O impacto dos sinistros de trânsito na Previdência Social: uma crise silenciosa
Artigo do Dr Alysson Coimbra sobre um dos maiores drenos de recursos da Previdência Social brasileira. Leia!

Por Alysson Coimbra
Em um momento em que o Brasil enfrenta filas recordes no INSS e o governo federal anuncia investimentos em bonificações para reduzir a espera por perícias, é fundamental analisarmos uma das principais causas dessa sobrecarga: os sinistros de trânsito.
Os sinistros de trânsito representam um dos maiores drenos de recursos da Previdência Social brasileira. Segundo estudos da Secretaria de Previdência Social, apenas no período de 2003 a 2012, o sistema previdenciário desembolsou aproximadamente R$ 25,6 bilhões com benefícios relacionados a acidentes de trânsito, uma média anual de R$ 2,56 bilhões. Estudos recentes sobre os custos de acidentes, como a Nota Técnica 75 do Ipea, não detalham o impacto na previdência. Essa ausência de classificação clara sobre o impacto dos acidentes de trânsito impede a sociedade de mensurar com exatidão o impacto financeiro da insegurança viária na Previdência, lacuna que dificulta o planejamento de políticas públicas específicas e o direcionamento adequado de recursos.
Esta realidade se torna ainda mais preocupante quando observamos o crescimento constante da ocorrência de sinistros, a deterioração da saúde mental dos brasileiros e o aumento da frota de motos. De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2011 e 2021, o número de internações de motociclistas na rede pública aumentou 55%.
Esse cenário criou um novo perfil de beneficiários: jovens em idade produtiva que se tornam dependentes de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e aumentam os pagamentos por pensões por morte.
Entre 2003 e 2012, a Previdência Social desembolsou quase R$ 12 bilhões com pensões decorrentes de mortes no trânsito. Considerando que muitas das vítimas são jovens com dependentes, esses benefícios frequentemente se estendem por décadas, representando um compromisso financeiro de longo prazo.
A fila para perícias médicas, que já era um problema crônico, agravou-se significativamente. Muitos segurados acidentados aguardam meses para a realização de perícias iniciais ou de revisão, gerando não apenas um problema administrativo, mas uma verdadeira crise social.
Reflexos profundos
Além dos custos diretos com benefícios, os sinistros de trânsito geram outros impactos econômicos significativos, como a perda de arrecadação; custos com reabilitação profissional e a perda de força produtiva. Estudo do IPEA estima que o custo total dos acidentes no Brasil, entre 2007 e 2018, foi de aproximadamente R$ 1,584 trilhão, considerando todos os impactos socioeconômicos.
Soluções estruturais
Para enfrentar este desafio, é necessário um conjunto de medidas que vão além do simples aumento da capacidade pericial. Enquanto o governo federal investe R$ 130 milhões para reduzir as filas do INSS é fundamental reconhecer que investimentos em políticas públicas de segurança no trânsito e prevenção de acidentes teriam um impacto estrutural ainda maior reduzindo, na origem, a demanda por benefícios previdenciários decorrentes de incapacidades evitáveis.
Isso inclui aumentar a fiscalização de trânsito; atuar em pontos críticos; conectar campanhas educativas e informativas ao perfil da população e, principalmente, cuidar da saúde física, mental e psicológica dos motoristas. Não podemos deixar que a validade da CNH de motoristas profissionais seja equiparada à validade dos condutores comuns. E temos que acabar com o laudo psicológico vitalício para motoristas que estão cada vez mais imprudentes, ansiosos e estressados.
Em um momento em que se discute a sustentabilidade do sistema previdenciário brasileiro, investir em segurança viária pode ser uma das estratégias mais efetivas para reduzir a pressão sobre o INSS e garantir um sistema mais ágil e eficiente para todos os segurados.
*Alysson Coimbra é médico especialista em Medicina do Tráfego e diretor científico da Ammetra