Educação ou punição no trânsito: é punindo que se educa?
Leis mais rigorosas e multas mais caras contribuem para uma maior educação no trânsito? Confira a opinião de especialistas
Foto: José Fernando Ogura/AEN.
Um estudo do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná trouxe uma alarmante conclusão. Quando os motoristas são multados, eles costumam colocar a culpa em fatores externos, como a velocidade máxima da via inadequada ou a falta de sincronia entre os semáforos. Uma das consequências desse comportamento, é o número de acidentes no trânsito.
Segundo o Detran do Paraná, mais de 30 mil pessoas morrem no trânsito todos os anos no país desde 2009. Para se ter uma ideia, em 2021, o Brasil apresentou um aumento de 3,35% no total de óbitos registrados no trânsito, totalizando 33.813 mortes por sinistros de trânsito. Ou seja: um aumento de 1.097 óbitos em comparação com os dados de 2020. Em outras palavras, 93 pessoas tem a vida interrompida diariamente pelo trânsito, uma a cada 15 minutos.
Afinal, as leis contribuem para uma maior educação no trânsito?
Essa pergunta foi feita em 2009 no programa Com a Palavra e apesar de tanto tempo ter passado, vale a pena refletir sobre as informações e perceber que nada, ou muito pouco, mudou desde então. Na ocasião, a apresentadora Fabiola Guimarães realizou esta pergunta para quatro especialistas* em trânsito. Celso Mariano, diretor do Portal do Trânsito; Tenente Silvio Cordeiro de Paula, Relações Públicas do Batalhão de Polícia de Trânsito do Paraná (BPTran) à época; Maria Helena Gussu Matos, que era coordenadora de educação no trânsito do Detran, do Paraná; e Luiz Cláudio Brito Patricio, ciclista e integrante da ONG Grupo Transporte Humano.
Para o tenente Silvio de Paula, o investimento primordial precisa ser na educação no trânsito.
“Começar desde o ensino básico, tendo uma evolução nessa educação até chegar num nível dessa pessoa estar preparada para entrar numa autoescola e se capacitar para pegar sua carteira de habilitação. E não simplesmente já irmos direto para esse ensino prático e pegar essa carteira de habilitação”, explicou.
Atitudes como essa geram uma mudança cultural a longo prazo. “O trânsito é algo que envolve a todos, não só aqueles que possuem um veículo, possuem uma habilitação e dirigem. Todos participam do trânsito direta ou indiretamente” destacou De Paula.
Na visão do tenente, uma punição que mexa no bolso e o encarecimento das multas fazem com que o motorista tome mais precaução, mais cuidado, evite as incidências. Trata-se de um recurso para reforçar a conscientização. A opinião é compartilhada por Celso Mariano, Mariana Helena Matos e Luiz Patrício. Porém, só a punição não é suficiente.
Afinal: multa educa ou não?
Para exemplificar seu ponto de vista, Celso cita o exemplo de uma conversa bastante comum que ele presencia ao pegar um táxi. Ele entra no carro, senta no banco detrás e nota que não tem cinto de segurança disponível, está ali porque está embaixo do banco. Então, pergunta:
– Moço, cadê o cinto aqui?
– Aí atrás não precisa, doutor.
– Mas por que não precisa?
– Não, porque aí atrás o guarda não vê.
– Como assim aí atrás o guarda não vê? Então o senhor usa o cinto por causa da multa, para não tomar multa?
Situações como essa são muito comuns. “Ainda que o motivo seja errado, que ele use o cinto e se proteja”, reforça Mariano.
Porém, são situações como essas, que muitas vezes geram a ideia equivocada de que apenas no banco da frente é preciso usar cinto.
“Como se a lei da inércia não pusesse em risco, corpos em movimento com desaceleração brusca no banco detrás. Tem um cara que morreu, porque uma bíblia que estava lá atrás no porta-malas. Numa freada brusca, ela voou e bateu na nuca do cidadão e o matou. Se objetos soltos dentro do carro, podem machucar, podem quebrar, amassar, imagina uma pessoa”, contextualiza o diretor do Portal do Trânsito.
Só fiscalização não basta – é preciso educar!
Para Mariano, é impossível fazer uma melhora na qualidade do trânsito sem as leis e sem a devida aplicação do rigor da lei. “Mas, se a única coisa que você tiver disponível é isso, cuidado: fenômenos como esse, de só usar o cinto de segurança na frente vão continuar acontecendo”, alerta.
Maria Helena concordou e complementou: “Assim como fiscalização – quanto de fiscalização nós vamos ter que ter? Daqui a pouco tem que ter um policial do lado de cada cidadão”. Ela reforça a importância de que a conscientização precisa ir além da punição, mas entende que esse é um caminho a ser percorrido. “A gente vê muita gente colocando, por exemplo, o cinto bem na hora. ‘Olha, tem policial, coloca o cinto!’”, contextualiza. “Quer dizer, essa pessoa está cinta zero no grau de conhecimento da importância do cinto! O cinto é para proteger a vida da pessoa”, complementa Mariano.
Uma vida vale mais do que uma caixa de ovo?
Mariano traz ainda outra analogia: “Sabe caixinha de ovo? A gente vai no supermercado comprar uma caixinha de ovo. Como é que todos aqueles ovos viajaram, foram acelerados a 100 km por hora? Porque, da granja até o supermercado, viajaram e eles estão intactos ali.
Agora imagine uma outra situação: o fornecedor da caixinha de ovo – que tem aquelas covinhas, em que o ovo fica bem justinho – entrou em greve e começaram a condicionar aquela dúzia de ovos numa caixa de sapatos. Como você acha que vai encontrar os ovos na prateleira do supermercado? Todos quebrados!
Aquelas covinhas dentro da caixinha de ovo equivalem ao cinto de segurança! Porque aí o motorista pode acelerar, pode frear e mantém intacto, porque aquele corpo – o ovo – se mantém acompanhando toda a estrutura que está em movimento e não fica solto”.
O mesmo ocorre com as pessoas. Celso chama atenção, sobretudo, para as crianças. Em uma freada brusca, com o filho que está solto no banco de trás, a chance de ele bater forte a cabeça é muito alta.
Outro fato constante de insegurança que ocorre parecido com este exemplo, é o motociclista que usa capacete, mas coloca a criança na garupa sem nada, sem proteção alguma. Há também quem coloque no meio, entre pai e irmã, por exemplo. Nunca é demais lembrar que o uso de capacete como item de segurança para motos e bicicletas é individual e precisa ser utilizado por todos os integrantes do veículo não apenas pelo motociclista.
Animais de estimação no veículo: como transportar segundo a lei?
O código prevê que esses animais podem ir no interior do veículo, porém no banco de trás. Se estiverem no banco da frente, ali próximo a um condutor atrapalhando a condução dele, é previsível a notificação.
Quer aprender mais sobre trânsito? Confira a reportagem na íntegra no vídeo abaixo.
* Entrevista veiculada em 2009. Os cargos contidos nessa matéria podem ter sido atualizados após este período