Como melhorar o trânsito? Entenda como este afeta a vida de quem vive nas grandes cidades
Especialistas em planejamento urbano e trânsito debatem o que é preciso para melhorar a mobilidade nas grandes cidades
Especialistas em planejamento urbano e trânsito debatem o que é preciso para melhorar a mobilidade nas grandes cidades
Você sabia que no Brasil há uma capital que já conta com mais veículos do que habitantes? De acordo com o último censo do IBGE, realizado em 2022, o Brasil possui 203 milhões de pessoas e uma frota de mais de 115 milhões de veículos. Antes de arriscar responder qual a cidade, aqui vai uma dica.
Confira a lista dos 5 estados com maior número de veículos no Brasil
1º São Paulo, com 32.293.191 veículos.
2º Minas Gerais, com 13.028.883 veículos.
3º Paraná, com 8.575.905 veículos.
4º Rio Grande do Sul, com 7.869.630 veículos.
5º Rio de Janeiro, com 7.475.503 veículos.
Com base nesses números, você arrisca um palpite de qual a cidade proporcionalmente com mais veículos no Brasil?
Acertou quem disse Belo Horizonte. São mais de um veículo por habitante, uma frota de 2.599.029 veículos para 2.315.560 de habitantes.
Em seguida está Curitiba, que possui 1.704.286 veículos para 1.773.718 pessoas. Ou seja: praticamente 1 veículo por habitante. Em termos comparativos, a cidade de São Paulo conta com 9.150.267 veículos, mas para uma população de 11.451.999 de pessoas.
O Rio de Janeiro soma 3.062.263 de veículos para 6.211.223 habitantes. E Porto Alegre conta com 900.168 veículos para 1.332.845 de habitantes.
Como o trânsito afeta a vida de quem vive nas grandes cidades
Por consequência, o trânsito é um dos graves problemas das grandes cidades. Para tentar diminuir o impacto do trânsito, a maior cidade do país, São Paulo, adotou o revezamento do número final da placa do carro nos dias de semana, para tentar diminuir os engarrafamentos*.
Mas, o que cada um de nós pode fazer para melhorar o trânsito? Para responder essa pergunta, o programa Com a Palavra**, exibido pela Paraná Educativa, convidou 3 especialistas. Clovis Ultramari, arquiteto e urbanista, professor da pós-graduação em gestão urbana da PUC-PR. Celso Alves Mariano, especialista em trânsito e diretor da Tecnodata, empresa de educação e segurança no trânsito. Eduardo Ratton, engenheiro civil e professor de transportes da UFPR.
Apresentado por Fabiola Guimarães, o programa foi ao ar em 2009. Mas permanece muito atual nos debates que propôs. Que tal conferir este vídeo na íntegra? Basta clicar abaixo para assistir a primeira parte:
4 desafios para melhorar o trânsito no país
Leia a seguir quatro temas abordados por Celso Mariano, Clovis Ultramari e Eduardo Ratton nesta entrevista.
1. Aumento expressivo no volume de veículos
Se há 20 anos na área de planejamento urbano debatia-se como dar maior acesso à população aos veículos, hoje se tem a situação inversa. A melhora nas condições econômicas trouxe novos desafios, sendo um deles o aumento de veículos. Hoje o Brasil já ultrapassou a marca de 1 veículo para cada 2 habitantes.
“O que era uma utopia há 20 anos, e que era um desejo, está virando um grande problema”, analisa Clovis. Ratton concorda e destaca como exemplo, um trecho de via do sistema arterial que liga Curitiba a São José dos Pinhais, a Avenida Comendador Franco (popularmente conhecida como Avenida das Torres). Ele percebe que, com o passar dos anos, houve uma mudança no fluxo de pessoas chegando e saindo de uma cidade para outra, o que demonstra o crescimento de São José, mas com muitas pessoas se deslocando para trabalhar em Curitiba.
“Tivemos uma evolução econômica que permitiu com que a aquisição de veículos fosse cada vez mais fácil. E tivemos também uma falta de investimentos no sistema de transporte urbano coletivo e no sistema viário da cidade. Então essa falta de adequação entre o número de carros, que cresceu muito rápido; o sistema viário que permaneceu o mesmo, com poucas alterações; e o transporte coletivo, que continua o mesmo de trinta anos passados”, aponta.
2. Falta de investimentos no transporte coletivo
Uma pesquisa da ANTT indicava que, em 2009, deslocar-se até 7 km era mais caro utilizando o transporte coletivo quando comparado ao transporte individual. Além disso, a demora no trajeto e dificuldade de acesso para alguns locais ainda era um desafio a ser vencido.
Por isso, Eduardo Ratton indica a necessidade de subsídio para tornar o transporte coletivo mais competitivo. “O sistema de transporte coletivo, para que ele seja eficiente, tem que ter mais investimentos. E para isso, ele tem que ter um subsídio. A prefeitura tem que pensar uma maneira de subsidiar o transporte coletivo para que ele seja mais barato e mais atrativo do que o transporte individual, que hoje é o grande problema: como evitar que tantos automóveis estejam circulando”.
Clovis concorda: “é preciso repensar a questão do custo, acho que é um serviço urbano que talvez não dê para fazer sem ter subsídio”, pontua.
3. Novas soluções que diminuam o fluxo, sobretudo nos horários de pico
Entre as opções citadas para melhorar o trânsito, estão o rodízio, o aumento do trabalho em home office, a diminuição da carga de trabalho e a carona solidária.
Clovis defende que a solução está em “uma política de choque, que vá além de simplesmente ampliar a rede urbana”. E Celso lembra que debater mobilidade vai além do trânsito. Atitudes simples, como não sobrecarregar o trânsito querendo correr e costurar para chegar antes, buscar o uso de transporte público sempre que possível e ampliar as possibilidades de home office são itens que precisam estar na análise. “Vai usar o carro? Dê carona para o vizinho! Quem sabe o colega de trabalho mora a duas quadras?”, incentiva.
Para Celso, é preciso usar a tecnologia a favor. “Se nos dissessem 20 anos atrás, que teríamos um telefone para levar no bolso e que também permitiria conectar à internet – uma rede virtual que ligaria vários computadores, item que até então só grandes empresas tinham… hoje não, qualquer um tem em casa. Essas maravilhas todas nos dão uma possibilidade de interação social muito rápida e muito intensa. Num segundo eu completo uma ligação DDI para um amigo meu que esteja no México, no Japão ou na Europa, mando um e-mail e é praticamente instantâneo que alguém receba e possa responder. Tudo está muito rápido, menos o trânsito”, evidencia.
4. Necessidade de uma companhia de engenharia de trânsito nas grandes cidades
A exemplo do que São Paulo já possui, Clovis analisa que as grandes cidades poderiam se beneficiar de ter uma companhia focada em projetar em cima das muitas variáveis complexas das quais decorrem o trânsito.
Ele também indica que é necessário olhar para trás e repensar se as políticas realizadas nos últimos 15 ou 30 anos, de valorização do transporte individual, funcionaram ou não para melhorar o trânsito. “Basta você pegar um exemplo clássico aqui em Curitiba, ou qualquer outra cidade que você tenha tirado áreas de passeio, pedaços de praças ou canteiros, impermeabilizado áreas para valorizar o transporte individual para garantir o fluxo. Acho que podemos pegar aí cinco exemplos em Curitiba e ver se isso contribuiu de fato mesmo. Conseguiu enfrentar o problema ou não? Se não resolveu, eu acho que a gente tem que repensar todas essas medidas”.
Ratton concorda e lembra os investimentos físicos feitos no sistema viário. Como exemplo, citou à época em que foram retirados os estacionamentos da Av. Visconde do Guarapuava, onde há alto fluxo em Curitiba.
“Parece que aquilo ia ser a grande solução. Um ano depois, a velocidade já voltou a ser tão baixa quanto, porque à medida que se aumenta a rua, mais automóveis também vão concorrer para utilizar aquela rua. E por outro lado, também se tirou o estacionamento, eles vão estacionar em algum lugar. Então se a gente não se preocupou em criar estacionamentos, eles vão estacionar em outras ruas que vão transformar aquelas ruas também em um trânsito mais lento”, observa.
Por isso, ele destaca que a concepção do sistema viário tem que estar associada com a questão do transporte coletivo e isso de uma maneira permanente.
Quer assistir na integra este debate? Confira nos vídeos a seguir as partes 2 e 3 desta entrevista.
* Em 2009, quando foi realizada a entrevista, a cidade de São Paulo contava com uma frota de quase 7 milhões de veículos.
** Entrevista veiculada em 2009. Os cargos contidos nessa matéria podem ter sido atualizados após este período.