Uma ordem imaginada
Ainda hoje, vez ou outra, sou criticado pelo meu pessimismo para com o comportamento humano no trânsito, pessimismo sobre o qual já escrevi em outro artigo. E quanto mais a tecnologia se desenvolve, quanto mais eu estudo sobre a história da humanidade, mais eu me convenço que não fomos “projetados” para dirigir. E para subsidiar tal impressão, acabo de tomar ciência de um novo argumento não apenas histórico, mas biológico e evolutivo.
Recentemente, nas minhas últimas férias, conheci a organizada cidade de Curitiba. Lá, tive o imenso prazer de conhecer pessoalmente meu grande amigo, pelo qual nutro imenso apreço e admiração, Celso Mariano, do Portal do Trânsito, sediado junto às instalações da Tecnodata. Durante essa maravilhosa visita, em meio a uma agradável conversa sobre nossos trabalhos, o Celso me indicou a leitura do livro Sapiens, do doutor em história Yuval Noah Harari, que fala sobre a história da humanidade.
Durante a interessante leitura, me deparei com um capítulo que, inclusive, leva o mesmo nome desse artigo. Nele, Yuval faz uma intrigante constatação histórica que pode ter influência direta no trânsito atual. Para fins de contextualização, imagine que a humanidade tem cerca de 2,5 milhões de anos. Na maior parte desse tempo o ser humano subsistia da caça e da coleta de grãos. Por isso e por diversos outros fatores, as configurações sociais daquela época não permitiam bandos muito maiores que aproximadamente 50 integrantes, os quais cooperavam entre si tanto para manter sua segurança mediante a predadores e outros grupos, quanto para manterem uma ordem social dentro do próprio grupo.
Foi a partir da revolução agrícola, ocorrida há somente meados de 10 mil anos, que tornou-se possível a ampliação desses bandos, dando origem aos primeiros vilarejos, que sucessivamente tornaram-se povoados, cidades, reinos, até virarem imensos impérios. Naquelas comunidades, uma ordem social só foi alcançada, ainda que temporariamente, a partir de estruturas exploratórias e repressivas, nunca de forma voluntária. Por isso, o historiador defende a ideia de que, evolutivamente, o ser humano não teve tempo para se adaptar à cooperação em grandes grupos.
A revolução agrícola, que pode ser entendida como uma revolução tecnológica, modificou o desenho social de tal forma e com tamanha velocidade a ponto de não dar tempo para que o homo sapiens se tornasse uma espécie geneticamente mais cooperativa. Não seria correto inferir que o mesmo pode acontecer em relação ao trânsito? Ou seja, com a atual velocidade do desenvolvimento da tecnologia, antes mesmo que a espécie humana adapte seu comportamento para um trânsito mais cooperativo e harmônico, não teremos mais essa incumbência. A menos que, antes disso, uma outra revolução ocorra. Mas, dessa vez, uma revolução comportamental, o que eu, como bom pessimista, duvido muito.