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22 de dezembro de 2024

Artigo: Sinistro de trânsito


Por Artigo Publicado 02/02/2021 às 21h10 Atualizado 08/11/2022 às 21h35
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No artigo desta semana J. Pedro Corrêa trata da nova denominação do acidente de trânsito para sinistro de trânsito, adotada pela ABNT. Para o especialista, as implicações serão grandes e profundas. 

*J. Pedro Corrêa

A comunidade de segurança no trânsito foi sacudida esta semana por uma notícia que causou grande impacto e deve provocar muitas reações pelo país afora. A ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas publicou a NBR 10697 que trata da substituição da denominação “acidente de trânsito” por “sinistro de trânsito”.

Esta norma foi elaborada pela Comissão de Estudo de Pesquisa de Transportes e Tráfego(CB-016), do Comitê Brasileiro de Transportes e Tráfego. O 1º Projeto de revisão circulou em consulta Nacional em meados de 2020 e o 2º foi divulgado para consulta no final de 2020. A NBR 10697:2020 cancela e substitui a NBR 10697: 2018, justamente a que falava em acidente de trânsito.

Na minha caminhada de 3 décadas atuando na área da segurança no trânsito, em pelo menos a metade deste período, tenho me debruçado sobre a necessidade desta mudança.

Fiz longas pesquisas na Internet quando me dei conta do quanto atrasados estamos no Brasil ao não nos preocuparmos em alterar este quadro.

 

 

Afinal, aquilo que chamamos por tanto tempo de “acidente de trânsito” não era acidente, algo fortuito. Na maioria esmagadora das vezes, porém, era resultado de negligências e que, assim, necessitava de outra classificação.

Há algumas décadas, isso já foi pior pois muitos acreditavam que acidente de trânsito era “coisa do destino” ou “vontade de Deus”.

Esta crença, felizmente, parece sepultada, ainda que seja possível ouvi-la em alguns grotões do país. Quanto a denominação acidente de trânsito, não me ocorre que tenha havido qualquer tentativa de maior porte no sentido de discutir sua correção. Por outro lado, percebi, sim, que a expressão provocava reações contrárias muito fortes e que havia um certo clamor de que este tema viesse para uma discussão nacional e que, enfim, isto pudesse ser consertado.

De repente, para surpresa geral, a ABNT publica uma norma técnica que normaliza a nova denominação. E, dessa forma, coloca o assunto na pauta de todos aqueles que gravitam em torno do trânsito no País.

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Artigo: Cidades a 50 Km/h 

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O que me surpreende nesta história é que o assunto já estava em pauta na ABNT desde 2017, mas só ano passado é que ganhou força e, então, chegou à uma decisão. Falo de surpresa pois nunca tinha visto o assunto ventilado na imprensa nem na mídia social. A ABNT, contudo, fez duas consultas populares que tiveram baixa reação por parte da sociedade. Obviamente a entidade faz a divulgação dos seus atos nos seus canais que, pelo jeito, não tem maior penetração junto ao grande público.

Me explicaram interlocutores da ABNT que a NBR 10697 se ocupa unicamente dos acidentes de trânsito e não interfere na denominação dos demais tipos de acidentes, como, por exemplo, os do trabalho, muito comuns no País. O Coronel PM Lourival da Silva Jr, da Polícia Militar Rodoviária de São Paulo me confirmou que a nova nomenclatura já está sendo adotada aos poucos dentro da sua instituição. Na Abramet, Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, da mesma forma, a mudança implicará numa mexida geral. Tanto a PMR-SP quando a Abramet tiveram assentos no comitê da ABNT.

Agora que temos uma solução para o problema do acidente de trânsito com a chegada do sinistro de trânsito, a grande pergunta que fica tem a envergadura de um desafio enorme: quem vai dizer à sociedade brasileira que a denominação mudou e quem vai convencer o brasileiro que aquilo que ele pensava tratar-se de um acidente doravante passa a ser chamado pelo nome de sinistro? A quem cabe este papel da maior importância?

Numa primeira passada de olhos, julgo que cabe ao Denatran, como líder do Sistema Nacional de Trânsito, se posicionar sobre o assunto.

Defender a solução, explicar os benefícios, dirimir dúvidas através de plano estratégico de comunicação contemplando o país como um todo e todos os segmentos da sociedade. Como sabemos que o Denatran não possui estrutura para uma tarefa desta envergadura, poderia ao menos criar uma força-tarefa para desenvolver esta missão que exige um planejamento consistente, equipe competente e recursos adequados. Afinal estamos falando de um trabalho que altera os rumos da segurança no trânsito no país e que marca uma divisão clara na história do trânsito brasileiro como antes e depois dos “acidentes”.

Como acho pouco provável que o Denatran possa assumir esta empreitada, vejo que restaria à comunidade do trânsito tentar fazer sua parte.

Ocorre que o setor não tem uma liderança definida e, consequentemente fica difícil imaginar se uma empresa, entidade, ONG, se posicionaria num eventual comando de tal movimento para implementar o projeto. Independente de quem seja, esta liderança precisará contar com os três pilares que mencionei há pouco – planejamento, equipe e recursos – para colocar em pé um plano desta magnitude.

A solução que pode salvar a pátria seria o surgimento de um patrocinador de peso, de nome e de atuação em todo o país que sentisse a importância do apoio de levar esta mensagem aos quatro cantos do Brasil numa decisão histórica que pode mudar a maneira como percebemos o risco e o sinistro de trânsito.

Na minha leitura trata-se de um trabalho de vários anos, que deve contemplar todas as implicações que a mudança pode produzir no dia-a-dia do trânsito e principalmente na cultura da segurança do trânsito envolvendo cada segmento da nossa sociedade. É uma tarefa maravilhosa que deveria encher de orgulho aqueles que dela possam fazer parte.

Por enquanto vamos dedicar às primeiras discussões sobre o assunto, mas seria muito bom que começássemos já a pensar num trabalho concreto de levar esta mensagem ao conjunto do povo brasileiro com a missão de convencer a nossa gente que, sim, temos de virar a página da história do nosso trânsito e colocar um ponto final em crenças e crendices que por ventura ainda possam existir.

A discussão se o termo sinistro é correto ou não, para mim, já pertence ao passado pois o martelo já foi batido.

Resta-nos comemorar o fim do acidente de trânsito e fazer um grande esforço para que esta mudança possa ser o início de uma nova etapa da segurança no trânsito no país. Com certeza, voltarei ao assunto em futuros comentários.

Boa sorte, Brasil!

*J. Pedro Corrêa é Consultor em Programas de Trânsito

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