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22 de dezembro de 2024

A mobilidade urbana e a acessibilidade


Por José Nachreiner Junior Publicado 17/09/2020 às 21h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h00
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As ruas, as calçadas, o transporte coletivo…existe acessibilidade no Brasil? Leia o post de José Nachreiner Junior.

AcessibilidadeFoto: Divulgação Autor.

Há cada dois anos no Brasil, desde a redemocratização, temos eleições e o grande tema esquecido pela maior parte dos futuros legisladores e gestores do executivo é a “acessibilidade”.  Segundo o último censo demográfico do IBGE, 45 milhões de brasileiros sofrem de algum tipo de deficiência física.

Cadeirantes, cegos, surdos, mudos, entre outras pessoas com deficiências, não encontram nas ruas das grandes cidades qualquer amparo planejado.  Os espaços urbanos, em sua grande maioria, foram projetados e criados para quem não precisa de adaptação, o que transforma, automaticamente, uma massa de pessoas em excluídas e invisíveis.

Acessibilidade

Quando falamos de acessibilidade, logo pensamos no calvário de um cadeirante que pode ou não ter sofrido uma sequela em decorrência de um acidente de trânsito, e uma sociedade que privilegia apenas os saudáveis e a juventude. No Brasil, também envelhecemos e os idosos fazem parte da invisibilidade e também das questões de acessibilidade quando o assunto é a mobilidade urbana. Aliás, a estatística mencionada do IBGE não leva em conta o número de idosos, que se encontra em crescimento acelerado.

As megalópoles vão sendo projetadas e planejadas para abrigar carros e jovens atletas.

As pessoas com algum tipo de deficiência vão sendo abandonadas para se deslocar nas próprias calçadas, ruas e avenidas.  São muros muitas vezes intransponíveis criados por uma sociedade que não faz questão de pensar no próximo e, portanto, um tema esquecido pelos candidatos e futuros legisladores e gestores das cidades.

KatiaKatia Gavranich, diretora e curadora e produtora
da Mac Media, Arte e Conhecimento. Foto: Arquivo Pessoal.

Moradora do bairro do Ipiranga, na cidade de SP, graduada em nutrição (USP), com mestrado em engenharia de produção (UFSC), Katia Gavranich Camargo é diretora, curadora e produtora da Mac Media, Arte e Conhecimento e sofre dos problemas de acessibilidade espalhados pelo próprio bairro.

Segundo Katia, nos últimos 25 anos houve avanços importantes na questão de mobilidade e políticas públicas de acessibilidade para pessoas com deficiência.

“Desde a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006, e a ratificação da Lei sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada no Brasil em 2009, percebemos uma maior preocupação do poder público com as questões da pessoa com deficiência, mas ainda temos muito que avançar”, afirma.

Espaços públicos

Para ela, não basta colocar piso táctil, construir calçadas planas e instituir audiodescrição, se essas adaptações ainda não chegam a todos os que precisam. Nos bairros, principalmente nas periferias, a acessibilidade ainda não chegou. Ela está restrita aos prédios públicos ou aos mais modernos que já são construídos com vistas à acessibilidade. “As ruas no Brasil não são nada amigáveis para os deficientes. Alguns pontos turísticos, como por exemplo Paraty, são inviáveis, bem como muitas praias e lugares incríveis, mas com acesso restrito. Tenho sorte de que no meu bairro, o Ipiranga, a maioria das ruas são planas, as calçadas estão sendo reformadas e ainda temos um espaço incrível do Parque da Independência, que é bem acessível, embora ainda imperfeito. Toda vez que há alguma ladeira, o que nos apavora são os degraus, barreiras que dificultam o acesso não só dos deficientes, mas de crianças e de gestantes”, explica.

Ainda conforme a Diretora, o que ocorre, é que só se pensa em acessibilidade quando há necessidades gritantes.

“Não se faz uma construção pensando em todos os tipos físicos e necessidades. Nossa luta é pela adoção do desenho universal, desenho para todos, que visa a romper barreiras”.

Para Katia, a iniciativa privada apenas participa e não protagoniza quando o assunto é acessibilidade. “Às vezes participando de forma inadequada. Por exemplo, o atendimento prioritário, disposto no artigo 5º da Lei de Acessibilidade, de 2004, não acontece como deveria em muitos estabelecimentos, como os bancos e supermercados. O artigo 6º reforça a natureza do atendimento prioritário, o atendimento diferencial e imediato ao PCD (pessoa com deficiência), o que de fato não acontece. Eles acabam destinando um caixa prioritário aos PCDs, idosos e gestantes, ao invés de atendê-los sempre em primeiro lugar, em qualquer caixa. Isso tem a ver com a mentalidade das pessoas, ditas “normais”, por exemplo”, conclui.

Leis existem para serem cumpridas

Nossa Constituição, publicada em 1988, tem como objetivo garantir os direitos sociais e individuais de todos os brasileiros, inclusive os das pessoas com deficiência.  A partir da constituição surgiram muitas leis e normas mais específicas para garantir acessibilidade e inclusão, como a Lei de Cotas, publicada em 1991, que tem como foco a inclusão de PCDs no mercado de trabalho.

Nos anos 2000, foi publicada a Lei Nº 10.098, a primeira totalmente voltada à acessibilidade.

Uma lei que abrange as barreiras do dia a dia para as áreas urbanas, arquitetônicas, transportes e comunicação, para assegurar a autonomia das pessoas com deficiência e oportunizar trabalho para todos.  Um pouco mais tarde, em 2004, o decreto Nº 5296, reforçou o que a Lei Nº 10.098 instruia, como atendimento prioritário, projetos arquitetônicos e urbanísticos acessíveis, acesso à comunicação e informação, e assim entraram em vigor as normas técnicas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) como parâmetros de acessibilidades a serem seguidos. Todos esses parâmetros se encontram reunidos no manual da ABNT 9050, e têm como foco a acessibilidade em um projeto, construção, instalação e adaptação de edificações.

Planejamento

GilmarGilmar de Lima, arquiteto, urbanista
e paisagista. Foto: Arquivo Pessoal.

O arquiteto, urbanista e paisagista Gilmar de Lima atua com a área ambiental, paisagismo e infraestrutura verde urbana.  É diretor do Instituto Atmosfera 2, coordenador do Núcleo de Sustentabilidade da Unilivre, sócio fundador da Progen Engenharia, criador e coordenador do programa Mãozinha Verde – Hub transformador, focado nos ODS/AGENDA 2030. Gilmar de Lima também foi coordenador do Fórum Nacional de Acessibilidade e Cidadania 2010/15, entre outros trabalhos voltados à acessibilidade.

Para Gilmar, o que não faltam no Brasil são leis, mas infelizmente a aplicabilidade dessas leis ligadas às questões de acessibilidade e inclusão social não fazem parte da visão e respeito.

“A população nunca se viu impelida ao cumprimento, que apesar da imposição legal nem mesmo as próprias autoridades, que deveriam fiscalizar, dão o exemplo e negligenciam até em seus aspectos primários, é o que observamos até nos prédios e áreas públicas”, diz.

Quando perguntado sobre a cidade de Curitiba, Gilmar de Lima afirma que:

“Curitiba tentou implantar políticas públicas voltadas à inclusão, mas, infelizmente, também sofre com a descontinuidade administrativa que, tal como ocorre na maioria das cidades brasileiras, também altera seus rumos a cada nova eleição.  E numa recente avaliação, pude observar que a acessibilidade no transporte público sofre por falta de manutenção, com elevadores quebrados, rampas danificadas e sinalização deficitária.”

O arquiteto complementa. “Também não se observa equidade de acessibilidade nos prédios públicos e no sistema como um todo, com carências intermodais na logística de transporte coletivo, sem integração e amplitude de atendimento para a malha metropolitana.  As calçadas da cidade não são referências, com baixos índices percentuais de acessibilidade e usos inadequados de materiais, como é o caso das pedras petit-pavê e paralelepípedos tipo lousa. Embora no passado já fomos referência, Curitiba hoje perde feio para cidades do interior, quando a questão é mobilidade urbana.  Vivemos em uma redoma, olhamos e valorizamos apenas o passado glamouroso, sem observar as carências do presente e as perspectivas do futuro”.

Na qualidade de arquiteto urbanista, Gilmar de Lima acrescenta: “não precisamos ter alguma deficiência, nem mobilidade reduzida, basta caminharmos pela cidade para notar ou “cair” num obstáculo e constatar que isso não é aprazível. Desde calçadas ocupadas por veículos estacionados irregularmente, barracas de ambulantes, equipamentos urbanos mal implantados, etc.  Não existe acessibilidade em nossas calçadas e nos estabelecimentos comercias e públicos, raramente encontramos conformidade legal”

Gilmar acredita que o tema da acessibilidade não faz parte do conteúdo escolar dos brasileiros, do ensino fundamental à universidade e, quando existe algo, são poucas referências que se limitam a palestras e ações pontuais, e afirma que falta a educação continuada para o tema em todos os níveis.

Mais uma vez, a estatística é cruel e o IBGE aponta que no Brasil, 4,7% das calçadas são acessíveis para pessoas com deficiência física.  Em uma cidade do tamanho de São Paulo, apenas 9% das calçadas são acessíveis!

O fato é que no Brasil não existe uma cidade que possa ser apontada como modelo de acessibilidade.

Para que possamos perceber esta desigualdade tão alarmante, basta entrarmos nos espaços públicos e privados das grandes cidades, desde universidades, shopping centers, supermercados, lojas, calçadas, ruas, avenidas, escolas, parques, entre outros.

Japão: exemplo a ser seguido

Com as Olímpiadas e Paralimpíadas de 2020 adiadas pela pandemia, o Japão já estava com tudo pronto para receber o público de maneira democrática e acessível. A empresa Toyota adaptou uma frota de veículos elétricos e autônomos para atender atletas e funcionários nos jogos.  Tomou como base suas modificações e melhorias no feedback e nas sugestões dos atletas, especialmente os paraolímpicos.  Para melhor utilizar o transporte, o veículo foi construído com portas maiores, rampas elétricas, corrimãos e assentos fáceis de usar para qualquer um. Ao mesmo tempo que o piso, assentos e acabamentos têm cores contrastantes para atender pessoas com daltonismo.

Nas últimas décadas, várias leis foram criadas no Japão para exigir do poder público e iniciativa privada a realização de reformas em suas dependências. Para, dessa forma, atender o público de maneira amplamente acessível.  Por exemplo, pela lei Barrier-Free (aprovada em 2008), o Ministério da Infraestrutura e Turismo obriga que novos edifícios sejam adaptados. Os velhos edifícios devem ter o mesmo padrão de adaptação.

Adaptações

As estações de trem das grandes cidades japonesas receberam instalações de elevadores e escadas rolantes especiais para cadeirantes, porém, nenhuma pessoa com deficiência é esquecida. Existe também uma grande quantidade de equipamentos em braile e avisos sonoros para deficientes visuais.  Além disso, todos os trens e ônibus possuem espaço e recursos de rampa, funcionando e com manutenção constante.

Banheiros multifuncionais são facilmente encontrados nos principais locais das cidades japonesas, graças às leis de acessibilidade do país, que, obviamente, são cumpridas.

O Japão, país desenvolvido, pensa a acessibilidade como parte integrante da mobilidade urbana há 50 anos. Nós do Brasil, país em desenvolvimento, amargamos o muro das estatísticas.

 

 

 

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