J. Pedro Corrêa questiona o motivo do brasileiro não se importar em perder o jogo quando o assunto é trânsito. Leia!
*J. Pedro Corrêa
Com o Brasil perturbado com os efeitos da pandemia e a sociedade às voltas com problemas de saúde, desemprego, finanças, entre outros, as olimpíadas no Japão despertam maior atenção dos brasileiros, alimentando os índices de audiência das televisões, apesar dos horários desfavoráveis.
Entre esses torcedores de ocasião, me encontro eu próprio, que como ex-jornalista esportivo, aproveito para matar a saudade dos bons tempos de cobertura esportiva e fazer minhas análises.
Mesmo sendo os jogos olímpicos o maior espetáculo do esporte mundial, com toda sua pompa e cerimônia, observo que o brasileiro-médio continua o mesmo, na frente da telinha: vibra, aplaude as vitórias e vaia as derrotas dos compatriotas, mostrando que a única coisa que importa para ele é ganhar.
Nestas horas mostramos também que somos “técnicos” em quase todos os esportes, exceto o futebol, onde somos “mestres”. Mesmo desconhecendo os subterrâneos dos esportes “amadores” no país, onde faltam ciência, conhecimento, apoios materiais e financeiros para crescer, o brasileiro ainda acha que só a vitória importa.
Se ele é assim nos esportes por que não seria fora dele?
Se trouxer este sentimento para o campo do trânsito, por exemplo, fico imaginando comigo mesmo por quais razões o brasileiro não se importa em perder o jogo do trânsito, por exemplo! Atualmente contamos mais de 30 mil mortos por ano no trânsito e este número “passa batido” no cotidiano nacional. Então, eu pergunto: Não é estranho você participar de um jogo, saber que está perdendo, que tem chances de mudar o placar e ainda assim, ser indiferente com este resultado adverso?
Confesso que tenho procurado no Brasil e no mundo por respostas que me ajudem a entender este fenômeno. E, se um dia o conseguir, disseminar seu resultado por aqui. Ao longo de minha atuação nesta área, tenho participado de inúmeros eventos, principalmente no exterior, que abordam o comportamento de risco no trânsito. Tenho lido estudos sobre o assunto e quando acho que a resposta começa a aparecer vem a frase final mais ou menos assim: “mais estudos são necessários para aprofundar o conhecimento na matéria…”. (!)
Numa das várias viagens que fiz aos Estados Unidos para participar de eventos, passei três dias em Itasca, perto de Chicago. Visitei o National Safety Council para conhecer sua maravilhosa biblioteca sobre segurança (todas as áreas: trânsito, trabalho, doméstica, etc.). Só o setor reservado a livros, publicações sobre comportamento humano e gerenciamento de risco devia ter algo como umas cinco mil obras!
Quando terminei minha visita, me perguntei mais uma vez sobre a distância que separa o nosso país de um centro de excelência em assuntos de trânsito.
No Brasil certamente existe bastante conhecimento acumulado em muitos especialistas. Não dispomos, porém, de um grande centro de estudos de trânsito que possa desenvolver mais conhecimento e que nos ajude a explicar porque somos assim. E, principalmente, que nos dê a chave para irmos à luta pela mudança do comportamento.
Deixo sempre claro que não venho do campo das humanas e não me julgo competente para fazer análises muito aprofundadas. Interesso-me, porém, bastante pelo tema, o que me leva a me informar sistematicamente sobre o que acontece nesta área em outros cantos do mundo.
Outros países já percorreram estes caminhos e fizeram boas descobertas.
Cito a Suécia, como um exemplo. Durante o final do século passado e a primeira década deste, estive na Suécia inúmeras vezes. E sempre com muitos contatos com gente das diversas áreas do trânsito.
Num desses encontros, um cientista sueco explicou ao grupo brasileiro do qual eu fazia parte, por que a engenharia e a fiscalização eram dois principais pilares de sustentação da segurança no trânsito e por que se encontram na base do Visão Zero, programa sueco que além de haver conquistado o apoio da sociedade sueca, foi copiado por inúmeros países em vários continentes.
Explicou que no mundo do trânsito, apesar de se beneficiar de todo o progresso registrado nos vários campos da tecnologia, o homem continuará sempre a cometer falhas. E não será justo nem ético que pague estes erros com a vida ou sequelas permanentes. Por isso um alto investimento foi feito na engenharia, seja nas ruas, estradas, sinalização, veículos, enfim, onde for possível.
A explicação que deu foi simples demais: “Já que não podemos mudar o homem, vamos mudar a infraestrutura”!
Assim, investimentos pesados, mexendo na infraestrutura urbana e rural do trânsito, forçaram o homem a respeitá-la e, desta forma, transitar com mais segurança. Paralelamente ficou claro para os usuários – condutores e pedestres – que estes benefícios exigiam da sociedade uma contrapartida à altura. Isto é, o irrestrito cumprimento das leis do trânsito, o que significava que as infrações teriam preço alto como de fato têm.
Os índices de sinistralidades na Suécia, que já eram baixos, baixaram ainda mais. E os suecos, hoje, já acreditam que o sonho do acidente zero é possível e está a caminho. O que era uma utopia no começo, passa a ser visto como uma esperança real.
A torcida, agora, mudou de forma e também de conteúdo.
No Brasil precisamos acabar com a indiferença aos resultados negativos no trânsito e assumirmos que podemos modificá-los, revertendo o jogo, da forma correta e sem jeitinhos. Para que este sentimento chegue a cada brasileiro, será necessário um reposicionamento das nossas lideranças, estabelecendo novas diretivas, metas, prazos e conclamando voluntários.
Quando esta ação começar, poderemos perceber que o brasileiro passará a ver com outros olhos os jogos nos quais participa. E enquanto aplaude as conquistas não se limitará a vaiar os revezes nem será indiferente aos resultados indesejados. Nessas horas, saberá que precisará juntar seus esforços para inverter a tendência das derrotas e transformá-la em esperanças de resultados positivos.
*J. Pedro Corrêa é Consultor em Programas de Segurança no Trânsito