Hoje há 40 milhões de idosos no Brasil; em 2060 serão mais de 58 milhões, 15% deles motoristas. Como estamos preparando o país com o envelhecimento da sociedade? Leia o artigo de J. Pedro Corrêa.
J. Pedro Corrêa*
Uma das características do brasileiro é postergar decisões difíceis, empurrando com a barriga uma medida cuja importância vai crescer com o passar do tempo. Quanto mais o tempo passa, mais complicado fica. As razões, muitas vezes, são fraquinhas mas servem como justificativas. A falta de informação de melhor qualidade para decidir ajuda na indecisão. Entre estes temas “pouco lembrados” está a decisão de parar de dirigir veículos por pessoas que chegaram a este ponto por causa da idade, por razões médicas específicas ou por outras razões que, igualmente, demandariam análise mais cuidadosa. Óbvio que isto não vale para todos, mas para muitos.
Como me dedico ao trânsito há mais de 30 anos e acompanho este tema desde que comecei, senti que deveria abordá-lo neste espaço.
Busco, assim, estimular quem me lê a examinar este assunto com atenção e reagir, se julgar que chegou a hora abrir discussão dentro do seu círculo de relacionamento. Tenho acompanhado este tema não só aqui como em outros países e entendo que, no Brasil, estamos falhando feio ao não o discutirmos com maior assiduidade, mais firmeza e, principalmente mais clareza.
Precisamos lembrar que o Brasil está se tornando um país de velhos. Hoje já somos perto de 40 milhões de pessoas com mais de 60 anos. Em 2060, segundo IBGE, o percentual da população com 65 anos ou mais chegará a 25,5% (58,2 milhões de idosos), o que significa um em cada quatro brasileiros, será idoso. Em 2018 essa proporção era de 9,2% (19,2 milhões).
Este cenário deveria nos levar a uma reflexão mais atenta de como iremos enfrentar o futuro, não apenas como cidadão, mas como parente, como família, como cidade ou como país, afetando todas as engrenagens do desenvolvimento brasileiro. Hoje, contudo, quero me dedicar apenas ao simples ato de dirigir mas oportunamente quero voltarei ao assunto para abordar outros aspectos ligados ao trânsito, à segurança, bem como à mobilidade.
Importante observar que não é o fato de as pessoas estarem entrando na idade mais madura que me preocupa: o que me inquieta é saber que estamos envelhecendo e não esboçamos reações. Além disso, não mostramos preocupação nem preparação para quando este momento chegar.
O Brasil deve ter mais de 70 milhões de motoristas habilitados, cerca de 15% deles têm mais de 60 anos.
Se fizermos uma projeção destes números para 2030, 2040 ou 2050, chegaremos fácil à conclusão de que será pura inconsequência (ou irresponsabilidade) não nos atentarmos para este cenário sem tomar medidas atenuadoras. Segundo o IBGE, a partir de 2060, o crescimento da população brasileira diminui de ritmo.
Europa (570 milhões de habitantes), Estados Unidos (330 milhões), Japão (126 milhões) investem pesadamente e há muitos anos para adequar seus países para atender seus idosos. E não se trata apenas em adequar o país para este cenário futuro mas principalmente de preparar a sociedade para vivê-lo. Pelo que sinto, aqui não fazemos nem um nem outro.
De vez em quando me perguntam sobre idade ideal para deixar de dirigir. Sabemos que o CTB não define isto e nem a medicina o faz. O que médicos recomendam é que os motoristas percebam sinais (limitações físicas ou mentais) que os levem a concluir de que pode ter chegado a hora de parar de conduzir, mesmo que a idade não seja tão avançada. Embora elogiável, não é uma decisão fácil, especialmente para idosos, pois significa a perda de um dos seus símbolos mais fortes de “liberdade” que é o de se locomover sozinho por onde quiser. Em compensação, andará mais a pé e isto significará mais saúde.
Nestas horas, o papel a família é importantíssimo.
São os parentes próximos que podem observar os problemas de condução do idoso. E aí, com habilidades mas com firmeza, discutir claramente o assunto. Nesse sentido, deixar claro que o próprio idoso, ao dirigir de forma insegura, corre riscos como também pode colocar em risco a vida de outros.
Tenho repetido neste espaço que, definitivamente, precisamos acabar com o jeitinho brasileiro. E este é um bom exemplo de como podemos evitar o mal maior de sinistros com nossos idosos queridos. É vital que os órgãos de comando do trânsito produzam intensas campanhas educativas sobre o assunto, trazendo-o para o cotidiano das famílias. Ao mesmo tempo é preciso mexer na infraestrutura viária para adequá-la aos novos tempos. Se é importante que esta política para idosos no trânsito seja emanada pelo governo federal, é da maior necessidade que os governos municipais reconheçam, no plano local, o momento de agir. No espaço das cidades, sempre será mais fácil esta ação que pode ser combinada com organizações da sociedade local tornando o movimento mais efetivo.
Temos muito a evoluir nesta área.
*J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito