Dia Nacional do Trânsito sem muitos motivos para comemorar


Por Pauline Machado

Neste Dia Nacional do Trânsito de 2021 não há muito o que se comemorar. É preciso mais reflexão e ação. Leia a reportagem!

No dia 25 de setembro, último dia da Semana Nacional de Trânsito, é comemorado o Dia Nacional do Trânsito. A data faz referência à regulamentação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), ocorrida em 23 de setembro de 1997 pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sendo promulgado e aprovado dois dias depois.

Neste Dia Nacional do Trânsito de 2021, porém, não há muito o que se comemorar. Alguns dados divulgados na semana passada mostram que há mais motivos para reflexão do que para celebração. Veja alguns deles:

Os números estão no estudo realizado pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego – Abramet, com dados oficiais do Ministério da Saúde. Ele mostra que, entre março de 2020 e julho de 2021, no meio da pandemia causada pelo coronavírus, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou um total de 308 mil internações de pessoas em decorrência de sinistros de trânsito em todo o Brasil.

Dentre as vítimas dos chamados “acidentes de transporte”, qualificação usada pelas autoridades sanitárias, 54% eram motociclistas.

Considerado apenas o período de janeiro a julho, em 2021 o número de internações de motociclistas bateu recorde histórico, alcançando 71.344 casos graves que exigiram a hospitalização do motociclista. Além do alto custo para a saúde dos indivíduos e suas famílias, as tragédias também custaram aos cofres públicos quase R$ 108 milhões neste ano. No ano passado, o SUS desembolsou cerca de R$ 171 milhões para tratar motociclistas traumatizados.

Os dados analisados também identificaram o crescimento continuado das internações de motociclistas, à exceção de 2017, quando houve redução de 0,5% em relação ao ano anterior, e, em 2020, registrado 0,3% a menos que no ano anterior à pandemia. Observou-se, ainda, no público masculino o maior contingente de vítimas internadas pelo SUS: de janeiro a julho de 2021, foram atendidos 59.499 homens e 11.845 mulheres. Já em 2020, foram 95.343 e 19.201 respectivamente.

Dados oficiais mostram que, em média, cerca de 2 mil motociclistas que chegaram a ser socorridos e internados não resistiram aos ferimentos e morreram. Em 2020, apesar da pandemia, a letalidade dos sinistros foi uma das maiores dentre a série história: 2.094 casos. Até então, o maior contingente de motociclistas traumatizados, hospitalizados e mortos em sinistros havia sido registrado em 2016, com 2.274 casos.

Mas, por que os números são tão elevados?

De acordo com David Duarte Lima, doutor em Segurança de Trânsito, professor da Universidade de Brasília e presidente do Instituto de Segurança no Trânsito, há alguns fatores que influenciam diretamente os números acima.

O especialista analisa que na base está um serviço de transporte público precário, o que estimula as pessoas, muitas vezes para fugir desse serviço ruim, a comprar uma motocicleta. Além disso, os acidentes de trânsito com motocicletas se intensificaram devido ao aumento da frota desses veículos e, também, porque a preparação para o motociclista no Brasil é muito ruim. “Começa, por exemplo, pelos jovens e adolescentes, geralmente do sexo masculino, que não têm qualquer preparo e não conhecem os riscos deste tipo de veículo. Eles têm a motocicleta, muitas vezes, até como um objeto de aventura, pois, gostam de ousadia. Isso também tem a ver com os acidentes”, aponta.

Outro fator é que ultimamente a motocicleta tem sido muito usada no serviço de entregas. E a tendência é a continuidade dessa situação, o que representa uma exposição muito maior do motociclista. Nesse sentido, o especialista cita dois problemas que relacionam diretamente a motocicleta e o acidente de trânsito.

O primeiro, de acordo com ele, é que, em média, para cada morte de motociclista, 50 ficam feridos. Além disso, boa parte desses feridos, geralmente jovens, ficam com invalidez permanente, o que impacta no custo de saúde, custo do INSS, etc.

“Hoje no Brasil, quase 80% dos feridos e mortos no trânsito, são motociclistas. É um número espantoso e desesperador, e que infelizmente, nós não temos nenhuma política pública, nem na esfera estadual, nem na federal, muito menos na municipal para resolver essa questão. Então, vamos continuar convivendo com esse problema que está impactando muito a sociedade”, avalia.

O que pode ser feito

A primeira coisa a fazer é, de acordo com o doutor em Segurança de Trânsito, estudar o problema, fazer um diagnóstico sério, saber como esses acidentes acontecem. O segundo passo é identificar por quais motivos esses acidentes acontecem. E, por último,  como implementar políticas públicas para não deixar que isso aconteça. “Isso só é possível conhecendo o problema e apontando a solução. Bem como, trazer experiências do exterior para ajudar a resolver a situação. Precisamos de uma sólida formação dos condutores de motocicleta. Eles precisam ter conhecimento de risco, aprender quais são as vulnerabilidades, etc.. Formação é essencial e copiar algumas coisas do exterior, também”, garante David Duarte Lima.

Experiências no exterior

O professor conta que existem diferentes experiências no mundo com relação aos motociclistas. Nos Estados Unidos, por exemplo, fabricantes de motocicletas, como Honda, Yamaha, Harley Davidson, entre outras, mantêm uma fundação que enfatiza a segurança para motociclistas. Além disso, o país já vem se mostrando muito preocupado com a questão dos motociclistas. Isso porque há alguns anos o país conseguiu baixar o número de acidentes com passageiros e pedestres, mas, com os motociclistas ainda existe um número “resistente”. Ou seja, ainda há muitos acidentes com mortes de motociclistas. “Na Califórnia, por exemplo, por ter muitos veículos desse tipo, eles estão tornando muito mais rigorosos os critérios para ter carteira de moto”, ressalta.

Ele conta, também, outra situação curiosa.

Por exemplo, na Jordânia, devido ao alto poder aquisitivo, as pessoas compram motos potentes. Diante disso, o Rei, preocupado com toda essa questão de muitos acidentes com motociclistas, tomou uma decisão. “Contratou empresas para dar formação aos condutores, mostrar a vulnerabilidade do corpo, etc…”, acrescenta.

Na Europa, de forma geral, há uma formação e um treinamento muito mais rígidos. Tanto os testes de direção, quanto a formação são muito rigorosos de forma geral e tem, ainda, toda uma questão de conscientização.

“Resumindo, o que é feito lá fora, é que o cuidado é maior. Nesse sentido, se nós pegarmos 1 milhão de motocicletas aqui e 1 milhão de motocicletas na Espanha, as motos do Brasil ferem e matam de 12 a 15 vezes mais do que lá. E, por que isso, se o veículo é o mesmo? Tem algo errado aqui. O que é? De um lado, o nosso ambiente de circulação é muito ruim, especialmente para motociclistas e pedestres, as vias são muito ruins, mas, aqui, o estilo de pilotagem e a formação do piloto de motocicletas ficam infinitamente aquém do que é na Espanha, na França, em Portugal”, compara.

Medidas urgentes

Na opinião do doutor em Segurança de Trânsito, é preciso urgentemente investir em medidas para conter esse grave problema do motociclista no Brasil. “Hoje, quase 80% dos feridos no trânsito são motociclistas no Brasil. E esse problema tende a se agravar. Volto a dizer que é fundamental realizar um diagnóstico preciso, minucioso, cuidadoso, do problema e de todas as questões envolvidas. No entanto, a solução tem que vir, de um lado, por parte dos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, mas, também, grande parte tem que envolver os motociclistas e as soluções devem partir deles próprios. Sem isso a gente não vai conseguir melhorias”, reforça.

Ações em São Paulo

Uma das ações direcionadas aos motociclistas que está chamando a atenção vem de São Paulo. No sábado passado, por exemplo, o Detran/SP realizou nova edição do pitstop para motofretistas com foco na segurança.

A iniciativa dá sequência à rede de proteção lançada pelo Governo do Estado em 2020. O intuito é dar o devido amparo a esta categoria profissional que tanto tem contribuído com a população durante a pandemia.

A ação teve como foco a ampliação do número de participantes do Programa Motofretista Seguro, em que mais de 5 mil profissionais já se inscreveram. “A ação do Detran/SP surgiu para capacitar, apoiar e investir em uma boa formação para os motofretistas, que foram muito afetados durante a pandemia. Nesse sentido, o Governo de São Paulo está sempre aberto para essa categoria, que enxergamos como fundamental para todos”, explica Rodrigo Garcia, vice-governador.

Para o presidente do Detran/SP, Neto Mascellani, o programa visa atingir em torno de 250 mil profissionais. Dessa forma, oferecer aos motofretistas do Estado de São Paulo condições melhores de trabalho.

“E assim, iremos construir uma ampla rede de proteção para essa classe, que, em sua grande maioria, possui a motocicleta como principal fonte de renda”, finaliza Mascellani.

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