Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde: qual é a sua contribuição para a segurança no trânsito no Brasil
Em entrevista exclusiva ao Portal do Trânsito, Victor Pavarino conta como a Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde irá contribuir com a segurança no trânsito no Brasil.
No ano de 2019 a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) no Brasil identificou a necessidade de trabalhar de forma mais sinérgica e integrada nos territórios, alguns temas acolhidos por ela, haja vista a forma com que se congregam e se influenciam entre si.
Em um primeiro momento decidiram trabalhar mais especificamente os temas sobre segurança no trânsito; qualidade do ar e atividade física, o que resultou na Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde.
De acordo com Victor Pavarino, consultor nacional em segurança viária e mobilidade sustentável da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil, uma série de atividades foi desenvolvida entre 2019 e 2020, objetivando a fundamentação, a construção e o lastreamento dessa agenda, com o apoio de acadêmicos, gestores governamentais, ONGs, entidades não-estatais e especialistas nas áreas relacionadas.
Em entrevista exclusiva ao Portal do Trânsito, Pavarino nos conta quais foram os motivadores para elegerem, entre outros, o tema segurança no trânsito como um dos prioritários. Assim como, de que forma a Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde irá contribuir com a segurança no trânsito no Brasil, entre outros esclarecimentos sobre a iniciativa. Acompanhe!
Portal do Trânsito – O que é e quais são os objetivos da Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde?
Victor Pavarino – A Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde é um esforço para fazer com que iniciativas – políticas, projetos, programas, ações que já vem sendo desenvolvidas – ou que venham a se desenvolver, procurem abordar temas que costumam ser abarcados em “caixas” isoladas – equipes, setores, secretarias, departamentos, núcleos, etc., de uma forma mais integrada e sinérgica.
O alargamento de uma calçada ou outras estratégias de redesenho do sistema viário, por exemplo, podem não apenas prover mais segurança e conforto para os pedestres (segurança viária), mas serem elementos a mais para incentivar deslocamentos a pé (atividade física) e favorecer a migração modal de meios motorizados para o transporte ativo, com menos emissão de poluentes (qualidade do ar).
Uma iniciativa como a exemplificada pode, portanto, não apenas endereçar a questão dos acidentes de trânsito, que estão entre as dez principais causas de morte e lesões incapacitantes em países como o Brasil. Pode, também, ter efeitos entre as principais causas de mortes e anos de vida perdidos devido a incapacidades ou morte prematura no Brasil e no mundo: as doenças cardiovasculares e respiratórias que, aliás, matam ainda mais que as colisões no trânsito. Assim, essas enfermidades crônicas não transmissíveis podem ter seus fatores de risco – como o sedentarismo, o sobrepeso, a poluição atmosférica – simultaneamente atacados, com benefícios diretos e indiretos para a população.
O objetivo da agenda é dar visibilidade aos efeitos sinérgicos dessa abordagem integrada de temas, que geralmente tendem a ser trabalhados e avaliados separadamente. Além de um referencial teórico acerca dos impactos da morbimortalidade por traumatismo no trânsito, inatividade física e afecções respiratórias, o documento de referência da agenda convergente traz evidências a partir da literatura sobre as abordagens integradas e aponta caminhos.
Portal do Trânsito – Quais foram os principais motivadores para elegerem, entre outros, o tema segurança no trânsito como um dos a ter abordagem mais específica, integrando a Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde?
Victor Pavarino – A Unidade Técnica de Determinantes da Saúde, Doenças Crônicas Não Transmissíveis e Saúde Mental (NMH) da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil abarca temas relacionados à saúde ambiental; saúde do trabalhador; promoção da saúde; equidade; atividade física; violências; nutrição; segurança viária; saúde mental; tabaco, álcool e outras drogas; doenças crônicas não transmissíveis e deficiências.
A interconexão entre os temas abarcados por esta unidade técnica é expressiva, embora nem sempre visualizada nas práticas de enfrentamento das questões inerentes a esses temas. Assim, no planejamento de ações para 2019, entendemos que não obstante a atenção específica dispensada a cada um desses temas, a convergência de várias dessas temáticas deveria ser enfatizada.
A facilidade de visualização dessa convergência pelo eixo da mobilidade urbana foi uma das razões por temos elegido, em um primeiro momento, a segurança viária, a atividade física e a qualidade do ar. Mas outras agendas, como saúde do trabalhador, saúde ambiental, álcool, etc., são possíveis. Inclusive, trazer mais elementos de violência, equidade, gênero, nutrição e outros para a Agenda Mobilidade Sustentável e Saúde.
Portal do Trânsito – O que propõe a Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde para contribuir com a segurança no trânsito no Brasil?
Victor Pavarino – Com base na revisão de literatura científica e cinzenta, e na revisão dos aspectos normativos institucionais, elaboramos um conjunto inicial de objetivos a serem alcançados pela Agenda Convergente, que foram expostos e debatidos com especialistas de diferentes instituições. Os especialistas contribuíram na revisão das metas inicialmente elencadas e na proposição de linhas de ação para a Agenda Convergente Mobilidade Sustentável – infraestrutura urbana, segurança viária, tempo e modo de deslocamento; atividade física e qualidade do ar, e saúde.
Trata-se de conteúdo sobre o qual ainda cabe aperfeiçoamento, mas que pressupõe impacto direto na saúde dos indivíduos e da coletividade, à medida que possibilita segurança e conforto nos sistemas viários pelos quais eles se deslocam, melhoria na qualidade do ar que respiram e atratividade dos ambientes urbanos para a “caminhabilidade” e a “ciclomobilidade”, seja para os deslocamentos cotidianos, seja para os eventuais.
Direcionamos, assim, a busca da convergência das três dimensões de agendas para a superação de importantes barreiras à efetivação das políticas integradas de saúde e mobilidade, organizadas em cinco objetivos, com 18 linhas de ação, sobre as quais se apresentam estratégias possíveis e resultados esperados. Trata-se de um conjunto de reflexões para que cada administração municipal possa, a partir das características físico-espaciais, sociais e econômicas de sua cidade, planejar e executar ações de convergência entre essas agendas. Isso possibilita reduzir custos sociais, potencializar os investimentos públicos e acelerar a promoção de uma vida saudável.
Portal do Trânsito – De que forma as ações voltadas para a segurança no trânsito serão colocadas em prática e, a partir de quando?
Victor Pavarino – A Agenda não é um projeto, programa ou política, e sim, um subsídio a estas formas de agir frente aos temas referidos. Dessa forma, o ritmo e período que poderão ser adotados cabe às administrações das cidades.
Portal do Trânsito – De modo geral, qual é a contribuição da Agenda para a Mobilidade Sustentabilidade e Saúde?
Victor Pavarino – Do ponto de vista teórico, a agenda não é algo “novo”, pois seus princípios já vem sendo defendidos de alguma forma nos preceitos de transversalidade e intersetorialidade, nos fundamentos da promoção da saúde, nos marcos das iniciativas de saúde urbana, de cidades saudáveis, de mobilidade sustentável ou na ideia da “sindemia”, que é o conjunto de problemas de saúde interligados, envolvendo duas ou mais complicações que interagem de maneira sinérgica e contribuem para a carga excessiva de doenças em uma população. A ideia, portanto, é que essa abordagem integrada esteja efetivamente disponível para os gestores das cidades.
Portal do Trânsito – Por fim, quais são os maiores desafios neste sentido?
Victor Pavarino – No setor de saúde, os apelos à ação intersetorial e agendas interprogramáticas se intensificaram no século passado, em contraposição às abordagens setorializadas pelo paradigma cartesiano de produção de conhecimento. Com respaldo do Movimento Cidades Saudáveis, passaram a motivar a implementação de projetos interinstitucionais e intersetoriais voltados à qualidade de vida das populações urbanas. Contudo, apesar do apelo das visões sistêmicas para realidades complexas, as abordagens que atravessam áreas de conhecimento e departamentos executivos, com práticas consolidadas, deparam-se com desafios inerentes a esta intersetorialidade: trabalhar com diferentes setores, com diferentes olhares, linguagens, prioridades e formas de entender os problemas. A operacionalização da agenda convergente proposta considera suas potencialidades, quando requerem decisões e ações, normalmente trabalhadas em “caixinhas”.
A proposta de uma agenda convergente requer, além de exemplos pontuais, motivos convincentes para que gestores, protagonistas, entre outros atores, abdiquem do conforto das setorialidades consolidadas e se prestem a esforços, ampliações de horizontes, negociações e demais implicações que o diálogo entre diferentes implica. A defesa dessa visão sistêmica demanda a visibilidade de resultados e evidências da custo-efetividade política, administrativa e financeira de empreender ações fora de caixas convencionais.