J. Pedro Corrêa aborda a necessidade de derrubar muros altos que protegem ilhas de excelência de municípios brasileiros. Bem como, construir pontes para facilitar o acesso ao conhecimento na gestão do trânsito.
Na abertura do meu livro “Cultura de Segurança no Trânsito – Casos Brasileiros”, de 2013, faço uma reflexão que intitulei de Muros e Pontes onde descrevo o trânsito do Brasil como um imenso arquipélago com mais de 5.500 ilhas(municípios). Se olharmos para este quadro pelo prisma do trânsito, veremos que algumas podem ser chamadas de ilhas de excelências, pelo conhecimento acumulado e pelas soluções encontradas no trânsito. Olhando ainda pelo mesmo prisma do trânsito, constataremos um grande número de outras ilhas com enorme falta destes conhecimentos (de trânsito) para se desenvolverem.
O que o país precisa, então, fazer é encontrar formas de derrubar os muros que cercam e protegem estas ilhas de excelências. Bem como, construir pontes sólidas e duráveis para que os municípios necessitados tenham acesso a esses saberes práticos e tão importantes.
Claro, diagnosticar é bem mais fácil do que fazer mas, convenhamos, já é um progresso pois pelo menos mostra um caminho firme a seguir.
O início do processo em busca do trânsito ideal já começou. Já temos evidências do que funciona e do que não funciona no nosso trânsito mesmo levando em conta nossas grandes diferenças regionais.
Se procurarmos bem, veremos hoje dúzias de cidades brasileiras que se destacam pelos progressos feitos no trânsito nos últimos anos. Algumas delas conseguiram bons feitos apenas em algumas áreas mas continuam devendo em outras. Já outras poucas, contudo, mostraram desenvolvimento harmônico nas principais áreas do trânsito forçando para baixo a curva da sinistralidade e conseguindo melhorias apreciáveis do fluxo do trânsito
Conseguiram estes maiores progressos, notadamente as capitais que tiveram apoio direto de ONGs internacionais que já atuam no Brasil há vários anos.
Nos últimos anos temos visto falar bem mais de Fortaleza, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo como membros do pelotão de frente que tiveram assessoria da WRI, Iniciativa Bloomberg, Vital Strategies, Instituto Cordial e várias outras instituições que trouxeram do exterior seus conhecimentos para adaptá-los às condições brasileiras. Outras capitais brasileiras estão se juntando a este grupo de liderança.
Para os municípios que buscam fazer parte da linha de frente deste movimento resta um trabalho de benchmarking com estas cidades-líderes. Além disso, providenciar meios para a transferência de experiências e conhecimento daqueles que já sabem para os que precisam saber mais. Não me parece uma tarefa tão complicada. Vou ar, a seguir, um exemplo.
Esta semana foi marcada por uma mesa redonda com 40 representantes de instituições de governo, iniciativa privada e terceiro setor com o objetivo de abordar a Fiscalização do Trânsito nas Cidades Brasileiras. Três manhãs de intensão produção onde a escolha dos participantes, a concepção do encontro, a inteligente elaboração da agenda com perguntas instigantes e subtemas pertinentes, arrancaram dos convidados respostas interessantes que serão publicadas em breve pelo Instituto Cordial.
Não foi apenas gratificante mas, mais que isto. Foi uma experiência promissora pois revelou um nicho pouco explorado dentro do quadro de análises da situação do nosso trânsito e de como a sociedade pode ajudar no encaminhamento de soluções. Tenho mais de 30 anos de atuação na área e sempre acreditei que, claro, nosso trânsito tem solução. No entanto, eventos como este renovam as esperanças num futuro melhor.
Ponto marcante foi a mescla de pessoas de áreas próximas como trânsito e mobilidade, provocando visões diferenciadas sobre a fiscalização nas cidades onde atuam.
Além de ideias novas, o mais importante foi perceber que, especialmente nas quatro cidades que desenvolvem programas de segurança e mobilidade com apoio internacional (Fortaleza, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo), se intensificam ações que já se provaram corretas e efetivas. Isto significa que outras cidades, de quaisquer portes, por exemplo, também podem se beneficiar destes avanços através de visitas técnicas para trocas de informações. Possivelmente aqui esteja o ponto mais marcante que justifica meu entusiasmo: a possibilidade de disseminação de experiências positivas entre as administrações municipais sobre segurança no trânsito.
Este é um exemplo vivo e claro de como é possível derrubar muros altos e instransponíveis. E, ainda, transformá-los em pontes de acesso fácil aos que buscam conhecimento. O papel do governo é precisamente este, contando com o apoio da sociedade organizada. Nesse sentido, o caminho está aberto.
*J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito