por trás dessa data?
Portal do Trânsito conversou com especialistas sobre o objetivo desse movimento, que visa promover uma cultura de locomoção alternativa.
No dia 22 de setembro acontece o Dia Mundial Sem Carro. A data, que nasceu na França em 1997, tomou repercussão mundial anualmente e desde 2003 marca presença no Brasil, com manifestos e encontros que alertam para os perigos do uso exacerbado de carros e chamam atenção para os benefícios dos transportes alternativos, especialmente a bicicleta.
Segundo dados mais recentes do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), levantados em julho de 2021, o Brasil tem quase 110 milhões de veículos automotores – o que representa um veículo a cada dois brasileiros, sendo pouco mais de 58 milhões e 762 mil o total de carros, 53,44% de toda a frota nacional.
Brasil e a “cultura do carro”
Esses altos números podem estar relacionados a uma possível “cultura do carro”. O veículo ainda oferece uma imagem de status e liberdade ao brasileiro, como aponta a ONG Rodas da Paz, que conversou com a reportagem do Portal do Trânsito sobre a data.
“O Brasil teve uma industrialização centrada na produção de carros e peças. Isso gerou um crescimento das cidades focado no carro invés de nas pessoas. Viadutos permitem o fluxo do carro, mas são soluções caras e que dificultam a criação de ciclovias e calçadas. Além disso, o carro estimula o sedentarismo, gera engarrafamentos e resíduos de difícil reciclagem”, informou.
A ONG nasceu após um grupo de pedal e professores da área de trânsito se assustarem com os altos índices de mortes de ciclistas no trânsito do Distrito Federal, causadas principalmente pela alta velocidade nesse espaço, o que acabou fazendo com que eles tivessem medo de pedalar em vias públicas. Com isso, o grupo se juntou com a missão de promover o convívio pacífico entre modais por meio do estímulo ao uso da bicicleta.
Segundo a ONG, os ciclistas ainda sofrem para ter um espaço seguro no trânsito por conta de diversos fatores, entre eles as altas velocidades das vias, que priorizam os carros. “Nunca teremos ciclovias em todas as pistas da cidade e nem faz sentido termos, precisamos de uma cidade com velocidades compatíveis com a vida. Não há estacionamento para bicicletas (os paraciclos) nas comerciais. E se os lojistas os colocarem em área pública, podem ser multados. As ciclovias não têm continuidade para não atrapalharem o fluxo do carro. E quando as vias cruzam com as ciclovias, a prioridade é dada muitas vezes ao carro, o modal mais rápido e mais danoso à cidade”, elencou.
Por mais que grande parte das cidades sejam feitas para o carro, viver sem ele como principal meio de transporte não é tão difícil quanto parece. É o que explica o analista de transporte público do Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento do Brasil (ITDP Brasil), Pedro Bastos.
“Se considerarmos que quem possui carro tende a ter renda mais alta e, consequentemente, tende a viver em bairros mais bem servidos de infraestrutura de transporte público e ativo (ciclovias, boas calçadas etc.), viver sem carro é possível e, além de tudo, muito pertinente. Até porque são nesses lugares onde há maior possibilidade de acesso a oportunidades de trabalho, lazer, estudo. Para esse público, especialmente em grandes centros, não é incomum que a padaria fique a cinco minutos de caminhada de casa. Ou, mesmo, que o local de trabalho seja facilmente acessível pegando um ônibus ou metrô. Nesse sentido, o uso do carro muitas das vezes é um estilo de vida, não uma obrigatoriedade”, diz.
Para evitar congestionamentos, sobretudo nas rodovias mais movimentadas em horários de pico, grandes cidades utilizam o sistema de rodízios, que gerencia é uma ferramenta que gerencia o fluxo de veículos em circulação. São Paulo, por exemplo, adota de segunda a sexta o rodízio por final de placa de veículo, que não circulam em determinados horários.
Menos carros, menos poluição
Essa medida também acaba auxiliando na redução de poluentes, problema em que os carros são grandes agentes. Isso ocorre porque grande parte dos veículos ainda funciona à base da queima de combustíveis fósseis, o que é prejudicial ao meio ambiente.
Pedro cita a cidade de São Paulo como exemplo, onde os carros são responsáveis por mais de 70% das emissões de gases poluentes – como o monóxido de carbono, o gás carbônico, o dióxido de enxofre, dentre outros. Além disso, dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran/SP) em 2018 levantaram que 49% da frota de veículos motorizados da capital é formada por veículos movidos apenas a gasolina (sem contabilizar os veículos flex e a diesel, que chegam a tomar dois terços da frota total).
“São dados dramáticos, considerando que a poluição atmosférica não degrada apenas o meio ambiente, mas também atinge a saúde das pessoas de forma desigual. Os mais pobres são os mais vulneráveis à exposição a poluentes locais. Isso acontece devido à maior dificuldade de acesso ao atendimento médico, por exemplo – ainda que não sejam usuários diretos dos carros. Neste sentido, falar do risco que os carros provocam à poluição também significa falar de como ele desempenha papel crucial na acentuação das desigualdades sociais”, afirma.
Cidades sem carros
Há diversas opções ao uso do carro. Desde o transporte ativo, utilizando a bicicleta ou cumprindo o trajeto a pé, passando pelo uso e valorização do transporte público, e recorrendo até a soluções baseadas no próprio carro, só que mais sustentáveis. “Carona, por exemplo. Por que não se planejar e dividir carro com amigos, vizinhos? É mais eficiente do que dirigir um carro sozinho. Podem ser muitas as possibilidades. Nos grandes centros, em áreas densas e de uso misto, essas possibilidades têm sido ainda maiores”, sugere Pedro Bastos.
Os impactos da redução do uso de carros são muitos e atravessam diversas esferas sociais.
O analista diz que as alternativas aos carros tornam as cidades mais resilientes às emergências climáticas. Bem como, proporcionam uma pluralidade de meios mais acessíveis, confiáveis e, inclusive, mais divertidos para se deslocar. Além disso, também ajudam a reduzir problemas de saúde vinculados à poluição atmosférica. Por exemplo: doenças respiratórias e cardiovasculares e a proporcionar maior segurança no trânsito e maior segurança pública.
“Menos carros e mais pedestres são capazes de transformar bairros inteiros, tornando-os mais vibrantes e movimentados. Podem, inclusive, fortalecer as relações de vizinhança e solidariedade. Há muitos impactos que merecem ser identificados para acelerarmos essa inflexão. O urbanismo tático e a adoção de ruas completas são cenários que ajudam a prever essas mudanças e impactos desejados”, aponta.
Já a ONG Rodas da Paz diz que “o carro não deve ser confundido com o Direito de ir e vir”. “Estudos indicam que aumento de uso dos modais ativos aumenta o gasto com o comércio local. Além disso, espaços antes ocupados por carros parados podem se converter em praças ou áreas verdes, gerando um efeito atenuador do estresse e do estado psicológico das pessoas. A liberdade maior é você poder escolher como quer se locomover, até com a sua própria energia”.
Ainda segundo a ONG, uma cidade mais humana, com espaços verdes e menos poluição, baseia seu transporte prioritariamente em transporte coletivo e transporte ativo, como a bicicleta e o pedestrianismo. “A variedade de opções torna o fluxo pela cidade mais fácil e rico. É possível se locomover sem o carro e com a bicicleta, mas não só com ela. Também devemos contar com o metrô, o ônibus, as calçadas para os pedestres, transporte aquático, o que pudermos acessar. Para isso, o investimento público não pode ser somente focado nas vias para carro”, informou