Artigo – 2ª Década Mundial


Por Artigo

J. Pedro Corrêa comenta a publicação do rascunho do plano de ação da 2ª Década Mundial de Ações de Trânsito, da ONU/OMS que vai até 2030. 

*J. Pedro Corrêa

Foto: Arquivo Tecnodata.

A 2ª Década Mundial de Ações de Segurança no Trânsito, que vai de 2021 a 2030, começou tímida, encoberta pela violência do Covid-19 que atacou todo o mundo e dominou o noticiário neste período. Na verdade, nem houve uma preparação da sociedade para a chegada da 2ª Década. À propósito, a OMS acaba de divulgar, esta semana, um rascunho do plano de ação até 2030 a ser discutido por países e grupos de interesse ao redor do mundo. O objetivo da 2ª Década é reduzir pela metade o número de fatalidades mundiais no trânsito até 2030. O que significa sair dos atuais 1.300.000 mortos por ano para 650.000. Um desafio e tanto.

Trata-se de documento muito importante para quem acompanha este movimento global, sobretudo aqueles que podem colocá-lo em prática mesmo que parcialmente. Há sugestões de ações a serem desenvolvidas assim como oportunidades de interações seja com instituições governamentais de nível local, estadual e mesmo nacional ou mesmo com outras entidades privadas ou não governamentais.

Torço para o Brasil possa utilizar este roteiro e implementá-lo durante esta década. Afinal, esta será a grande oportunidade de colocar nosso trânsito na mão certa e com isto reduzir o número de sinistros de trânsito que vitimam mais de 30 mil pessoas por ano e ferem centenas de milhares de outros. Não bastasse a dor e o sofrimento por tantas perdas, há o custo econômico que pesa demais para países como o nosso com tantas prioridades em outras áreas.

O documento está disponível para download nos seis idiomas oficiais da OMS: árabe, chinês, inglês, francês, espanhol e russo. O texto em inglês está aqui: https://cdn.who.int/media/docs/default-source/documents/health-topics/road-traffic-injuries/global-plan-of-action_en_web.docx?sfvrsn=ec7e1eae_5. São 36 páginas recheadas de informações, orientações, dicas que podem ser de grande utilidade. Espero que cedo seja traduzida para o português para mais fácil leitura e compreensão.

A parte inicial da proposta aborda as principais lições deixadas pela 1ª Década que terminou em dezembro de 2020. A parte 2 apresenta a estrutura para a governança da segurança no trânsito; a 3 cobre a implementação do sistema seguro que é o alicerce dos programas mais bem sucedidos atualmente nos países mais desenvolvidos. Além de abordar a avaliação do contexto da segurança no trânsito, este capítulo oferece também as linhas gerais para a implementação de um plano de ação além de orientações sobre como monitorá-lo.

A parte 4 do documento trata das intervenções do sistema seguro abordando tópicos como infraestrutura viária, segurança veicular, comportamento dos usuários e respostas pós-sinistros. A parte 5 se ocupa do monitoramento e avaliação do plano e o capítulo final analisa o caminho a seguir.

O grupo encarregado de formular este rascunho de plano ressalta que ele não é um conjunto de recomendações ou regras exatas. Antes, deve ser visto como um guia a ser avaliado pelos grupos de interesse de acordo com a conjuntura local. Os autores afirmam que reduzir 50% das fatalidades até 2030 é possível, independentemente do nível econômico do país se forem seguidos os passos recomendados pelo sistema seguro pelos próximos 10 anos. Cita como exemplo que se as nações conseguirem reduzir 7% das fatalidades a cada ano, acabarão chegando aos 50% ao final dos 10 anos.

As lições deixadas pela 1ª Década Mundial 2011-2020 oferecem boa base para se acreditar no resultado preconizado para esta nova etapa até 2030. Atraiu novos financiamentos, viu surgirem novas parcerias e trouxe o trânsito para mais perto da arena política global de questões de desenvolvimento. A inclusão da segurança no trânsito entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), juntamente com a indicação de um representante de alto nível do Secretário-Geral das Nações Unidas para Segurança no Trânsito, mostra a importância do tema entre as necessidades globais.

A primeira lição deixada pela década passada é que a vontade política do mais alto nível de um país é fundamental para mobilizar a sociedade. Este é, claramente, um problema bem brasileiro. O interesse do chefe de estado será determinante para o sucesso de um plano bem sucedido de ações. Ele só se materializará, porém, através do nível de financiamento para que o setor possa realizar sua missão.

O 2º ponto é que uma boa governança é fundamental para a implementação do sistema seguro. Os problemas constatados nesta área em vários países durante a primeira década são, também, muito similares aos observados no Brasil e devem ser corrigidos se efetivamente queremos atingir o objetivo no final de 2030. A 3ª e importante lição versa sobre a gestão da segurança viária como função integrada dentro do sistema seguro. Embora a gestão da segurança no trânsito tenha sido considerada como um pilar separado durante a 1ª Década Mundial, de 2011-2020, agora, neste plano, ela é tratada como um tema transversal. Além disso, como parte da governança de sistemas seguros.

A gestão não deve ser buscada como uma meta isolada, mas como um meio de governar. Isso deve ser feito por meio de coordenação, legislação, financiamento e alocação de recursos, promoção, monitoramento e avaliação, pesquisa e desenvolvimento e transferência de conhecimento. Se essas funções serão administradas por uma agência governamental independente ou por uma agência líder de fato, isso fica a critério de cada país. É necessário, contudo, garantir responsabilidade multissetorial compartilhada pelos resultados por meio de uma abordagem integrada da segurança no trânsito.

A 4ª lição foca nas oportunidades para alavancar interdependências e co-benefícios da segurança no trânsito. A inclusão de metas específicas de segurança no trânsito na Agenda 2030 reflete o reconhecimento universal de que mortes e lesões causadas por sinistros de trânsito estão agora entre as ameaças mais sérias para o desenvolvimento sustentável dos países. Declara que os 17 Objetivos da Agenda são “integrados e indivisíveis, globais por natureza e universalmente aplicáveis”. Isso significa que a segurança no trânsito não pode ser comprometida ou negociada para atender a outras necessidades sociais.

O rascunho de proposta fala também da importância de um maior apoio aos países de baixa e media rendas (Brasil no meio). Lembrando que são neles que ocorrem mais de 90% das mortes no trânsito embora possuam menos de 60% da frota mundial.

Além de sublinhar a importância da tomada descentralizada de decisões por meio da abordagem do sistema seguro que implica ações e mudanças em muitos níveis. O documento toca no gerenciamento da evolução do transporte e da mobilidade, ocorrida durante a 1ª Década. Foram inovações tecnológicas como a micromobilidade (patinetes e outros modais), desafios sobre o impacto do transporte nas mudanças climáticas ou restrições de espaço associadas à crescente urbanização. Essas mudanças – com as oportunidades e as ameaças apresentadas – devem ser integradas pelos países à medida que avaliam e redesenham suas estratégias de segurança no trânsito. À medida que o transporte evolui, o mesmo deve ocorrer com as soluções implementadas para garantir a segurança.

Quero retornar oportunamente a discutir outros tópicos mencionados nesta proposta que tem mais alguns meses até que devam ser comentados e, enfim, aprovados pela OMS para que, então, sejam apresentados para execução. O que deve acontecer até meados do próximo semestre.

Minha preocupação maior é saber como o Brasil enquanto país vai responder a estas propostas já que estamos no quinto mês do 1º ano da 2ª Década Mundial. E não conheço qualquer providência na área de governo para a formação de algum tipo de coordenação executiva dos esforços. Sem que haja uma instituição coordenadora do plano de ação, não vejo como acreditar numa redução de 50% de vítimas em 2030. Nos estados e nos municípios pode-se ver interesse em participar desta mobilização, mas é preciso que o andar de cima mostre seu interesse real.

*J. Pedro Corrêa é Consultor em Programas de Segurança no Trânsito

Sair da versão mobile