Uso da bicicleta aumenta como solução para o trânsito
Em um momento em que as manifestações quanto ao preço das passagens e à qualidade dos ônibus abrangem todo o Brasil, em que as vias não acompanham o crescimento da frota de automóveis, outras opções são avaliadas para melhorar a mobilidade urbana das grandes cidades. Uma alternativa que cada vez ganha mais força no País e é sugerida por especialistas em trânsito em todo o mundo é o uso de bicicletas. O assessor de transporte e trânsito e professor da Unisinos, João Hermes Nogueira Junqueira, é um dos que confirmam esse cenário. “Onde a topografia é favorável e a sociedade demanda por isso, acho que o gestor público tem que oportunizar infraestruturas viárias seguras, para que as pessoas possam utilizar a bicicleta”, sustenta. Junqueira acrescenta que deveriam ser realizadas campanhas para a conscientização dos motoristas quanto ao respeito aos usuários de bicicletas. “É uma questão de consciência, de educação, que pode ser implementada nos municípios”, acredita o professor. No entanto, ele adverte que, ao se construir uma ciclovia, ela precisa ter uma origem e um destino. “Vemos muitos municípios fazendo ciclovias em pedacinhos, isso não leva a nada, não resolve”, alerta. No caso de Porto Alegre, o professor aponta que o processo está “caminhando”, mas ele não diria que a Capital, no estágio atual, é um bom exemplo. Junqueira cita a situação no bairro Restinga, em que a implantação da ciclovia atrapalhou o passeio dos pedestres. “Uma coisa é passeio de pedestres, outra é ciclovia”, reitera o especialista. Outro defensor desse veículo, o vereador de Porto Alegre Marcelo Sgarbossa (PT) ressalta que se trata de uma ferramenta de auxílio à mobilidade. “Mas, a grande saída para que a cidade flua melhor é o transporte coletivo”, afirma o parlamentar. Ele argumenta que, mesmo que estivessem prontos os 495 quilômetros de ciclovia, como está previsto no plano diretor cicloviário da Capital, não seria de uma hora para outra que a bicicleta seria adotada como um meio de locomoção de massas. “Se alguém nunca caminhou na vida e compra uma esteira para fazer isso dentro de casa, com certeza ele não vai caminhar, vai pendurar roupa nela ou fazer qualquer outra coisa”, compara Sgarbossa. De acordo com dados da prefeitura da Capital, já foram construídos 14 quilômetros de ciclovias, e a meta é de 50 quilômetros até a Copa do Mundo de futebol de 2014. Sgarbossa lamenta que as ciclovias em Porto Alegre não estão sendo feitas com a participação dos usuários. Segundo ele, as estruturas estão voltadas para a “cultura do automóvel”, pois são feitas em locais em que não atrapalham os carros. Ele também cita o caso do bairro Restinga, em que a calçada foi pintada e virou uma ciclovia. “Tudo para não tirar o espaço do automóvel, mas a ciclovia deveria ser feita na pista”, sustenta o vereador. Já no caso da ciclofaixa (faixa pintada no chão, sem separação física) da Icaraí, Sgarbossa comenta que o problema foi o seu estreitamento e a possibilidade de os carros estacionarem ao lado. “Quando um automóvel parado abre a porta, atrapalha todo o fluxo”, adverte o vereador. Outro ponto salientado pelo vereador é que muitas pessoas que gostariam de pedalar no dia a dia não o fazem com receio de serem atropeladas. Para o parlamentar, esse é um temor legítimo. Sgarbossa alerta que vários automóveis não respeitam o 1,5 metro de distância que deveriam manter do ciclista. “Ter uma cultura do compartilhamento da pista é fundamental, e o que temos hoje é que o espaço destinado ao carro está superdimensionado”, diz. Curitiba tem ciclistas dividindo espaço com pessoas na calçada Se Porto Alegre conta ainda com poucos quilômetros de ciclovias implementadas, alguns municípios brasileiros já possuem uma rede mais extensa. Conforme o assessor da presidência do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), engenheiro Antônio Carlos Mattos Miranda, a capital paranaense tem 118 quilômetros de infraestrutura cicloviária, sendo superada apenas pelo Rio de Janeiro. Ele adianta que o objetivo da cidade é elaborar projetos, durante essa gestão do poder municipal, para contemplar mais 300 quilômetros. Miranda, que participou recentemente do seminário Sustentabilidade e Mobilidade Urbana, realizado pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) TodaVida, em Porto Alegre, diz que a ciclovia em Curitiba está concentrada em parques. Também há muitas calçadas que são passeios compartilhados, ou seja, pavimentos com asfalto que servem para a mobilidade do pedestre e da bicicleta. “A partir de agora, queremos fazer uma separação específica, entre a mobilidade por uso de bicicleta e os pedestres”, comenta o engenheiro. Miranda enfatiza ainda que foi encaminhada para a análise da Câmara de Vereadores de Curitiba a proposta de que R$ 22,6 milhões sejam destinados ao desenvolvimento do transporte cicloviário. Ele acrescenta que o próprio prefeito Gustavo Fruet (PDT) compareceu a sua posse no cargo pilotando uma bicicleta. Miranda admite que, apesar de ser um entusiasta da bicicleta em Curitiba, é um pouco cético quanto à propagação do uso do veículo no País. Ele diz que são poucas as cidades que contam com infraestrutura para sua movimentação. Mesmo assim, existem exemplos do aproveitamento dessa alternativa sem a estrutura adequada. O representante do IPPUC recorda que, no Centro de Londres foi implantado o pedágio para automóveis e, de 2003 a 2007, houve o acréscimo de 66% na mobilidade por bicicletas nessa área, que totaliza cerca de 22 km2. “Nesse caso, não foi preciso construir ciclovia, porque o trânsito acalmou, é uma questão de educação, mas enquanto não temos isso aqui, infelizmente, precisamos apartar o espaço da bicicleta”, afirma. Para Miranda, a cultura do trânsito pode mudar, principalmente, se o trabalho de conscientização for feito desde a infância. “Se você ensina a criança a ser o pedestre e o ciclista do presente, quando ele chegar no futuro vai respeitar o seu passado”, acredira o engenheiro. Fonte: Jornal do Comércio