J. Pedro Corrêa aborda o conceito de que segurança no trânsito é um bom negócio, como bem explorado por um palestrante norte americano no Fórum Nacional de Segurança Viária.
*J. Pedro Corrêa
O 3º Fórum Nacional de Segurança Viária, organizado na semana passada pela Trimble e Raízen foi uma excelente contribuição à troca de experiências entre palestrantes/painelistas de ótimo nível com executivos das áreas de transportes, logísticas e segurança no trânsito.
Foi uma boa oportunidade de conhecer boas análises internacionais sobre a realidade da segurança no trânsito no mundo mas ao mesmo tempo constatar a qualidade de visões aguçadas de executivos de empresas brasileiras sobre o panorama nacional. Se você perdeu a oportunidade de ver, ainda dá tempo de buscar no site do evento e assistir todas as palestras e ainda as perguntas dos participantes.
Tópico de grande interesse, manifestado pelo número de perguntas, foi a palestra do americano Sean Garney, consultor em treinamento e conformidades, que mostrou claramente como entidades e empresários do transporte de cargas dos estados Unidos transformaram a segurança no trânsito num bom negócio. Importante destacar que o “bom negócio” vale para todos os envolvidos no setor: instituições governamentais, transportadoras, clientes e sociedade como um todo. Ou seja, todos ganharam muito com a redução dos sinistros, das fatalidades e das perdas registradas nas estradas americanas.
Nem sempre foi assim.
Esta parte da história americana começa com o assassinato do presidente John Kennedy, em 1963, que leva ao poder o texano Lyndon Johnson que, já no ano seguinte, estabelece as bases para a criação da “grande sociedade” norte-americana. Em 1966, Johnson cria a Lei Nacional de Segurança do Trânsito e Veículos Motorizados e a Lei de Segurança Rodoviária. Relatórios oficiais justificavam a necessidades das leis mostrando que morriam muito mais americanos no trânsito do que nas guerras em que o país tinha se envolvido, razão suficiente para ganhar aprovação da sociedade, então sob forte impacto da Guerra no Vietnam que só terminaria em 1975.
É bem verdade que o setor de trânsito nos Estados Unidos vivia momentos bastante tumultuados com os efeitos do lançamento do livro “Inseguro em qualquer velocidade – os perigos projetados do automóvel americano”, livro do ativista Ralph Nader, publicado em 1965.
Era um duro golpe na potente indústria automobilística norte-americana, acusada de negligenciar a segurança dos carros que produzia. Advogado hábil e fortemente documentado, Nader levou a então toda poderosa General Motors ao tribunal e ganhou o caso. O episódio praticamente marca o nascimento da segurança no trânsito, dentro da história automotiva mundial. A partir dali, segurança passou a fazer parte do cotidiano da sociedade.
A partir da metade dos anos 1990, a evolução da segurança veicular americana ganha novos contornos.
Os números de perdas nas rodovias por causa dos acidentes eram significativamente altos para os transportes de cargas e exigiam uma reação à altura. A principal entidade do setor, a poderosíssima Associação Americana de Transportes de Cargas (ATA), lidera o processo. Além disso, convoca todos os associados a somar esforços e fazer da segurança viária sua grande bandeira. Transportadores percebem aqui boas oportunidades. Bem como, passam a fazer da segurança um dos seus objetivos maiores como forma de atrair novos clientes e ao mesmo tempo preservar seu patrimônio humano e material.
Os resultados, puxados pelas grandes transportadoras que reagiram positivamente ao chamado da ATA, logo começaram a aparecer. Nesse sentido, o movimento ganha o país como um todo. Na sequência, a entidade lança o American Road Team. Esse é um projeto que utiliza os melhores motoristas de caminhão das transportadoras numa maratona que percorre estados de todas as regiões “vendendo” segurança. Depois de treinamento bem desenhado, os motoristas e seus caminhões seguem em caravana pelo país afora dando palestras, conferências em escolas, universidade, sindicatos, centros de formação, meios de comunicação, áreas de governos estaduais, mostrando à sociedade americana que o TRC é seguro, altamente profissionalizado e, com isto, alavanca o desenvolvimento econômico dos EUA.
Outro programa que ajuda a vender segurança, por exemplo, é o Share the Roads. O compartilhamento das estradas onde a ATA ensina os motoristas de carros e de outros veículos a respeitar os caminhões e saber dividir com eles de forma responsável o uso das rodovias.
Este programa, juntamente com o Time Americano das Estradas são dois pilares de sustentação das ações de integração do TRC americano com a sociedade.
Ponto importante que mexeu forte nas regras do jogo do transporte americano, por exemplo, foi a produção e divulgação de estatísticas mais sólidas sobre sinistralidade. Clientes passaram a incluir no processo de seleção de seus fornecedores de transportes o critério de CSA, (conformidade, segurança e responsabilidade), amplamente divulgado no mercado.
O foco no motorista profissional ganhou destaque especial e continua sendo um dos itens mais discutidos quando se fala de segurança. Ao mesmo tempo, um grande trabalho foi iniciado e continua sendo disseminado para robustecer a cultura de segurança no trânsito nos Estados Unidos.
Os americanos, apesar de grandes progressos, continuam com muito trabalho pela frente.
Têm a vantagem de contar com muita estrutura de apoio científico e industrial, o que é fundamental. Lá, segurança não é vista como custo, mas investimento. Já se constata em grande parte do setor de transportes que segurança não deve ser vista como prioridade, mas um valor das empresas. Temos muito a desenvolver por aqui.
*J. Pedro Corrêa é Consultor em Programas de Segurança no Trânsito