Baderna ao volante
Levantamento de VEJA RIO que avaliou 150 corridas de táxi por toda a cidade aponta as irregularidades mais cometidas pelos condutores cariocas
Tomar um táxi no Rio é dar um passo no escuro. Quando levanta a mão na beira da calçada e entra no veículo, o passageiro espera chegar rapidamente ao seu destino e pagar o preço justo. Mas é grande a possibilidade de um trajeto que seria tranquilo e corriqueiro se transformar em motivo de aborrecimento, provocado pelo péssimo serviço prestado, por malandragens usadas para esticar a conta e até por bandalhas de alto risco. Essa é a constatação de um levantamento produzido por VEJA RIO com base em uma amostra de 150 deslocamentos entre 29 de abril e 7 de maio, das 6 da manhã às 2 da madrugada. Em 44% dos percursos ocorreram uma ou mais infrações ao Código de Trânsito Brasileiro, como furar sinal fechado, abusar da velocidade e falar ao celular ao volante. Uma em cada três corridas foi encerrada com o passageiro pagando mais do que devia. Dois de cada dez automóveis estavam sujos por dentro, um deles com uma barata passeando pelo banco traseiro. “A situação é realmente complicada. O código disciplinar que regula o setor, por exemplo, é de 1970 e está muito defasado”, reconhece o secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osório.
Ultrapassadas ou não, o fato é que as regras não são cumpridas muitas vezes, de maneira descarada. É o caso da aviltante prática de recusar passageiro quando ele já está dentro do carro. Na avaliação feita por VEJA RIO, foram contabilizadas dez ocorrências desse tipo. Em uma delas, para Santa Teresa, ao ser questionado sobre o motivo da recusa, o motorista vociferou: “Não vou porque não quero. Sai do meu carro”. A agressividade, ao volante ou no contato com o usuário, é, por sinal, mais frequente do que deveria. Irritado com um Vectra que tentava mudar de pista na sua frente, um condutor passou a fazer zigue-zague diante dele, a 10 quilômetros por hora, em pleno Túnel Rebouças. “Ele tem sorte de eu estar com passageiro, senão ia ver”, ameaçou, rindo. Houve também aqueles que “esqueceram” de ligar o taxímetro truque comum para inventar um preço ao chegar ao destino. Um desses espertinhos ainda “errou” no troco em 10 reais. “Moro na Barra e cada vez que preciso de táxi é um tormento”, conta o estudante Bruno Vila. “Certa vez, tentando voltar de uma casa noturna em Jacarepaguá com minha namorada, fomos recusados por todos os carros que estavam na porta. Atravessamos a rua e só conseguimos um na quarta tentativa.”
O serviço de táxi no Rio é sofrível e continua longe de atender ao padrão de qualidade compatível com a importância econômica e turística da cidade, que está prestes a receber a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude, enquanto se prepara para ser anfitriã da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Em uma pesquisa recente realizada pelo site Hoteis.com com viajantes regulares, ficamos com a última colocação entre seis capitais brasileiras aferidas. Das sete categorias avaliadas, seguramos a lanterna em seis (limpeza, segurança, conhecimento do trajeto, cordialidade, qualidade da direção e disponibilidade). Só não fizemos feio no valor da corrida, uma vez que a tarifa carioca é mais baixa que a de outras metrópoles do país enquanto na capital paulista, a de valor mais alto, uma corrida de 10 quilômetros sai por 29 reais, aqui ela custa 21. Mas essa diferença tende a cair. O baixo custo é uma herança do marasmo que o Rio viveu nos anos 90. Na ocasião, o excesso de oferta de carros e a baixa demanda de passageiros levaram ao congelamento dos reajustes. Agora, com a cidade em plena efervescência e a procura aquecida, a defasagem tem diminuído. Tanto que a prefeitura planeja um aumento para o mês de junho. “Ainda assim, estamos longe da tarifa ideal”, reclama Marcus Vinicius Pereira, chofer há 26 anos.
Com 33 000 veículos registrados, a capital tem, de longe, a maior relação de táxis por habitante do país. Aqui, há um carro para cada 170 pessoas, enquanto em São Paulo tal proporção é de um para 400. Levando-se em conta metrópoles internacionais, a diferença é ainda mais gritante. Em Nova York, cidade que oferece um dos serviços mais eficientes do mundo, há um yellow cab para cada 700 habitantes. Com uma frota tão grande, chega a ser risível o número de fiscais em ação no Rio de Janeiro: são apenas quarenta para organizar essa turma toda. E que turma. Os choferes de praça cariocas formam um contingente eclético, majoritariamente composto de profissionais cuja escolaridade é o ensino fundamental e médio e a idade está entre 30 e 50 anos. Tal grupo se divide em duas categorias bem distintas. A primeira é a de permissionários, ou proprietários de autonomia para veículo obtida antes de 2000, ano em que a prefeitura congelou as concessões. A outra é a dos chamados auxiliares, que alugam carros dos donos de licença ou de frotas por valores que vão de 150 a 250 reais por dia. Eles são os que ganham menos, aproximadamente 2 000 reais por mês, percorrendo em média 500 quilômetros diários e costumam ser também os que mais cometem transgressões. Os donos de autonomia faturam cerca de 5 000 reais, mas podem chegar a 9 000 caso sejam vinculados a uma cooperativa bem estruturada. “Como as regras são mais rigorosas, acabamos atraindo passageiros mais exigentes, que procuram um serviço melhor e têm mais confiança na gente”, explica Maurício Gomes, presidente da Central Coop Rio de Janeiro, a maior da cidade.
Como boa parte dos atos de má-fé, os abusos cometidos pelos motoristas acabam fazendo mais vítimas entre turistas ou pessoas que desconhecem como chegar ao destino. Medidas simples, como informar-se sobre o trajeto a ser percorrido e até o valor aproximado da corrida em sites especializados na internet, reduzem muito o risco de ser tapeado (veja o quadro). A boa notícia é que o cidadão não está sozinho. A prefeitura vê com preocupação a bagunça dos táxis. A partir de setembro, a Secretaria Municipal de Transportes pretende pôr em prática um novo regulamento e um plano para uniformização da frota. Carros com mais de cinco anos de uso serão banidos e discute-se a exigência de cursos de boa conduta para motoristas. Hoje, não existe treinamento para eles ou avaliação de desempenho. Em Londres, cidade que provavelmente tem o melhor serviço do mundo, um candidato a taxista submete-se a uma rigorosa seleção e exame médico, além de ser obrigado a memorizar o mapa da cidade com o nome e o sentido de direção de mais de 25 000 ruas. Recentemente, em um bem-vindo esforço de combate aos abusos generalizados no entorno da rodoviária carioca, foi instituída a Operação Táxi Legal, com fiscalização 24 horas na região. Mas ainda não é o suficiente. Por três vezes, durante a avaliação, a reportagem de VEJA RIO tentou pegar um táxi na saída do desembarque, mas foi informada de que, ali, só pagando “no tiro”, ou seja, com preço prefixado. “Se quiser pelo taxímetro, atravessa a rua”, indicou o supervisor do ponto. Com isso, o trajeto até o porto, que custaria 21 reais pela “tabela”, saiu por 15 reais com o carro chamado na outra calçada.
Não é preciso sair do Rio para ter uma amostra de um serviço de qualidade, com automóveis confortáveis e ainda por cima ecologicamente corretos. Desde março, fazem ponto no Aeroporto Santos Dumont dois veículos elétricos, de tecnologia japonesa. Eles têm requintes como uma ignição que só é acionada com a digital do dono e um sistema de computador que desliga o motor se detecta um comportamento do condutor diferente do padrão de direção recurso que impede motoristas de guiar alcoolizados, por exemplo. “Falo alemão, inglês e considero esse carro uma oportunidade de progredir no meu trabalho”, diz Breno Oliveira, um dos dois felizardos a pilotar as engenhocas. Até o fim do ano, mais treze unidades estarão em circulação, e o objetivo da prefeitura é conceder incentivos para que a frota aumente a partir do ano que vem, quando o modelo começar a ser produzido na fábrica da Nissan, em Resende. Agora é necessário, além de modernizar os carros, preparar melhor muito melhor quem está sentado atrás do volante.
Fonte: Veja Rio