Artigo: Empresa responsável
Para J. Pedro Correa, as empresas também deveriam ser responsáveis pela segurança no trânsito. O que você acha? Leia o artigo da semana!
J. Pedro Correa*
Quem tem que cuidar dos seus motoristas são as empresas e não a polícia rodoviária! Esta afirmação do líder do projeto Visão Zero, da Suécia no Fórum da Raízen e Trimble dia 28 de outubro produziu reações que variaram do aplauso ao espanto de muitos. A aprovação veio de empresas que já adotam posturas de segurança, de setores do governo e, claro, da própria polícia.
A surpresa ficou por conta de empresários que ainda não despertaram para esta prática assim como de gente que milita no setor, mas que não havia se dado conta da importância da observação.
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Para não ficar só com minha opinião pessoal, fiz uma enquete informal com grupo de interessados no assunto indo de executivos de empresas, policiais rodoviários de alto nível até representantes da área de comunicação social que cobre trânsito. Além de ouvir avaliação sobre este tópico, me interessava também conhecer a percepção deles sobre como veem o crescimento da segurança no trânsito no Brasil nos últimos anos nas empresas transportadoras de cargas, de passageiros e mesmo outras empresas que possuem frotas de veículos. Foi um bom exercício.
Sobre a responsabilidade das empresas pela segurança, para um grupo relativamente pequeno de empresários a aprovação parece óbvia.
Alguns destes já praticam segurança há vários anos, outros demoraram a começar e ainda há os que estão em processo de mudança. Contudo, claramente, há muitas empresas que continuam distantes e que não se mostram preocupadas em alterar seu modus operandi. A falta de cultura de segurança, os custos e até mesmo problemas organizacionais são alegados entre as principais explicações.
A ausência de incentivo das lideranças do setor também foi citada como fator importante.
Exemplo: a principal entidade nacional de transporte de cargas até hoje não possui programa específico de estímulo ou de assistência a seus associados para prevenção de acidentes rodoviários, dedicando-se apenas a combater assaltos e roubo de cargas.
O lado positivo deste panorama nacional fica por conta dos grandes embarcadores que, na sua maioria, passaram a exigir procedimentos de segurança dos seus fornecedores, no caso, as empresas de transportes, para assegurar que suas cargas cheguem em condições e no prazo correto ao destino. Neste setor é possível identificar grandes progressos na busca da segurança viária. Nele se encontram transportadores de todas as regiões brasileiras.
Não se pode afirmar ainda que, mesmo nas empresas que já praticam segurança nas suas operações cotidianas, se possa afirmar que já possuam segurança no seu DNA.
Quero dizer que muitas delas adotaram segurança como um valor, mas ainda tem um bom caminho pela frente até poder dizer que, enfim, é uma empresa 100% segura. Comparando, contudo, com o quadro que se tinha há três ou quatro décadas atrás, observa-se um saldo extraordinário.
O setor químico de forma geral é tido como um bom exemplo de segurança rodoviária, mostrando inclusive um ótimo sistema de cooperação setorial entre seus associados em casos de emergência. A Abiquim, entidade que congrega os transportadores de produtos químicos no Brasil, utiliza o Sassmaq, ferramenta de avaliação dos sistemas de gestão ambiental, saúde, segurança e qualidade das empresas que prestam serviços à indústria química. Em 2018 elas já somavam 850 empresas, o que já é expressivo.
“Nós somos a PRF ou melhor, nem precisamos dela, pois já cuidamos bem da nossa frota e dos nossos motoristas”, me disse Luiz Carlos Nichelle, da Transportadora Nichelle, nos arredores de Curitiba, cuja empresa tem 340 caminhões e quase 400 motoristas, bem em linha com a afirmação do sueco do Visão Zero.
Criada em 1970, a Nichelle não tem nenhuma fatalidade no seu histórico de acidentes rodoviários em que tenha sido reconhecida como responsável. Ela mantém contrato de transportes com embarcadores pesos-pesados como Raízen, BR Distribuidora e Coamo, uma das maiores cooperativas do país. Para poder atendê-los, precisa trabalhar duro. Assim como a Nichelle, há várias outras espalhadas pelo país.
Empresas como DuPont, Raízen, empresas petrolíferas, de maneira geral, são embarcadores de referências com alto padrão de segurança.
Por esse motivo, tendem a ser procuradas pelas transportadoras que buscam melhoria em seus processos.
Por isto mesmo seguem uma longa lista de exigência de seus fornecedores. Estes, além de ganharem bons contratos, passam a fazer parte do “pelotão de frente” no setor e seus motoristas são muito bem vistos no mercado.
Tibério Pereira, Gerente de SSMA da Raízen, me diz que pode-se falar de evolução na adoção da segurança pelas empresas de transportes no Brasil, mas ainda está longe de chegar ao que precisa. Com 42 transportadoras trabalhando como fornecedores, 4.500 caminhões e cerca de 5 mil motoristas, entende que, sim, cabe às empresas administrar suas frotas. Reconhece, porém, que a cultura brasileira ainda não está neste patamar, o que não significa que já não possamos ter alguns cases bem sucedidos, como o da Nichelle, de Araucária.
Esta parece ser a avaliação geral das pessoas com quem pesquisei.
Na própria Polícia Rodoviária o sentimento é de que temos feito progresso ao longo dos anos. Ainda, porém, falta amadurecimento do setor para que os empresários possam passar do terreno do interesse inicial para a fase da implantação de modelos operacionais baseados na segurança.
A grande descoberta que fiz nesta enquete com empresários foi saber sobre o desempenho da Itaim Express Motoboy, de São Paulo que possui um histórico incrível. Atuando no caótico trânsito paulista é quase inacreditável que possua os indicadores que demonstra.
“Há 8 anos não registro fatalidades na minha empresa”, me diz Fernando Souza, o principal executivo da Itaim.
É bom lembrar que morrem mais de 10 mil motociclistas por ano no Brasil.
O segredo?
“Treinamento, muito treinamento, seguro de vida para colaboradores, segurança previdenciária, convenção coletiva, respeito absoluto às normas da CLT, enfim, os motociclistas são parceiros”, explica.
Diz que não há nem afastamentos por causa de acidentes. Pessoalmente, não conheço outro caso com tal sucesso no Brasil.
Ainda não chegamos na “era da segurança”, mas estamos a caminho, mesmo entendendo que a estrada é longa! Se considerarmos são milhares de empresas de transportes rodoviários atuando pelo país afora. Podemos dizer que ainda falta muito para chegar ao ponto desejado mas se compararmos a situação de algumas décadas atrás, não há como negar que avançamos um pouco.
A percepção de que segurança não é, apenas, uma questão de responsabilidade empresarial mas, acima de tudo, um bom negócio parece ganhar força. Ainda que não no ritmo nem na intensidade ideal. É fundamental que haja estímulo, incentivo por parte do governo em todos os níveis. Assim como de lideranças do setor, incluindo entidades de porte nacional, estaduais e mesmo locais. É indispensável o exemplo dos gestores.
Segurança não deveria ser prioridade nas empresas, mas sim um valor. Prioridades mudam com o tempo. Valores, ao contrário, permanecem!
*J. Pedro Correa é Consultor em Programas de Trânsito